A próxima legislatura da Câmara de Vereadores de Caxias do Sul sequer começou, mas já indica uma iminente disputa ideológica que deve se travar no Legislativo. O episódio mais recente foi desencadeado pelo vereador eleito Mauricio Marcon (Novo), que após ser diplomado publicou um vídeo na última sexta-feira (18) contestando eventual posse de parlamentar do Partido dos Trabalhadores (PT) na presidência da Casa. Marcon também incitou pressão popular para convencer os demais vereadores da casa a barrar a presença do PT na Mesa Diretora e no comando da Comissão de Educação do Legislativo.
As provocações do vereador envolvem o acordo informal que prevê o rodízio na presidência da Câmara entre os partidos com maiores bancadas, o que, no próximo mandato ficaria a cargo de PSDB, PSB, PTB e PT. O critério prioriza o princípio da proporcionalidade, que considera que partidos com maior número de votos e de cadeiras têm direito a ocupar lugares na Mesa Diretora e mais vagas nas comissões parlamentares justamente por terem obtido maior respaldo eleitoral.
Em recente publicação nas redes sociais, Marcon reiterou o posicionamento: "Não existe qualquer lei que diga que as maiores bancadas devam ter a presidência, essa premissa é falsa, o que existe é um acordão de décadas atrás, montado no tempo que todos remavam para o mesmo lado na Câmara, isso acabou", publicou o parlamentar.
O Pioneiro contatou os presidentes dos quatro partidos que terão as maiores bancadas e, supostamente, se adequariam ao princípio da proporcionalidade para ocupar a Mesa Diretora e compor as comissões. Os presidentes de PSB (que garantiu que sua bancada será a favor da proporcionalidade) e PT foram os críticos mais enfáticos das declarações de Marcon.
— É um princípio democrático, não se trata nem de acordo. A gente sempre acredita que a política amadureça e não retroceda. Não sabemos o que se passa dentro dos partidos, mas acreditamos que não (se oporão ao critério). Acreditamos que muitos partidos de Caxias tenham essa maturidade e se preocupem de fato com o desenvolvimento da cidade — afirmou a presidente do PT, Joceli Veadrigo.
O presidente do PSDB municipal, Ozório Rocha, disse não enxergar problema em seguir o critério da proporcionalidade, mas afirmou que a decisão final será de responsabilidade dos três vereadores que compõem a bancada. Já o presidente do PTB, Gilberto Meletti, disse que o posicionamento do partido ainda será definido em conjunto com os parlamentares.
PSB enfático
O presidente do PSB de Caxias, Adriano Boff, afirmou estranheza diante das declarações de Mauricio Marcon. Para ele, o posicionamento do parlamentar do Novo seria antidemocrático e contraditório ao princípio da proporcionalidade.
— Em todo local que tem diálogo, tem algumas pessoas que enxergam acordo, "acordão", menosprezam o diálogo. São senhores de todas as opiniões e sabem tudo. Esse tipo de pessoa que é muito dona de si e muito sabedora de tudo, temos de ter um certo cuidado, as coisas não são assim. Todos que entram ali (no Legislativo) têm um voto, ele tem um voto igual a todos, então tem de conversar, não precisa todo mundo pensar igual para conversar. Não vai conversar com seu vizinho porque ele torce para outro time... — criticou Boff.
PSDB repassa responsabilidade para bancada
A decisão oficial da Câmara acerca da polêmica só será conhecida no dia 1º. Embora parte das legendas já tenha se posicionado contrária às manifestações de Marcon, há quem reforce as críticas do parlamentar do Novo, como são os casos dos eleitos Juliano Valim (PSD), Rafael Bueno (PDT) e Ricardo Daneluz (PDT). Entre os partidos que compõem o rodízio, o PSDB adiantou que repassará a responsabilidade da decisão aos vereadores Marisol Santos, Olmir Cadore e Tatiane Frizzo.
