O discurso discriminatório do vereador caxiense Sandro Fantinel (sem partido) contra os 207 trabalhadores resgatados em situação análoga à escravidão, em Bento Gonçalves, teve repercussão negativa em todo o país e até mesmo no Exterior. Entidades e personalidades públicas se manifestaram em entrevistas e redes sociais repudiando a fala registrada em sessão na Câmara de Vereadores de Caxias do Sul, na terça-feira (28). Na ocasião, Fantinel afirmou ter pedido aos produtores e empresários para que "não contratem mais aquela gente lá de cima", e disse ainda que "a única cultura que eles têm é tocar tambor na praia", fazendo alusão aos baianos. Confira abaixo algumas delas:
Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul:
"O discurso xenófobo e nojento de vereador de Caxias contra o nordeste não representa o povo do Rio Grande do Sul. Não admitiremos esse ódio, intolerância e desrespeito na política e na sociedade. Os gaúchos estão de braços abertos para todos, sempre. Vamos buscar autoridades do querido estado da Bahia para que nos visitem e acompanhem as atitudes que já estamos empreendendo e para nos aliarmos em outras ações conjuntas de nossos estados para banir o preconceito."
Jerônimo Rodrigues, governador da Bahia:
"Hoje, um vereador do Rio Grande do Sul defendeu o trabalho escravo nas vinícolas do estado e ainda foi xenofóbico e racista com baianas e baianos. Eu repudio veementemente a apologia à escravidão e não permitirei que tratem nenhum nordestino ou baiano com preconceito ou rancor.
É desumano, vergonhoso e inadmissível ver que há brasileiros capazes de defender a crueldade humana. Determinei, portanto, a adoção de medidas cabíveis para que o vereador seja responsabilizado pela sua fala.
Enquanto eu for governador da Bahia, irei combater firmemente qualquer tentativa de explorar ou escravizar nosso povo. O governo da Bahia seguirá enfrentando o trabalho escravo e combatendo toda forma de violência e discriminação."
Adiló Didomenico, prefeito de Caxias do Sul:
Segundo nota oficial, Adiló Didomenico entende que não cabe ao prefeito fazer um julgamento de mérito sobre a fala de um vereador, em respeito à autonomia do Legislativo, mas reforçar que Caxias do Sul é uma cidade acolhedora e referência em recepção e capacitação de migrantes.
"Repudiamos qualquer forma de discriminação e preconceito. Com relação ao fato ocorrido no município vizinho, reiteramos nossa inconformidade e determinamos reforço a todas as ações destinadas a garantir condições dignas de trabalho e assistência a todos que procuram Caxias em busca de oportunidades, sejam elas temporárias ou permanentes. Nosso município, desde sua fundação, é formado por pessoas que vieram de outros países e estados em busca de melhores condições de vida. O acolhimento está no DNA do desenvolvimento de Caxias. Um exemplo: só no ano passado, a prefeitura, em conjunto com a Polícia Federal, regularizou a situação de mais de 1.800 estrangeiros de 30 nacionalidades que viviam de forma irregular no país”
Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 5ª Região - AMATRA5
"A Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 5ª Região - AMATRA5 manifesta publicamente seu absoluto repúdio à fala discriminatória e preconceituosa do Vereador Sandro Fantinel (Patriota) de Caxias do Sul/RS contra os trabalhadores baianos, em referência aos abjetos casos de trabalho em condições análogas à escravidão verificados em vinícolas na Serra Gaúcha. No Estado Democrático de Direito é insustentável a defesa de qualquer tipo de modelo escravocrata, principalmente partindo de integrante de uma Casa Legislativa. A liberdade de expressão parlamentar não é e jamais foi uma autorização para chancela de prática criminosa."
Luciana Genro, presidente do Psol:
"O PSOL do Rio Grande do Sul irá solicitar ao Ministério Público a prisão em flagrante do vereador Sandro Fantinel, do Patriota em Caxias do Sul, devido ao discurso racista e xenófobo proferido pelo parlamentar nesta terça-feira (28/02) contra os trabalhadores baianos resgatados em situação análoga à escravidão na Serra gaúcha. É inaceitável esse discurso de ódio, que expressa um pensamento escravocrata, preconceituoso e intolerante. O vereador quer justificar o injustificável, que é o trabalho escravo. Precisa ser preso e ter seu mandato cassado e nós vamos lutar por isso”.
