O general Augusto Heleno, um dos principais auxiliares de Jair Bolsonaro (PSL) e nome já confirmado à frente do Ministério da Defesa, defendeu a ideia de que os militares merecem um tratamento especial e diferenciado em uma futura reforma da Previdência — tema considerado prioritário pelo próximo governo. Em entrevista ao Gaúcha Atualidade nesta terça-feira (30), Heleno afirmou que "é preciso levar em conta as particularidades da profissão militar".
— O militar não tem hora para trabalhar, não tem fim de semana, às vezes passa dois meses fora de casa sem nenhuma recompensa maior, tem movimentações sucessivas, o que, para a família, é um transtorno — enumerou. — Eu vivi esse problema a minha vida inteira — completou o general da reserva, que carrega na bagagem atuações como comandante militar da Amazônia, chefe do Departamento de Ciência e Tecnologia e liderança das tropas brasileiras em missões de paz da Organização das Nações Unidas (ONU) no Haiti.
O guru de Bolsonaro na segurança pública, no entanto, afirma que o tema "pode ser colocado na mesa" nas discussões da reforma da Previdência, considerando que as condições de saúde melhoraram ao longo dos anos. Atualmente, militares — homens e mulheres — podem se aposentar com salário integral após 30 anos de serviços prestados.
Questionado sobre a atuação das Forças Armadas nos Estados, Heleno afirmou que isso deve continuar, mas enfatizou o trabalho dos governos, em conjunto, para a melhoria da segurança pública:
— Tem uma série de estratégias, de providências, que podem reduzir a necessidade de emprego das forças armadas, que não são num estalar de dedos. Podemos melhorar a gestão das policias militares, o que não é missão do presidente, é dos governares; melhorar a instrução dos militares, melhorar os equipamentos — afirma — Se o presidente, atendendo aos requisitos legais, decidir empregar a intervenção inédita como ocorreu no Rio de Janeiro, as forças armadas estão aí para cumprir missão. É aquela história: missão dada é missão cumprida — completa.
Leia a entrevista na íntegra:
Quais são as suas projeções e seus planos para o Ministério da Defesa?
O Ministério da Defesa, entre os ministérios, é o mais estruturado. Foi o que sofreu menos com a gestão desastrosa dos governos interiores. Não tenho por que mexer na estrutura estrutura. A ideia ali é buscar continuidade do que vem sendo feito, porque ele não é impregnado nem de ideologia, nem de partidarismo. Isso facilita muito a transição.
E quanto ao orçamento?
Isso sempre foi importante, não tem modificação nisso. Vamos continuar a ter problemas de orçamento, vamos ter que definir prioridades, urgências, dentro do que for disponibilizado. O Ministério da Defesa segue com o princípio da meritocracia, isso é um princípio que as forças armadas respeitam para todo o sempre.
Sobre política externa e estratégica, o senhor também acha que o Mercosul não é prioridade para o Brasil?
É preciso não levar isso no sentido literal. Pode ser que a instituição Mercosul esteja muito desgastada por algumas ações que foram contrárias ao que se esperava, mas não quer dizer que o Mercosul esteja (desgastado), que os países que tenham posição próxima estejam (desgastados). Então, pode ser que eles (temas estratégicos) não sejam tratados dentro do Mercosul, mas que sejam tratados na relação bilateral como mereçam, eles são muito importantes.
Como o senhor vê o que está acontecendo com a Venezuela e o fluxo migratório para o Brasil?
A questão migratória é o que nos afeta. A situação interna da Venezuela é problema deles. É um país soberano, independente e que tem direito de conduzir a sua trajetória. E a nossa Constituição prevê que o país não terá ingerência em assuntos internos de países estrangeiros, assim como não aceitamos dos outros nos nossos.
Sob hipótese alguma haverá ingerência?
A última vez que ouvi sobre ingerência interna na América do Sul com a participação do Brasil foi na Guerra do Paraguai. O Brasil entrou como moderador. Isso pode até acontecer, mas não intervir militarmente.
E a fronteira entre Brasil e Venezuela? Hoje, a política do governo é a de receber e espalhar venezuelanos pelo Brasil. No seu entendimento, permanecerá desta forma?
Tem que permanecer. As forças armadas estão realizando um trabalho sensacional de acolhimento. Obviamente que não é uma migração desejada, recebemos um número muito maior do que o previsto para o estado de Roraima, com a necessidade de transferência para outros Estados. Com o tempo talvez isso possa ter solução. A entrada por Roraima é uma entrada natural, mas foi muito prejudicada por demarcações políticas.
Neste momento, o Rio de Janeiro está sob intervenção das Forças Armadas na segurança. Qual é a sua opinião, para o futuro, sobre o uso das Forças Armadas na segurança pública?
