Neste domingo (22), completam-se 14 dias desde os atos antidemocráticos em Brasília, em 8 de janeiro, que culminaram na invasão e depredação do Palácio do Planalto, do Congresso Nacional e da sede do Supremo Tribunal Federal (STF). Durante este período, Ministério da Justiça e Segurança Pública, Advocacia-Geral da União (AGU), Polícias Federal e Civil, juntamente com o governo do Distrito Federal (DF), investigam os participantes e financiadores dos atos. Nesta sexta-feira (20), Claudio Servelin foi identificado como o terceiro caxiense preso no DF por envolvimento nas manifestações golpistas.
Até o momento, são 1.398 pessoas presas em penitenciárias na capital nacional. Além deles, são pelo menos 52 outros investigados e sete empresas que tiveram R$ 6,5 milhões em bens bloqueados e estão na mira da justiça. A AGU está solicitando à Justiça Federal a elevação desse valor para R$ 18,5 milhões. Em entrevista ao canal Globo News na quarta-feira (18/1), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) afirmou que "todos que participaram do ato golpista serão punidos, não importa a patente".
Da Serra Gaúcha, são duas empresas e cinco pessoas envolvidas. Citadas na lista da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) entregue à AGU, as empresas Alex Godoy Transportes Ltda – a Gravatinha Turismo –, de Caxias do Sul, e Realtur Viagens e Turismo Ltda, de Garibaldi, foram investigadas por terem transportado os golpistas à Brasília. O documento entregue pela ANTT informa as empresas contratadas para levar pessoas a Brasília, as placas e modelos dos ônibus, nome dos contratantes e lista de passageiros de cada veículo.
A vistoria ocorreu após determinação do STF, que bloqueou e apreendeu pelo menos 87 veículos estacionados na região da Granja do Torto. Entretanto, as duas empresas não constam na medida cautelar proposta pela AGU à Justiça Federal do Distrito Federal para bloquear bens de pessoas e empresas que financiaram o fretamento de ônibus para os atos golpistas. Elas, portanto, não são suspeitas de terem patrocinado o transporte das pessoas a Brasília.
Já entre as pessoas físicas, três estão presos preventivamente: Telmo José Reginatto, morador de Caxias do Sul; Armando Valentin Settin Lopes de Andrade, 46 anos, que é natural de Caxias, mas mora no DF há cerca de 20 anos; e Claudio Servelin, 51, também de Caxias. Inicialmente presos em flagrante, tiveram a prisão convertida em preventiva nesta quinta-feira (19), após decisão do ministro do STF, Alexandre de Moraes, que decretou a conversão da detenção deles e outros 737 envolvidos, além de determinar liberdade provisória para 335 pessoas.
Outras duas pessoas da Serra são mencionadas por financiar a ida de grupos à capital nacional. César Pagatini é de Bento Gonçalves e foi citado na lista da ANTT como contratante de um dos ônibus que foram a Brasília. Além dele, Sheila Ferrarini, caxiense e moradora de Farroupilha, foi apontada pela empresa Gravatinha Turismo como contratante do serviço de transporte.
Inicialmente, a AGU divulgou o nome de Terezinha Fátima Issa da Silva como uma das contratantes, mas a Gravatinha Turismo esclareceu que houve um erro na nota fiscal emitida para o transporte, e a pessoa que de fato fez a contratação do serviço seria Sheila. A empresa afirma que já notificou as autoridades na justiça sobre o equívoco, mas o nome de Ferrarini, entretanto, não foi divulgado oficialmente por nenhum órgão até o momento. A advogada Monica Seidel, que representa Fátima, afirma que ela está com os bens bloqueados e deve permanecer até que seu nome seja liberado.
Sobre os casos, Polícia Federal, Polícia Civil e Ministério da Justiça e Segurança Pública foram procurados pela reportagem e afirmaram que não comentam informações sobre investigações em andamento.
Presos em Brasília
Claudio Servelin
Claudio Servelin, 51 anos, é caxiense e está preso no Complexo Penitenciário da Papuda. Estudou arquitetura na Universidade de Caxias do Sul (UCS) e possui uma empresa de construção civil, Detalhe Empreendimentos Imobiliarios Ltda, com sede também em Caxias. Nas redes sociais, Servelin já compartilhou conteúdo pró-Bolsonaro, contra o atual presidente Lula e informações falsas sobre as eleições. Neste último caso, existem postagens questionando a credibilidade das urnas eletrônicas. Sua última publicação no Facebook foi no dia 1º de janeiro: uma imagem com os dizeres "Fora Lula!".
A reportagem foi até o endereço da empresa, mas encontrou as portas trancadas com uma corrente. Uma vizinha informou que a sede costuma estar fechada e que os donos "vêm pouco", sem horário definido. Ela disse manter uma boa relação com a sócia de Servelin, mas não soube informar um contato.
Telmo José Reginatto
Telmo José Reginatto também está preso na Papuda. Recluso nas redes sociais, possui um CNPJ como microempreendedor individual (MEI) em seu nome para realizar obras e manutenções em geral. Morador do bairro Desvio Rizzo, a reportagem foi até o endereço registrado no CNPJ e localizou a esposa dele, Janete. Ela confirmou que ele está preso em Brasília e afirma não ter sido contatada por nenhuma autoridade até o momento. Também diz que ainda não conseguiu falar com o marido.
– Tudo o que sabemos é o que sai nos jornais – disse.
Em uma segunda visita ao endereço, a reportagem não conseguiu localizar nenhuma pessoa na residência. No local, uma vizinha afirmou não conhecer Telmo.
