Ao contrário de outras eleições em que após o pleito debate-se especialmente os projetos dos eleitos, as de 2024 acendem um alerta sobre o interesse da população no voto — ato democrático conquistado a muito custo no Brasil e firmado na Constituição de 1988, após o período da ditadura militar. Assim como em muitas cidades do Brasil, Caxias do Sul registrou alto índice de abstenção nos dois turnos.
No primeiro, cerca de 87 mil pessoas não compareceram (25,13% do eleitorado), enquanto no segundo foram mais de 99 mil pessoas (ou 28,64% do eleitorado). Um recorde preocupante. Os números superaram os da eleição da pandemia, quando a abstenção tinha ficado na casa de 80 mil.
Partidos consultados pela reportagem acreditam que há um desinteresse crescente na política. Já o cientista político e consultor eleitor Fábio Hoffmann elenca fenômenos como a baixa confiança na representação política e a punição branda para quem não vota (a multa é de R$ 3,51), mas também situações como a insatisfação com o funcionamento da democracia, políticos analógicos x digitais e a mudança geracional.
— Nas últimas pesquisas que realizamos, temos visto um crescimento da insatisfação com o funcionamento da democracia, ou seja, uma sensação de que as escolhas que as pessoas fazem nas urnas não trazem tanto impacto assim no funcionamento da engrenagem da máquina pública, principalmente através de políticas públicas — explica.
Quanto aos políticos "analógicos x digitais", o especialista analisa que as pessoas não se sensibilizam mais pelo modelo analógico, aquele tradicional, e percebe que há políticos que ainda não fizeram a transição para se comunicar com uma população "hiperconectada". Já a hipótese da mudança geracional tem a ver como cada geração vê o direito ao voto, sem conseguir passar "a importância da cidadania política através do voto":
— Nesse sentido, as gerações que lutaram para conseguir o direito de voto sempre deram maior valor a essa conquista, enquanto as novas gerações, nascidas recentemente, naturalizam esse direito como algo dado, que não pode sofrer regressões.
O cientista político vê que, com o atual cenário, pode existir uma sensação das pessoas de que, votando ou não, as coisas "não mudam ou mudam muito pouco". Duas sugestões de Hoffmann são o que ele chama de "invocação da cidadania", que é abordar os direitos políticos no Ensino Médio, e os cartórios eleitorais realizarem campanhas para buscar o eleitor e mostrar a importância do voto.
O que dizem os partidos caxienses
A reportagem ouviu os presidentes de seis partidos caxienses sobre como reverter o cenário de desinteresse pela política, refletido em altos índices de abstenção também em Caxias do Sul.
PSDB: "Trabalho de conscientização"
O deputado estadual e presidente do PSDB em Caxias, Neri, o Carteiro, ouviu de pessoas durante a campanha, ao lado do candidato Adiló Didomenico, que elas não queriam votar em ninguém "porque não adianta". A partir de 2025, a sigla em Caxias quer realizar reuniões mensais na Câmara de Vereadores ou nos bairros, além de ir até as comunidades ouvir o motivo de muitos caxienses deixarem de votar. Ao mesmo tempo, o partido quer levar aos cartórios eleitorais a necessidade de campanhas direcionadas sobre o tema.
— Temos responsabilidade também enquanto partido para poder fazer um trabalho de conscientização sobre a importância do voto, de as pessoas acompanharem durante o período de mandato os seus agentes políticos. Não só aquele que tu votou, mas todos também, para que as pessoas possam se sentir parte do processo — destaca Neri.
"PP: "Praticar a nossa democracia"
O vereador e presidente do PP na cidade, Alexandre Bortoluz, acredita que parte da população está "cansada dos políticos antigos e das promessas de sempre". O parlamentar acredita ainda que a multa irrisória para quem não vota reforça o sentimento de que "é melhor pagar esse valor do que ir escolher alguém". Bortoluz quer levar ao diretório nacional a necessidade de discutir essa regra. Em Caxias, o partido quer trabalhar a conscientização:
— Nós sabemos que a população não acredita mais. É um trabalho muito árduo que tem que ser feito e de convencimento da população que, sim, a política faz parte do nosso dia-a-dia, que, sim, as pessoas precisam, não digo ser político-partidários, mas todos nós somos políticos e nós temos que praticar a nossa democracia e temos que exercer o nosso direito maior, que é o direito de voto.
