Vereadores de Caxias votam amanhã a admissibilidade do mais recente pedido de impeachment do prefeito Flávio Cassina (PTB). É o segundo protocolado contra o chefe do Executivo em pouco mais de um mês, desde que o governo tampão assumiu após o impeachment de Daniel Guerra (Republicanos).
Desta vez, o pedido fundamenta a tentativa de cassação à contratação da ex-rainha da Festa da Uva Fabiana Bressanelli Koch como CC8 na função de diretora-executiva do gabinete de Cassina. A nomenclatura ao menos consta em portaria assinada no dia 22 de janeiro no Diário Oficial do Município. Entretanto, a chefe de Gabinete e secretária de Governo, Grégora Fortuna dos Passos, e a própria ex-rainha já admitiram ao Pioneiro que ela, na verdade, atuará na organização da Festa.
Os autores do pedido de impeachment questionam a remuneração do cargo, uma vez que, tradicionalmente, a função cabe à direção da comissão social (posto ocupado por Fabiana), cargo desempenhado de forma voluntária. Com a nomeação, ela passou a receber salário de R$ 7.032,14. A polêmica aumentou após a chefe de gabinete também afirmar que Fabiana não cumpre expediente no gabinete do prefeito e sim "missões".
O silêncio de vereadores, que não repercutiram o ato do governo no Legislativo, sinaliza a tendência de que o processo seja arquivado. Ainda assim, a nomeação de Fabiana surtiu efeitos na opinião pública e reação de apoiadores do ex-prefeito Guerra. O próprio líder de governo na Câmara, vereador Adriano Bressan (MDB), admite possível "erro de avaliação" de Cassina na nomeação.
– Não quero estar me envolvendo com as nomeações, mas tem de ver que tipo de trabalho ela está desempenhando e se é preciso essa remuneração. Se é preciso, não tem problema nenhum, agora, se não for preciso, aí a gente tem de avaliar diferente. Aí sim pode ser que houve um erro de avaliação. E se ela não cumpre horário, tem de cumprir, como todos os CCs, nesse sentido, se ela não está cumprindo, acredito que devesse – opinou Bressan.
Ao todo, o processo contém 21 páginas. Para ser encaminhado à comissão processante, o pedido precisa ser aprovado por maioria dos 22 vereadores (o presidente só vota em caso de empate).
Fundamentação do pedido
Art. 4º do decreto-lei 201 de 1967
Incisos
VII: Praticar, contra expressa disposição de lei, ato de sua competência ou omitir-se na sua prática;
(...)
X: Proceder de modo incompatível com a dignidade e o decoro do cargo.
Função não seria remunerada.
"(Fabiana) cumpre missões e lidera a Comissão Social (da Festa da Uva) prestando serviço naquela organização privada através de ser nomeada em cargo público na Prefeitura Municipal".
Atuação na função organizacional da Festa da Uva conflitaria com o trabalho de cirurgiã dentista na UPA Central
"É inadmissível a nomeação de um cargo em comissão, lotado no gabinete do prefeito, setor que abrange número expressivo de demandas e exige carga horária mínima de 40h semanais, e que este servidor sequer compareça ao seu local de trabalho, sendo ainda mais inadmissível ainda que este cargo em comissão esteja exercendo uma atividade totalmente desvinculada, e privada, daquela a que foi nomeado e que é atribuição de seu cargo público, com atribuições definidas exclusivamente pelo estatuto do servidor do município e pela Lei Complementar 321/08, constituindo-se em uma flagrante ilegalidade e atentado contra a probidade da administração pública".
Especialista aponta lacunas, mas considera instrumento inadequado
O encaminhamento do pedido de impeachment como forma de contestar o ato administrativo que nomeou Fabiana Bressanelli Koch para o cargo em comissão é desproporcional, na opinião do advogado Antônio Augusto Mayer dos Santos, professor de Direito Eleitoral. Ainda assim, ele acredita que há lacunas que precisam ser esclarecidas pelo poder público.
– Há uma desproporção notória, embora a matéria precise de esclarecimentos, seja por questão do cargo ou inquietação gerada pela divulgação da portaria. Mas não vejo que a melhor forma de se resolver isso seja pelo confronto, é uma matéria administrativa que tem de ser enfrentada com transparência e mais lucidez, existem alguns focos obscuros. A portaria é insuficiente. Administrativamente, há lacuna, mas isso se resolve por esclarecimento ou por outras vias de procedimentos que não seja impeachment. Senão vamos usar impeachment para qualquer tipo de irregularidade. O remédio não é o mesmo para todo o tipo de doença – afirma Mayer.
O especialista aponta que pelo menos três questões precisam ser elucidadas na nomeação: o cargo, a função e o cumprimento da carga horária do cargo em comissão. Ainda assim, ele destaca que o novo pedido de impeachment consolida o desvirtuamento do instrumento constitucional:
– Esse tipo de situação tem de ser resolvida internamente. E se houver desdobramento externo, precisa ser pela via de inquérito civil público perante o Ministério Público. Em caso mais drástico, efetivo, se ficar configurado algum tipo de dano ao erário, uma ação civil pública, e por último pela via da ação popular. Se entender que houve ato lesivo e ilegal, então que ingresse em juízo, e o judiciário vai dirimir se houve ou não infração. Agora, movimentar processo de impeachment por conta de uma divergência de entendimento por eventual incompreensão em torno de um cargo comissionado de uma festa tradicional de Caxias é desvirtuar o pedido de impeachment. É desproporcional, é querer matar pardal com tiro de canhão.