Armando Valentin Settin Lopes de Andrade
Armando tem 46 anos e é nascido em Caxias, mas está há mais de 20 anos no Distrito Federal e não vem tanto à Serra, conforme um familiar. Lá, o suspeito dos atos na Capital trabalhava com compra e venda de carros. Isso, pelo menos, até que os acampamentos iniciaram no Quartel-General da capital, na frente do Exército, onde Armando passou 50 dias até que foi preso pela PF.
No momento, Andrade não teria um advogado. Ele teria ficado sem dinheiro porque estava sem trabalhar enquanto permanecia no acampamento bolsonarista, de acordo com o sócio dele na Capital em um empreendimento de soluções tecnológicas, Marcos Araújo de Miranda, que foi candidato a deputado federal de DF pelo PTB. Em Águas Claras (DF), onde estaria morando atualmente, Andrade teria apenas um irmão, enquanto o resto da família estaria ainda em Caxias.
De acordo com o Fantástico e o jornal O Globo, o caxiense foi preso nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro e, antes, já estava sendo monitorado pela Polícia Civil desde o final do ano passado, como suspeito de planejar atentados contra as estações de energia do Distrito Federal. Ele estaria respondendo por inquérito. O sócio de Andrade afirma que o amigo não participou da “quebradeira” na Capital.
– No domingo (8 de janeiro), ele foi para o Congresso, mas ele foi embora antes de dar a quebradeira. Ele foi para casa. Só que ele tinha deixado o carro próximo (do Congresso). Ele voltou para buscar o carro, estava passando no local e foi preso – alega Miranda.
Investigados por financiamento
Sheila Ferrarini
Sheila Ferrarini é caxiense, mas mora atualmente em Farroupilha. Segundo seu perfil no Facebook, ela tem experiências profissionais como analista e consultora de recursos humanos e estuda Psicologia Organizacional e do Trabalho na FSG Centro Universitário. O Instagram de Sheila traz vídeos dela em frente ao quartel do 3º GAAAe, em Caxias do Sul, durante manifestações antidemocráticas depois das eleições. O conteúdo foi publicado entre os dias 28 de novembro e 24 de dezembro, quando foi realizada a última postagem do perfil, que mostra os bolsonaristas celebrando o Natal em meio aos protestos.
Atualmente, Sheila divulga trabalhos terapêuticos nas redes sociais e tem registrada em seu nome a empresa Magatanka, cuja atuação principal é a fabricação de artefatos diversos de madeira, além de comércio de itens como suprimentos de informática, plantas, cosméticos e suvenires.
A empresa está registrada no endereço residencial de Sheila, em Farroupilha. A reportagem foi até o local duas vezes para tentar contato, após tentativas por telefone, e foi informada de que Sheila de fato reside no endereço, mas não estaria em casa em nenhuma das ocasiões. O local fica em um bairro residencial tranquilo, em frente a uma escola. Quem recebeu a reportagem na casa de Sheila não soube informar horários em que ela está em casa ou outras formas de contato.
César Pagatini
Depois de um contato na quinta-feira (12), a reportagem não conseguiu mais localizar César, e procurou pessoas ligadas a ele, que é mais conhecido por Bagatini (seu sobrenome deveria ser com a letra B, mas, por um erro de cartório, ficou registrado com o P). Duas pessoas que trabalharam com Bagatini no passado, há cerca de dois anos, informaram que o morador de Bento nunca teve ligação com política nem falava muito sobre o assunto.
Uma delas cita que ele fazia lives como “Tio Baga” no Instagram, “falando de bons costumes e boas maneiras”. Outro conhecido disse que César “não tem cacife” para financiar atos desse tipo. Desde que pararam de trabalhar juntos, nunca mais tiveram contato, mas contaram que ele comanda uma empresa de marketing digital e que, em 2022, passou a trabalhar com campanha política na área de audiovisual.
Outra pessoa ligada a César disse que ele é uma pessoa idônea e que “entrou na furada meio que sem querer”. Além disso, afirmou que as pessoas que saíram de Bento Gonçalves em direção à Brasília não chegaram a estar na Praça dos Três Poderes durante as invasões. Segundo a fonte, o grupo “chegou duas, três horas depois e logo foram embora”.
Na ocasião do contato com a reportagem, César afirmou ainda estar em Brasília, mas disse que estava “se organizando para voltar” no dia seguinte.
– Não tem nexo esse negócio. Não tenho relação nenhuma (com os atos). Tem muita desinformação no meio desse negócio. Eu fui para Brasília, nosso grupo não tem vínculo nenhum, ninguém se envolveu com polícia, com quebra-quebra, nada. Isso aí é intriga da oposição – declarou.
Desde o dia 12 de janeiro, a reportagem não conseguiu mais localizar César, mesmo problema enfrentado pelo próprio advogado do empresário. O representante de Bagatini, Brizola Filho, confirma, entretanto, que os bens do cliente já estão bloqueados.
—Neste momento ele é indiciado, ainda não há uma acusação formal. Não havendo essa acusação, não há uma linha de defesa bem traçada. Com 99% de certeza, ele vai se tornar réu e vai responder a um processo judicial. Mas não sei se vou continuar no caso dele porque não houve pagamento e não consigo mais encontrar ele, não estou mais conseguindo contato com o Cesar, não sei o que ele fez com o telefone dele — relatou o advogado.
* A reportagem ainda tenta ouvir ou localizar as defesas de Sheila, Telmo, Armando e Claudio.