Dotado de uma personalidade intrigante – o que fica evidente pelas descrições de empresário bonachão, informal e bon vivant – o pernambucano Fernando Cavendish, ex-presidente da empreiteira Delta Construções, recebeu na manhã desta quinta-feira uma visita da Polícia Federal (PF) em seu luxuoso apartamento, localizado na Rua Delfim Moreira, no Leblon, zona sul do Rio.
Ele, que também foi alvo de um mandado de prisão, é um dos 22 investigados pelo Ministério Público Federal na Operação Saqueador, que apura um esquema de lavagem de dinheiro de verbas públicas federais. Conforme a PF, o mandado não pôde ser cumprido pois o empresário havia embarcado no último dia 22 para a Europa. A Interpol será contatada para localizá-lo.
Já conhecido pelo envolvimento em outros esquemas escusos, Cavendish costuma chamar a atenção pela boa relação cultivada entre políticos, como o ex-governador do Rio Sérgio Cabral (PMDB). Além disso, ganhou destaque ao protagonizar o aumento do patrimônio líquido da sua empresa em 20 vezes - de R$ 50 milhões, em 2001, para R$ 1,1 bilhão, em 2011. Nesse período, foi brindado com muitas obras do governo do Rio e do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
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Responsável ao longo dos últimos anos por diversas obras públicas de grande porte em todo território nacional, a empreiteira Delta foi responsável pela construção do Estádio Engenhão e a reforma do Maracanã.
Ao longo de sua bem-sucedida carreira, Cavendish, hoje viúvo e com 53 anos, enfrentou, e segue enfrentando, diversos problemas com a Justiça.
Operação Grande Empreitada
Em junho de 2005, por orientação do então governador do Paraná Roberto Requião, a Secretaria de Segurança Pública paranaense desencadeou uma operação chamada Grande Empreitada, que investigava fraudes em licitações de obras públicas. Cavendish estava entre os 27 empresários com mandado de prisão, mas não foi detido por não ter sido localizado em seu endereço. Na ocasião, a sede da Delta foi vasculhada pela polícia.
Os pedidos de prisão preventiva acabaram sendo revogados pela Justiça, que também rejeitou as denúncias oferecidas pelo Ministério Público (de formação de quadrilha - contra sete pessoas - e fraudes a licitações - contra 29 pessoas).
Operação Monte Carlo
Cavendish tinha também uma relação próxima com o empresário Carlinhos Cachoeira, outro alvo da operação deflagrada nesta quinta-feira e que já responde por mais de uma dezena de crimes. A proximidade dos dois ficou evidente em 2012, pela Operação Monte Carlo, que investigava a exploração de jogos de azar e a ligação de Cachoeira com agentes públicos e privados.
Na ocasião, ligações gravadas entre os dois levaram a empresa Delta a ser alvo de um processo administrativo, e Cavendish a licenciar-se da presidência do conselho de administração da Delta Construções.
O executivo acabou não sendo indiciado, mas Cláudio Dias de Abreu, ex-diretor da Construtora Delta, acabou condenado a dois anos e oito meses de prisão por formação de quadrilha, mas acabou tendo a pena convertida em prestação de serviços e pagamento de valor equivalente a 160 salários mínimos em um segundo julgamento.
Segundo as investigações, Abreu auxiliava Carlinhos Cachoeira no comando da máfia dos caça-níqueis em Goiás e no Distrito Federal.
Despoluição da Lagoa de Araruama
Em maio de 2013, o empresário acabou condenado em primeira instância a quatro anos e seis meses de prisão em regime semiaberto, por desvio de verbas destinadas à despoluição da Lagoa de Araruama, na Região dos Lagos fluminense.
Para a Justiça, o desvio de verbas federais envolveu a cúpula do executivo local em aliança com a Delta, gerida por Cavendish. O desvio de verbas públicas aconteceu em 1999 e se deu pelo superfaturamento de algumas etapas do serviço. A Delta cobrou, de acordo com a sentença, R$ 191 mil para levar e retirar o maquinário da obra, quando o valor de mercado para o serviço era, também em valores da época, de R$ 14 mil.
A empresa
A história por trás da Delta remonta à década de 1960, quando foi fundada, em Salgueiro, a 518 quilômetros de Recife, pelo pai de Fernando, Inaldo Soares, que era ex-funcionário do antigo Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER).
Com um foco em construção e manutenção de estradas, a empresa teve sua sede transferida para Recife, e posteriormente ao Rio de Janeiro, onde Cavendish já vivia e estudava engenharia. Foi aos 27 anos, em 1990, que o jovem empresário assumiu o conselho de administração da Delta, onde permaneceu por 22 anos.
A partir de então, e pela sua aproximação com o então governador do Rio de Janeiro, Anthony Garotinho, Cavendish lançou a empresa para grandes obras de âmbito nacional, disputando com empreiteiras maiores, fixando preços abaixo do mercado, e ganhando licitações. Sob seu comando, a Delta passou a executar também obras de infraestrutura urbana e projetos habitacionais.
A empresa tem, atualmente, 100% de seus contratos com o poder público. Há 195 obras da empreiteira em andamento no país, e braços dela em 23 Estados.
As festas
O lado extrovertido do empresário - e as relações de proximidade com políticos - ficou mais evidente com a divulgação de uma foto, em 2012, de Cavendish ao lado de diversos membros da cúpula do governo do Rio, inclusive do então governador Sérgio Cabral, durante uma festança em Paris. O encontro teria ocorrido em julho de 2009. No momento das fotos, comemorava-se o aniversário da então primeira-dama, Adriana Anselmo. Na imagem, os políticos aparecem aparentemente no meio de uma coreografia, com guardanapos na cabeça. Participavam da comemoração os então secretários de Saúde, Sérgio Côrtes, e de Governo, Wilson Carlos, entre outros.