As dragas retiram areia do fundo das águas todos os dias, são centenas de toneladas. Uma extração que ocorre neste ritmo há quase três décadas e pode ter levado o rio à exaustão.
As embarcações puxam a areia do rio por meio de um cano de sucção. Quando o cano não encontra mais areia no fundo, a opção de muitos mineradores é se aproximar das margens. Essa extração próxima da costa é ilegal, porque tira a sustentação do solo, e tudo o que está sobre a margem vai abaixo. O fenômeno é conhecido como solapamento e causa um dano ambiental irreparável.
Durante a produção da reportagem, muitas dragas foram flagradas trabalhando próximas das margens e outras em áreas de preservação. Todas as irregularidade flagradas durante as incursões pelo Jacuí foram mapeadas. As imagens captadas também foram registradas por uma câmera fotográfica que marca a posição via satélite. Com a mesma câmera, foram registrados os pontos de degradação às margens do rio.
O desaparecimento de praias, de pontais e bancos de areia é investigado pela Polícia Federal. Em 2007, o levantamento mostrava o sumiço de 33 praias, hoje seriam 100.
RELEMBRE A SÉRIE: Crime no Jacuí
SAIBA MAIS:
Na apuração da reportagem, Renata Colombo (Rádio Gaúcha) e eu constatamos que as Licenças Ambientais e operacionais não estavam sendo respeitadas.
Após as reportagens, o então presidente da Fepam, Carlos Fernando Niedersberg, disse que apesar das irregularidades constatadas, o órgão não teria condições de averiguar a extração ilegal por que faltam fiscais para a atividade.
"A gente tem apenas 15 técnicos na divisão inteira de mineração, sendo seis dedicados à atividade de fiscalização, não só do Jacuí, mas do conjunto das atividades minerárias do Rio Grande do Sul", afirma Niedersberg.
As permissões são concedidas pela Fepam, que afirma realizar levantamentos do impacto ambiental antes de liberar a extração de areia nos locais. "São exigidas sondagens para analisar toda a profundidade do extrato de areia a ser minerado. E com base nessas informações que a Fepam determina restrições e condicionantes em suas licenças", diz o geólogo da Fepam, Fábio de Lima Noronha. Mas o chefe da Divisão de Mineração da Fepam reconhece que há falhas para comprovar os estudos, que são feitos pelas próprias mineradoras. Falta pessoal para ir aos rios e aparelhos, como os usados para medir a profundidade do rio e mostrar se ainda há areia no local.
"A Fepam não possui ecobatímetro. A Fepam não tem condições, atualmente, de fazer uma auditoria nas informações que as empresas consultora, que é uma empresa técnica, está enviando. Isso a Fepam não tem condições", afirma o geólogo.
Empresas negam procedimentos ilegais de extração
A reportagem procurou as quatro empresas responsáveis pelas áreas onde foram feitos os flagrantes. Elas concentram 95% da retirada de areia do rio. Apenas a Rossi Mineradora não retornou o contato. Os empresários dizem que a queda das margens é uma ação natural do rio. Eles negam as irregularidades e garantem que seguem as regras das licenças ambientais.
"Não existe uma maneira de executar atividade se não for através do regramento, do licenciamento ambiental", afirma o sócio da Aro Mineração, Márcio Machado.
"Nós temos fotos de áreas, inclusive de fotométricos feitos periodicamente desde a década de 1980, onde se pode notar que não houve degradação da margem", diz o diretor-presidente da Somar Mineradora, Vitor Della Mea.
"Nós temos trabalhos que medem acidez da água, a erosão, solapamento... Só melhorou em relação ao que se fazia antes e que se faz agora", garante o diretor-presidente da Smarja Mineradora, Sandro Alex de Almeida.
Os mineradores também relataram que fica registrado quando alguma draga se aproxima das margens, já que as embarcações são monitoradas por equipamentos de GPS. Só que esses aparelhos monitoram apenas se uma draga invade a área de outro minerador. "O grande problema que eu vejo é que o sistema de GPS não nos dá um indicativo de onde está sendo extraído em relação à margem. E sim em relação a outra empresa mineradora", explica o delegado Roger Soares Cardoso, da Delegacia Ambiental da Polícia Federal (PF).
A Patrulha Ambiental da Brigada Militar, que também realiza operações no Jacuí, já encontrou aparelhos alterados nas embarcações que fazem a retirada. "Nós tivemos um caso de uma draga que estava como GPS desligado no momento que estava dragando, no período noturno. A draga tinha um sistema paralelo de fonte de energia e, com isso, fazia com que o motor pudesse ser acionado sem que o GPS acusasse", conta o major Rodrigo Gonçalves dos Santos.
Especialista em gestão de recursos hídricos, a geóloga Juliana Young acredita que o Jacuí já tenha dado a sua contribuição ao fornecimento de areia e que é hora das empresas e o poder público buscarem outros locais para a exploração da atividade econômica.
"A Fepam continuam emitindo as licenças, mas eles não têm pessoal suficiente para realizar a fiscalização, nem infraestrutura suficiente. Se eles fizessem o acompanhamento dessas dragagens e acompanhassem como era a calha do rio antes da extração e agora, como está, eles veriam que o rio tá ficando doente. Não tem mais como tirar sedimentos do Jacuí".
Entenda o caso:
A Operação Concutare, deflagrada na segunda-feira (29) resultou na prisão temporária de 18 pessoas, entre elas: empresários, servidores públicos e políticos como o ex-secretário do Meio Ambiente e consultor da secretaria, Berfran Rosado (PPS), e os secretários Estadual do Meio Ambiente, Carlos Fernando Niedesberg (PC do B), e da Capital, Luiz Fernando Záchia (PMDB). A investigação da Polícia Federal aponta suposta fraude na concessão de licenças ambientais mediante pagamento de propina para a liberação de mineração e empreendimentos imobiliários. A investigação continua e a Polícia Federal acredita que até 50 pessoas podem ser indiciadas.
Gaúcha
Crime no Jacuí: as praias somem e a investigação pode indiciar até 50 pessoas
Durante 4 meses, nossas equipes de reportagem flagraram a ação ilegal de dragas destruindo a natureza às margens do Rio Jacuí, na Região Metropolitana
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