Depois de passar por um processo de impeachment no ano passado, que afastou o prefeito eleito em 2016, os 333 mil eleitores de Caxias do Sul voltam às urnas em 15 de novembro para escolher o novo gestor entre 11 candidatos. É o maior número de inscritos já registrado na disputa pelo Executivo do maior município do interior do Estado e segundo maior colégio eleitoral do Rio Grande do Sul.
O próximo prefeito de Caxias do Sul terá que enfrentar problemas agravados pela crise do coronavírus, como a fila de espera do Sistema Único de Saúde (SUS). Com procedimentos eletivos suspensos no auge da pandemia, a cidade tem 77 mil pacientes aguardando por cirurgias, exames e consultas especializadas. Mas há outras situações que se arrastam há anos, como a regularização de terrenos ocupados indevidamente. Cerca de 30% dos moradores ainda vivem em áreas irregulares.
O terceiro desafio que se impõe, conforme consulta a entidades e instituições do município, é o incentivo ao empreendedorismo e à inovação. Com a economia alicerçada na indústria metalmecânica, Caxias vive às voltas de um processo modernização da matriz econômica para deixar de depender de um só segmento, a fim de atravessar com mais fôlego os períodos de crise. Nos últimos sete anos, quase 40 mil postos de trabalho desapareceram na cidade.
Para definir os três principais desafios para o futuro governante de Caxias do Sul, GZH consultou: Evaldo Antonio Kuiava, reitor da Universidade de Caxias do Sul; Valdir Walter, presidente da União das Associações de Bairros de Caxias do Sul; Ivanir Gasparin, presidente da Câmara de Indústria, Comércio e Serviços de Caxias do Sul.
Saúde
A angústia de quem aguarda na fila do SUS
Davi Lucas dos Santos Sandoval acumula diagnósticos difíceis para um menino de sete anos. Ele tem artrite idiopática juvenil, asma e sinusite crônica, além de autismo. Usuário do Sistema Único de Saúde (SUS), o pequeno morador do Vila Ipê, bairro periférico da Zona Norte de Caxias do Sul, já ficou, entre 2018 e 2019, um ano e três meses na fila de espera por uma consulta no reumatologista. Com a artrite agravada, o menino chegou a parar de caminhar até ser atendido e ter o tratamento reajustado. Superado esse problema, a família se deparou com outro em dezembro do ano passado, quando recebeu a notícia de que Davi teria que fazer uma cirurgia para retirar a adenoide e as amígdalas.
— O que mais nos preocupa é ele parar de respirar durante a noite. A gente está fazendo revezamento, eu durmo um pouco, meu marido dorme um pouco, pra ele não ficar sozinho — conta, aflita, a dona de casa Rafaela dos Santos, 34 anos, mãe de Davi.
Passados 10 meses do diagnóstico, Rafaela procurou o serviço contratado pela prefeitura para realizar a cirurgia. Só então descobriu que o menino ainda nem consta na fila de espera oficial, porque ainda estão sendo chamados pacientes cadastrados em 2017.
A lista de espera na qual Davi ainda nem conseguiu entrar, de cirurgias eletivas, tinha 5.225 pacientes no fim de setembro, dado mais recente disponibilizado pela Secretaria Municipal da Saúde. Para realização de exames, são 17.122 e há 54 962 pessoas aguardando uma consulta especializada. Juntos, os casos somam 77.309 pacientes sem algum tipo de atendimento. Exames e cirurgias eletivas foram suspensos para garantir maior capacidade de atendimento dos hospitais, o que se demonstrou necessário com o avanço da pandemia. As consultas especializadas foram suspensas para diminuir a circulação de pessoas, acompanhando os protocolos de distanciamento social.
Para amenizar a situação, a Secretaria Municipal da Saúde tem realizado mutirões aos sábados com foco nas especialidades com maior demanda represada por consultas, além de exames. No entanto, ainda não há uma solução prevista para dar conta do contingente de pacientes que aguardam, como Davi, por uma cirurgia.
Regularização fundiária
Mais de 300 áreas são núcleos de habitação irregular
Há 13 anos, a família da comerciante Lucimara Wosniak, 55, deixou uma área de difícil acesso próximo ao aeroporto de Caxias do Sul, longe da escola dos filhos e do trabalho do marido e onde não chegava sinal de internet. Pagando R$ 30 mil, se mudou para um terreno próximo ao shopping Iguatemi, conhecido atualmente como bairro Floresta II. Embora melhor localizada, a área não tinha a infraestrutura básica de energia elétrica, água encanada e calçamento. Isso porque tratava-se de uma área pública invadida por um grupo de pessoas dois anos antes, entre eles a mulher que vendeu o terreno para Lucimara.