Guilherme Boulos, deputado federal:
"SEMPRE UM BOLSONARISTA! O vereador de Caxias do Sul não conseguiu conter o racismo e a xenofobia bolsonarista enquanto esbraveja contra os trabalhadores que denunciaram trabalho análogo à escravidão nas vinícolas gaúchas. Absurdo do começo ao fim!"
Defensoria Pública do Rio Grande do Sul:
"Contra a normalização do autoritarismo por meio de discursos de ódio, cumprindo a missão constitucional de zelar pelos fundamentos de nossa República Federativa, as Defensorias do Povo do Rio Grande do Sul e da Bahia unem-se para publicizar a presente nota de repúdio face às declarações do vereador Sandro Fantinel, da cidade de Caxias do Sul.
Traindo o mandato que exerce em nome do povo em sua pluralidade, nesta terça, 28 de fevereiro, o referido vereador valeu-se do púlpito da Câmara da cidade gaúcha para injuriar e difamar justamente os cidadãos a quem deveria bem representar, os quais, em seu conjunto, constituem o povo brasileiro, que é um só, independente de sua origem ou cor. Mais: traiu a Constituição à qual está submetido ao vilipendiar os fundamentos da República, que incluem a promoção do bem de todos; a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; a redução das desigualdades sociais e regionais.
O referido cidadão portou-se como se fosse maior que a ordem jurídica e que o próprio povo que, ao fim e ao cabo, legitimam o mandato que precariamente detém, mas que não lhe pertence; como se fosse maior que a própria Casa Legislativa que envergonha aos olhos do mundo, submetendo-a ao risco de ver-se reduzida ao tamanho de seu ofensor caso não responda proporcionalmente ao ultraje que pelas palavras deste lhe é imposto.
Confiante de que a liberdade é direito absoluto ao ponto de compreender o abuso e a ilegalidade que esmagam o direito de seus iguais em brasilidade, o vereador também parece julgar-se maior que o tempo e a história, ao tentar condenar o futuro de nosso país a um passado de privilégios e preconceitos que já não encontram lugar entre nós. Ao passado o que é do passado porque o futuro pede passagem e a pavimentação de seus caminhos exige a efetiva reparação dos danos que lhe impõem aqueles que buscam impor sua intolerância à liberdade e à igualdade alheias.
Nesse sentido, em cumprimento à sua missão constitucional e a favor de um futuro de dignidade e justiça para todos, como exigem os ideais civilizatórios, por esta nota as Defensorias da BA e do RS publicizam seu repúdio ao discurso do vereador Sandro Fantinel"
Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) - Bahia:
"A OAB da Bahia, por meio da Comissão de Direitos Humanos e da Comissão de Promoção da Igualdade Racial, repudia as falas preconceituosas e ilegais do vereador Sandro Fantinel (Patriotas), de Caxias do Sul (RS), sobre o povo baiano e em especial sobre trabalhadores rurais resgatados em alojamentos em Bento Gonçalves (RS). Os trabalhadores denunciaram ter sido vítimas de extorsão, ameaças, agressões e torturas, em situação análoga à escravidão, numa empresa que oferecia mão-de-obra para vinícolas da região.
A vedação ao preconceito contra procedência regional é matéria constitucional e provém da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Da mesma forma, importa salientar que o Superior Tribunal de Justiça já firmou entendimento que xenofobia é crime de racismo com penas de um a três anos e multa, nos termos da Lei 9.459/97 que alterou artigos da conhecida lei Caó.
É inaceitável que um representante do povo gaúcho utilize de seu mandato para cometer tamanhas ilegalidades e culpabilizar as vítimas de crimes terríveis. O que os trabalhadores exigem é apenas o respeito aos seus direitos para poderem exercer suas funções laborais com dignidade. Ressalte-se que a liberdade de expressão encontra limites na lei, de modo que não pode ser considerado como liberdade de expressão o que a lei considera crime.
Por fim, exigimos respeito ao povo baiano e à nossa cultura, uma das mais ricas e diversificadas do país, que tantas contribuições relevantes já deram ao cenário cultural brasileiro e mundial."
Movimento Negro Unificado (MNU)
Em nota de repúdio, a entidade com 45 anos de existência para combate ao racismo, afirmou estar "perplexa com tal atitude que não condiz com o pensamento da maioria dos representantes desta casa e da população caxiense". A MNU afirma também que "pede a cassação do referido parlamentar e se solidariza com o povo nordestino", visando o combate de toda e qualquer forma de preconceito e discriminação.