MDB: "Melhorar os resultados do setor público"
O deputado estadual e presidente do MDB em Caxias, Carlos Búrigo, acredita que é uma tarefa de todos resgatar esse interesse. Na sigla, a liderança afirma que o caminho é "continuar fazendo política com propostas propositivas de resultado para a vida das pessoas". Búrigo cita "que o caminho do respeito, da conciliação de respeitar quem pensa diferente, pode trazer credibilidade para a política".
— A abstenção está relacionada com o desinteresse da população com o processo eleitoral, e talvez isso esteja relacionado com a descrença das pessoas sobre melhorias efetivas em suas vidas. A polarização política, que rebaixou o nível das campanhas, com desinformações, acusações e fake news, também contribuiu. E ainda, com as facilidades da tecnologia para justificar a ausência nas urnas, esse fenômeno tem aumentado. É uma tarefa de todos nós, de toda a sociedade, melhorar o nível dos debates e os resultados do setor público. Só assim a gente vai resgatar o interesse — afirma.
PL: "Serviços públicos precários"
O vereador e presidente do PL, Maurício Scalco, acredita que muitas pessoas estão desacreditadas com a política. Ele cita como motivo " inúmeros casos de desvios de dinheiro público no Brasil, onde muitos foram condenados, agora descondenados, com seus direitos políticos recuperados e que os bilhões recuperados da corrupção não têm nenhum responsável pelos fatos ocorridos". Scalco lista ainda "um sistema que colabora para a reeleição dos mesmos de sempre".
— Como partido, nosso papel é de conscientizar a população da importância do voto, mesmo sabendo que alguns perderam a esperança e que você, não votando, acaba deixando que determinados grupos escolham por você. E a consequência direta, são serviços públicos precários, que não atendem as necessidades da população que mais precisa — declara.
PDT: "O povo dá o recado"
O vereador e presidente do PDT no município, Rafael Bueno, cita episódios da política nacional que tiram o interesse da população, como costuras do Congresso. Bueno acredita que, em Caxias, houve uma insatisfação com a prefeitura, o que afastou eleitores das urnas. Ele cita que caminhos podem ser a preparação de lideranças comunitárias e atualização dos partidos políticos em entender o "sentimento da população". Ele também acredita que o povo quer uma política "mais moderada":
— Vejo que as candidaturas majoritárias não estão empolgando mais como antigamente, que tinha as grandes carreatas, comícios, as pessoas adesivavam suas casas, seus carros. Não vemos mais essa euforia popular. As instituições não estão dando esse recado, o Congresso, as Câmaras de Vereadores, a Assembleia, é o Senado. O povo se sente o quê? Nós vamos ser plateia desse picadeiro? O povo dá o recado e parece que não estão entendendo.
PT: "Na política, não tem lugar vazio"
A presidente municipal do PT, Joceli Veadrigo, vê campanhas que buscam desacreditar os políticos afirmando que o Estado deve ser mínimo, generalizando que "todos políticos são maus. Ela defende que movimentos populares, como sindicatos e entidades, devem manter-se ativos, bem como a Justiça Eleitoral e meios de comunicação:
— Nós temos um processo de formação também nos movimentos populares, como sindicatos e entidades que atuam com a classe trabalhadora. Eles trazem muito o sentimento da participação e de estar ativo e participando do processo eleitoral. Vamos estar intensificando ainda mais isso. Nós sabemos que, quando se fez toda uma propaganda negativa, dizendo que as urnas poderiam ser fraudadas e que tem que voltar o voto impresso, é feita uma campanha que desestimula as pessoas a participar. Na política, não tem lugar vazio. Se tu não assume a tua posição, alguém vai assumir e decidir por ti.