O Sindicato dos Servidores Municipais (Sindiserv) de Caxias realizou na tarde de quarta-feira (21) ato na Praça Dante Alighieri contra a reforma administrativa federal. Não se tratou de um protesto, entretanto, mas sim da distribuição de gibis para quem passava pelo local. O material gráfico, lançado no mês passado pelo Sindiserv, foi ilustrado pelo cartunista Fredy Varela, em projeto em parceria com a direção da CUT-RS. A história em quadrinhos, intitulada de As Desventuras da Família Silva, aborda de forma lúdica a rotina de transtornos de uma família simbólica passando por situações em que precisam buscar serviços públicos terceirizados. O material já foi entregue a servidores e agora busca o público em geral. Começou na praça central e, a cada semana, a entrega será feita em bairros de Caxias. Concomitantemente, o Sindiserv alugou outdoors pela cidade onde manifesta oposição ao projeto do governo federal, ainda em elaboração.
A intenção, segundo a presidente do Sindiserv, Silvana Piroli, é tentar conscientizar o público dos prejuízos que as medidas propostas na reforma trariam à própria população.
— Na visão das pessoas, parece algo distante, mas essa reforma vai atingir os servidores públicos de todas as esferas e a população, pois os serviços deixarão de ser públicos. O discurso é sempre que o Estado é pesado, só que vemos que querem atender amigos que ajudaram na campanha. Por isso que se terceiriza tudo já com endereço certo. E deixa fora os altos salários. Os militares, o legislativo federal, altas carreiras do Judiciário, então tudo fora. Penaliza quem? Professores, servidores de saúde, segurança... — critica.
Silvana cita exemplos no passado que considera prévias do que a reforma causaria e questiona também os efeitos que as outras reformas trouxeram ao país.
— A última vez que se falou muito de 'diminuir o Estado' foi no período (Fernando) Collor e Fernando Henrique (Cardoso). E o Brasil explodiu em dívida pública, tínhamos poucas reservas cambiais, população estava empobrecida, muito desemprego. E de novo vem dizendo que a reforma vai resolver. A reforma da previdência foi feita para gerar emprego e não gerou um, ao contrário, fez o povo trabalhar mais. A trabalhista era para gerar emprego e temos 14 milhões de desempregados. Antes da pandemia Brasil já estava em crise. É bom para quem? É só olhar dados de quem enriqueceu e quem empobreceu no país.
A PEC 32/2020, da reforma administrativa, já passou pela Comissão de Constituição e Justiça e agora está sob análise de uma comissão especial na Câmara dos Deputados, onde também são promovidas audiências públicas para tratar do tema. A previsão é de que o relatório seja votado entre agosto e setembro.
A PEC precisará de quórum qualificado para aprovação, ou seja, no mínimo 308 votos favoráveis dos 513 deputados, em dois turnos. No Senado, precisará de 49 votos, também em dois turnos. Caso não haja alteração do Senado, o texto é promulgado. Caso haja alterações, volta para a Câmara.
Sem previsão na reforma de Caxias
Já em Caxias do Sul, onde o prefeito Adiló Didomenico (PSDB) manifestou interesse em uma reforma administrativa própria, pouco se evoluiu desde início do mandato. A secretária de Governo, Grégora dos Passos, informou que ainda não há um cronograma oficial para avançar nas discussões sobre o tema.
— Estamos estudando a situação para ver como a comissão (formada por secretários e servidores) vai atuar. Esse primeiro levantamento, do administrativo, é onde estamos avaliando todos os cargos, quais distorções há. É um pré-trabalho — afirma.
Silvana Piroli afirma que ainda não houve movimento oficial do município de fato.
— A prefeitura não apresentou proposta ainda. O prefeito disse que iam contratar uma empresa para elaborar essa reforma administrativa. Caxias não é cidade que tenha altos salários, as mudanças já foram feitas. Temos número bom de servidores, embora haja falta de pessoal ainda, mas não temos incorporações e uma série de situações que uma ou outra administração foi mudando. Não sei o que o prefeito imagina, se vai ser mais uma reforma administrativa ou voltada à reorganização das secretarias — afirma a presidente do Sindiserv.
"Mais cedo ou mais tarde vamos despencar", diz economista
Para o economista Mosár Leandro Ness, a reforma administrativa é uma necessidade para socorrer a gestão de recursos da folha de pessoal e da máquina pública do governo.
— A tônica dessa reforma seria viabilizar a máquina pública de maneira geral. Não vamos conseguir sustentar toda a estrutura superdimensionada como está por muito tempo. A reforma administrativa deve ser feita para dar fôlego ao Estado, corrigir distorções dentro da estrutura do próprio governo — defende.
Ainda assim, reconhece a dificuldade de combater privilégios, mesmo que represente a menor parcela do funcionalismo, mas que muitas vezes acaba tendo maior representatividade para influenciar nas decisões políticas:
— Quem atua na ponta é quem acaba sendo penalizado, pois estão há um tempo grande sem receber nenhum tipo de reajuste. Então quem mais sofre são funcionários da base da pirâmide. Quem acaba dominando as decisões em termos políticos não é o eleitor nem da ponta de cima nem da de baixo, é o do meio. Porém, quem mais teme perder privilégio é o que faz o maior lobby, vamos dizer assim, os 47% que ganham mais (acima de 4 salários mínimos) acabam influenciando mais para preservar os seus ganhos em detrimento dos demais. Precisamos orientar a reforma de maneira que esses 53% não sejam penalizados e que o foco da reforma recaía sobre os 47% (recebem até 4 salários mínimos).
Por outro lado, acredita que a defesa pela base da pirâmide não deveria inviabilizar apoio à reforma.
— Os movimentos vão focar nos 53% que vão ser penalizados, mas antes de ficar discutindo essa questão, deveriam atuar em defesa dos 53%, formar um escudo em termos de legislação e não se opor a toda reforma. Isso seria protelar a chegada do abismo, mais cedo ou mais tarde vamos despencar — ressalta.
O SERVIÇO PÚBLICO NO PAÍS
Composição
- Setor público municípios: 53,1% (5.571.083)
- Setor público Estados: 29,1% (3.050.949)
- Setor público federal: 9,8% (1.032.979)
- Estatais: 7,4% (777.530)
n Outros: 0,6% (66)
Faixas salariais
- Acima de 20 salários mínimos: 3,2%
- De 10 a 20 salários mínimos: 9,6%
- De 4 a 10 salários mínimos: 33,7%
- Até 4 salários mínimos: 53,1%
fonte: Dieese, baseado em dados do Ministério da Economia
PONTOS DA PEC
- Criação de cinco novos modelos de contrato: cargos típicos de Estado (funções que não existem no setor privado, com ingresso via concurso e estabilidade após três anos); cargos com vínculo por prazo indeterminado (por concurso, mas sem estabilidade); vínculo de experiência (concursados passam por período de experiência); vínculos por prazo determinado; e cargos de liderança e assessoramento (atuais cargos comissionados e funções gratificadas).
- Fim da estabilidade para futuros servidores. Essa prerrogativa valerá apenas para os chamados cargos típicos de Estado.
- Concursos serão realizados para cargos permanentes fora das carreiras típicas de Estado.
- Servidores não poderão ter mais de 30 dias de férias por ano.
- Vedada aposentadoria compulsória como modalidade de punição.
- Militares, magistrados e parlamentares estão fora da reforma.