Sem candidatos petistas no segundo turno em São Bernardo do Campo (SP) e Porto Alegre, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff optaram por não votar no domingo. Além de ilustrar o mau desempenho do PT na corrida municipal, a postura levanta discussão: abster-se em uma eleição é a atitude esperada de um ex-presidente da República?
Especialistas e políticos consultados por Zero Hora divergem. Quem critica a postura considera que os petistas demonstraram dificuldade de lidar com a derrota do partido. Como Lula tem mais de 70 anos, para ele o voto é facultativo. Aos 68 anos, Dilma, que viajou a Belo Horizonte para visitar a mãe, teve de justificar.
– É uma vergonha dois ex-presidentes, usando subterfúgios da legislação, se recusarem a votar. Fica a visão de que a democracia só é boa quando casa com a ideia deles – afirma Ricardo Caldas, professor da Universidade de Brasília (UnB).
Ministro no governo Lula e favorável ao impeachment de Dilma, o senador Cristovam Buarque (PPS-DF) lamenta as abstenções de dois líderes de um partido que costuma destacar a defesa da democracia e a conquista do voto direto nas eleições.
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– Votar branco ou nulo é um direito, apesar de ser um equívoco. Foi um péssimo exemplo – avalia Buarque.
As ausências geraram provocações de tucanos. O senador Paulo Bauer (PSDB-SC) lembrou que Fernando Henrique Cardoso, aos 85 anos, "não foge das urnas" – em São Paulo, onde vota o ex-presidente, a eleição foi definida no primeiro turno, com a vitória de João Doria (PSDB).
Professor de Ética e Filosofia Política da Unicamp, Roberto Romano evita emitir juízo sobre a decisão de Lula e Dilma, mas destaca que a abstenção de Lula é mais relevante, em razão da sua liderança dentro do PT:
– Lula deve ter concluído que não valeria a pena ir até a seção para votar, sabendo que esse gesto não traria votos para seus candidatos pelo país.
Voto é um estímulo ao eleitor, diz Olívio Dutra
Dentro do PT, parlamentares entendem que a abstenção foi uma escolha pessoal dos ex-presidentes, em consonância com a defesa de lideranças pelo voto nulo em Porto Alegre e São Bernardo.
– Desconheço as razões deles, mas não vejo problemas. Só havia candidatos comprometidos com o programa de Temer. Anular ou não ir votar tem o mesmo efeito – pondera o deputado Pepe Vargas (PT-RS).
O ex-governador Olívio Dutra discorda. Aos 75 anos, sem a exigência do voto, ele participou do segundo turno em Porto Alegre:
– É sempre simbólico para quem exerceu ou exerce cargo público estimular o eleitor ou eleitora a exercer a sua cidadania por meio do voto.
Discussão é "factoide", avalia cientista político
Cientista político da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), João Feres Júnior considera a discussão um "factoide". As abstenções dos petistas seguem na linha na decisão de milhões de brasileiros que optaram pelo "não voto" em 2016:
– É uma questão irrelevante Lula e Dilma terem ou não votado. É a mídia mantendo a perseguição ao PT. A democracia do Brasil está em descrédito por razão do impeachment e pela demonização da política.
Para a cientista política Dulce Pandolfi, professora da FGV/CPDOC, as ausências podem ser entendidas como um protesto dos ex-presidentes petistas contra a situação política do país:
– O voto perdeu um pouco o sentido depois do impeachment. Tivemos um golpe e não vivemos situação de normalidade democrática, o que não incentiva a votar.