A participação das Forças Armadas aumentou consideravelmente pela situação que o Brasil está vivendo em termos de insegurança. Isso acabou levando a nível de problema nacional. Dificilmente isso deixará de acontecer agora, imediatamente, porque as polícias militares, às vezes, não são capazes (de dar conta da situação), como no Rio de Janeiro. Foi diferente. E os resultados estão aí, muito bons, apesar da campanha feita contra.
Enquanto um Estado está sob intervenção, não se pode aproveitar reformas na Constituição. O senhor é a favor do levantamento da intervenção e de intervenções pontuais no futuro?
Isto é um componente político do problema, que afeta diretamente o presidente. Assim como ele decretou, ele pode abreviar. Não acho que tenha de ter outras considerações, além da política, que é primordial para que possam ser votadas as PECs (Propostas de Emenda Constitucional), mas isso é com o presidente.
Se outro Estado enfrentar problema parecido com o do Rio de Janeiro, o senhor é favorável à intervenção?
Isso é uma previsão constitucional, não é uma opção das Forças Armadas atender ou não. Se o presidente, atendendo aos requisitos legais, decidir empregar a intervenção inédita, como ocorreu no Rio de Janeiro, as Forças Armadas estão aí para cumprir missão. É aquela história: missão dada é missão cumprida. Elas vão ter que se adaptar à situação.
As Forças Armadas foram chamadas para socorrer o Estado em diversas situações, como na segurança pública. Isso deve continuar ou deve ter outra saída?
Tem uma série de estratégias, de providências, que podem reduzir a necessidade de emprego das Forças Armadas, que não são feitas num estalar de dedos. Podemos melhorar a gestão das policiais militares, que não é missão do presidente, é dos governadores, melhorar a instrução dos militares, melhorar os equipamentos. Precisamos melhorar a segurança pública no país, e isso é um esforço coletivo, até a população vai ter que se adaptar ao esforço nacional para a melhora dessa sensação de insegurança. Não podemos persistir com essa sensação.
Por que o senhor não foi candidato a vice-presidente?
Na verdade o primeiro nome que ele (Bolsonaro) pensou para ser vice foi o senador Magno Malta. O Magno Malta colocou claramente que achava que a presença dele no Senado seria mais importante. O presidente, na época, falou comigo, que talvez precisasse de mim para ser o vice. Eu disse: “olha não tenho nenhuma aspiração, não almejo nada disso, mas se é missão eu estou pronto para cumprir”. Faltavam três dias para encerrar a filiação partidária e eu perguntei para ele a qual partido ele queria que eu me filiasse, porque eu sabia que a situação do PSL em Brasília não era das melhores. Ele disse “pode se filiar ao partido do general Paulo Chagas", que era candidato a governador no DF, e eu me filiei ao PRP. Mas fui surpreendido pela posição do PRP de que não era interessante investir num vice-presidente. Eu ouvi isso do presidente do partido e achei razoável, mas, com isso, minha candidatura foi bloqueada. Foi a opção desse partido na época. E Bolsonaro acabou fazendo a escolha pelo Mourão, um cara preparado, com conhecimento enorme do Brasil.
A reforma da Previdência deve atingir os militares? O que o senhor acha disso?
Isso tudo vai ser discutido. É preciso levar em conta as características da profissão militar. Sabemos que hoje a expectativa de vida de vida é maior, então esse prolongamento da carreira que, segundo muitos, é precoce, pode ser objeto de negociações. O que a gente precisa entender é que essa atividade militar exige capacidade física e mobilidade do indivíduo. É óbvio que as condições de saúde são diferentes hoje em dia, e isso pode ser negociado, mas não acho que eles possam ser incluídos na previdência comum. Temos que considerar as particularidades da profissão. O militar não tem hora para trabalhar, não tem fim de semana, às vezes passa dois meses fora de casa sem nenhuma recompensa maior, tem movimentações sucessivas, o que, para a família, é um transtorno. Eu vivi esse problema a minha vida inteira. Você precisa coordenar a educação dos seus filhos com a movimentação de carreira, a própria carreira da sua companheira, e isso tem que ser considerado.
Várias autoridades fizeram discursos enfáticos sobre a democracia, o respeito da constituição e a liberdade de imprensa. O senhor, como futuro integrante do governo, como encara o alerta e como esses conceitos estarão presentes?
O próprio presidente na sua manifestação nacional já colocou claramente a escravidão à constituição. E colocou também que não há a menor possibilidade de qualquer rasgo de autoridade que fira os princípios democráticos. Isso não é negociável. Esse alerta já era esperado, porque a campanha atingiu um tom de confronto, o que é natural. É que nem o jogo de futebol, depois todo mundo se abraça.