Assim como o Floresta II, há cerca de 130 ocupações irregulares em áreas públicas e 200 em áreas particulares. Não há, hoje, um setor que trate especificamente das regularizações fundiárias na prefeitura. Os casos de áreas públicas são tratados pela Secretaria de Habitação e as privadas pela pasta de Urbanismo, e nenhuma das duas conta com estrutura completa, já que não dispõem, por exemplo, de topógrafos lotados nas secretarias.
— Estima-se de forma superficial que 30% do perímetro urbano de Caxias seja composta de núcleos de habitação irregular. Isso gera uma questão onde o município deixa de arrecadar tributos e sujeita parte da população a morar em condição desumana, em área sem nenhuma infraestrutura — afirma o secretário de Habitação, Carlos Giovani Fontana.
Liderados por Lucimara, cerca de 60 famílias do Floresta II tomaram uma iniciativa para tentar a resolver a situação. Autorizados pela prefeitura e pelo Ministério Público, contrataram escritórios para desenvolver os projetos, incluindo levantamento topográfico, laudos geológicos e outros documentos técnicos requeridos no processo, assumindo os encargos de R$ 5 mil por morador. Quando o processo for concluído, esse valor será abatido do valor a ser cobrado pela prefeitura para a concessão das escrituras.
— Isso aqui era um aterro, já teve casas retiradas por ser área de risco e tivemos que lutar por um muro de contenção. Mas as casas foram se consolidando com boa estrutura. Como o pessoal não pagava aluguel, foi investindo na casa. E agora a gente chegou em um ponto que queremos uma escritura, para não ficar em cima de um terreno que não é oficialmente nosso. E a gente viu o que acontece com o Primeiro de Maio, então tomamos consciência de fazer isso — diz Lucimara, em alusão a um dos problemas mais graves de Caxias relacionado à regularização fundiária.
O Município acumula uma dívida milionária porque um terreno particular, originalmente doado por uma família para a instalação da Universidade de Caxias do Sul, foi invadido e se tornou o Primeiro de Maio, um bairro consolidado na região central da cidade. O terreno avaliado em cerca de R$ 50 milhões se transformou em um débito de mais de R$ 600 milhões ao longo de oito gestões diferentes desde 1983. A disputa ainda corre na Justiça, onde o Município já coleciona decisões desfavoráveis.
Desenvolvimento econômico
A busca por incentivo à inovação e ao empreendedorismo
Incomodado com a precariedade da comunicação com a escola dos dois filhos pequenos, o administrador de empresas Vinicius Nunes, 40, teve uma ideia empreendedora: desenvolver um sistema que funcionasse como uma agenda digital escolar, facilitando o diálogo entre pais, professores e escola e automatizando o processo de pagamento. Assim nasceu, em 2017, o aplicativo Minha Escola, que hoje possui parceria com 253 colégios de cinco estados e até no Uruguai. Mas uma parte do planejamento não deu certo. Vinicius queria instalar a startup em Caxias, mas foi em Novo Hamburgo que encontrou o incentivo para dar a largada na empresa.
— A prefeitura se preocupou em nos aproximar de empresas que tinham fit com o nosso negócio, nos indicaram para programas de aceleração e nos deram dois anos de isenção de impostos, em contrapartida que a gente contratasse mão de obra local. Nada disso encontramos em Caxias — enumera Vinicius.
Com a startup consolidada, ele e os sócios decidiram transferir a sede para Caxias. No entanto, esbarraram na falta de profissionais da área de tecnologia. Foi quando decidiram vender uma cota da empresa para a faculdade Uniftec, com quem implantaram estágios práticos de alunos na startups.
— Caxias é uma cidade muito industrial, as empresas que trabalham com tecnologia ainda têm dificuldade na hora de contratar mão de obra. Mas, além de gostar daqui, nós somos teimosos. Encaramos quase como uma missão fazer parte dessa transformação que a gente acredita ser necessária para diversificar a economia da cidade — afirma.
De vocação industrial inegável, Caxias despertou nos últimos anos para a necessidade de diversificar a matriz econômica, reduzindo a dependência de um mesmo segmento. Dos 39 mil postos de trabalho formal que desapareceram na cidade nos últimos sete anos, cerca de 70% concentrava-se na indústria. No entanto, para garantir uma retomada com mais fôlego, lideranças apontam a necessidade de um envolvimento maior do Poder Público no processo.