O Pioneiro contatou os três parlamentares. Tatiane Frizzo ficou em cima do muro. Em nota, ela afirmou que entende que a proporcionalidade deve ser respeitada, mas que qualquer manifestação neste momento seria precipitada, pois depende de definição do partido. Cadore também preferiu não se pronunciar, embora tenha lamentado "a turbulência em início de mandato". Já Marisol Santos foi a única que se posicionou efetivamente. Para ela, o rodízio respeita o resultado das eleições e a maioria proporcional definida nas urnas:
— Manter a presidência para os partidos que têm as maiores bancadas é uma forma de respeitar o que disseram os eleitores. Não me agrada obviamente que o PT esteja na presidência da Casa num desses quatro anos, mas acho que qualquer outro critério que não seja o respeito ao voto da população não pode se sobressair. É respeitar o que as pessoas escolheram — defende Marisol.
Ela salienta que não se trata de um "acordão", como se referiu Marcon, e sim de um sistema que prioriza a representatividade das bancadas:
— Quando a gente vota no Executivo a gente vota num plano, mas o Legislativo é uma casa representativa e tem de ter esse respeito sempre, são vários projetos, várias pessoas diferentes e partidos diferentes e os quatro partidos mais votados são esses. Eu não gostaria que fosse, mas o PT é um deles e acho que não podemos mexer nisso. Não é um acordão, essa expressão já foi criada de forma pejorativa, isso não existe, a regra é o respeito ao voto da população, que escolheu as quatro bancadas e uma delas, infelizmente, é do PT.
O que dizem os partidos
"A palavra acordo ganhou um sentido pejorativo. Tem vereador fazendo live chamando de acordo, acordão, mas é do regimento interno sobre a participação nas comissões. Os vereadores novos têm de ter o regimento interno da Câmara na mão. Lá diz como cada partido participa das comissões. Tem a questão da proporcionalidade. Se um partido tem um vereador, ele vai participar de menos comissões que um partido que tem três. Esse mesmo regimento pode ser levado como ponto de diálogo e visão comum para participação da Mesa. Podemos ter tudo contra o Zé (José) Dirceu, o (José) Genoino e o (Antonio) Palocci, mas eles não estão em Caxias. Quem está aqui é a Denise Pessôa, o (Lucas) Caregnato e a Estela (Balardin). É com eles que vamos conversar, não temos aversão a ninguém, nem ao rapaz dono de todas as razões do mundo, o Marcon, não tem problema nenhum conversar. Se tiver boas propostas para Caxias do Sul, vamos conversar. Essa moda de fazer muro, e não ponte, de nunca querer dialogar..." Adriano Boff, presidente do PSB
"O partido transferiu essa responsabilidade aos vereadores. Nós entendemos que eles que têm de saber se deve haver ou não o cumprimento desse acordo. A princípio, é um acordo de cavalheiros, e o partido não se opõe a isso aí. Mas a decisão será tomada pelos nossos vereadores, que entendem se é melhor ou não e nós vamos acolher a posição deles. Eu entendo que a posição deve ser tomada por quem está trabalhando na Câmara. Mas eu acho que não se deve também fugir daquilo que foi feito anteriormente. Não vejo por que neste momento, não é questão de posição ou "do PT". Acho que os vereadores devem trabalhar em prol da população independente dessa briga partidária. Se o acordo foi feito, tem de ser cumprido. Não vejo que é um problema." Ozório Rocha, presidente do PSDB
"A gente lamenta muito essa postura. Há um desconhecimento, e achamos ruim quando alguém, inclusive, quer polarizar o tema diante de tantos assuntos necessários e tantos problemas que estamos vivendo enquanto cidade e crise epidemiológica. Aí fica polarizando um tema que a democracia garantiu e a pessoa, recém eleita, quer desconstruir. Ou não tem projeto para Caxias ou não entendeu que ele não é vereador de causa própria, e sim de uma cidade. Isso é muito ruim, a gente lamenta que esteja se nivelando o debate da cidade por baixo. Temos propostas e proposições muito além disso, porque o que ele está fazendo é desmerecer a construção política de todos os partidos." Joceli Veadrigo, presidente do PT
"O Marcon tem uma posição pessoal e está se posicionando da forma que ele pensa e não temos como dirigir as palavras dele. Isso é um acordo que existe há algum tempo e não é nada oficial e por isso nada impede que mude. É uma maneira que vem conduzindo ao longo dos anos, partidos que têm maior número de votos e representatividade fazem composição da Mesa e das comissões. Mas estamos ainda discutindo a nossa posição como partido." Gilberto Meletti, presidente do PTB