O vice-prefeito Ricardo Fabris de Abreu (Avante) pede a abertura de procedimento administrativo contra as secretárias municipais Camila Sandri Sirena (Agricultura), Mirângela Rossi (Urbanismo), Renata Aquino Carraro (Turismo) e Vangelisa Fogaça Cassênego Lorandi (Recursos Humanos). O ofício protocolado na semana passada foi entregue ao prefeito Daniel Guerra (PRB) e pede providências na apuração dos fatos. As quatro titulares das pastas participam ou participaram de sociedades como sócias-administradoras ao mesmo tempo em que ocupam cargo de confiança (CC) na administração municipal.
Segundo Fabris, a sociedade em empresas privadas configura infração à Lei Orgânica do Município, ao Estatuto dos Servidores Públicos Municipais e à Lei Federal 8.429/92 (Lei da Improbidade Administrativa).
– Isso é absolutamente irregular. Elas (secretárias) podem fazer lobby. A secretária da Agricultura, que tem o poder de fiscalização, é sócia de uma empresa de consultoria agrícola. Se descumprir a Lei Orgânica e o estatuto, é improbidade. Ainda mais vindo do Daniel, o homem da legalidade. Ele sempre diz que é contra o jeitinho e que não tem mutreta.
O vice disse que, ao saber da irregularidade, está cumprindo com sua obrigação de comunicar o prefeito.
– Eu presumo que ele não tinha conhecimento. Espero que ele instaure um procedimento administrativo. Ele (prefeito) exonera as secretárias ou elas saem da direção das empresas.
Fabris lembra ainda que os secretários têm dedicação exclusiva à prefeitura e ter participação societária em empresa corresponde a jornada dupla.
Até a noite de terça, o vice não havia recebido uma resposta de Guerra. Ele diz que, se não houver apuração do caso, vai encaminhar ao conhecimento do Ministério Público Estadual (MPE), Tribunal de Contas do Estado (TCE) e Câmara de Vereadores.
Questionada sobre a situação, a presidente do Sindicato dos Servidores Municipais (Sindiserv) de Caxias do Sul, Silvana Piroli, disse que os servidores são regidos pelo estatuto e pela Lei Orgânica:
– Toda a nossa conduta deve sempre zelar pelo cumprimento dessas legislações. Qualquer ação contrária pode trazer prejuízo para o servidor ou o serviço público.
Para o ex-presidente do Sindiserv, João Dorlan, as secretárias não podem exercer o cargo e constarem em sociedade de empresa privada porque isso contraria o que diz o estatuto dos servidores e a Lei Orgânica do Município.
– Por exemplo, os servidores do quadro da saúde não podem ser credenciados pelo Ipam. A partir do momento em que é nomeado agente político, é um servidor público e tem vários impeditivos legais.
Como se dá a participação de cada uma
Em anexo ao pedido de providências, Fabris encaminhou cópia dos registros das empresas na Junta Comercial, Industrial e Serviços do Rio Grando do Sul (JucisRS) em que as secretárias aparecem como sócias das empresas. A titular da secretaria da Agricultura, Camila Sirena*, é sócia da empresa Lovatel, Sandri e Vanin Assessoria Agronômica Ltda ME, prestadora de serviço de consultoria e assistência técnica nas áreas de agricultura e pecuária que atua no mercado desde 1º de abril de 2016. Camila também aparece como sócia em outra empresa, a S & S Capital e Participações Ltda, empresa de administração, locação, compra e venda de bens próprios. A empresa iniciou as atividades em 1º de novembro desse ano.
Já a secretária de Turismo, Renata Carraro é sócia da Aquino Carraro Negócios Imobiliários e Representações Ltda, empresa de compra e venda de bens móveis e imóveis em atividade desde 11 de julho de 2014.
A titular da secretaria de Recursos Humanos, Vangelisa Lorandi, é sócia da microempresa que leva seu nome. O negócio presta serviço de treinamento e capacitação gerencial e profissional, além de organização de feiras, congressos, exposições e festas. A empresa iniciou suas atividades em 4 de abril de 2012.
A secretária do Urbanismo, Mirângela Rossi, foi sócia da Effectiva Construtora e Incorporadora Ltda de 13 de maio de 2011 a 3 de janeiro de 2017. Ela deixou a empresa de construção, incorporação e comercialização de imóveis residenciais, comerciais e industriais três dias após o início do mandato de Guerra.
O QUE DIZ A LEI
Lei Orgânica Municipal
Art. 106. O Prefeito, o Vice-Prefeito, os Vereadores e os Servidores Municipais, bem como as pessoas ligadas a qualquer deles por matrimônio ou parentesco, afim ou consanguíneo, até o terceiro grau inclusive, não poderão contratar com o Município, seja a que título for, bem como ficam incluídas na presente proibição as pessoas jurídicas, das quais as mesmas pessoas tenham participação direta na administração destas, subsistindo a proibição até seis meses após findar as respectivas funções.
Parágrafo único. Não se incluem nesta proibição os contratos cujas cláusulas e condições sejam uniformes para todos os interessados.
Estatuto dos Servidores Públicos Municipais
Art. 242. Ao servidor é proibida qualquer ação ou omissão capaz de comprometer a dignidade e o decoro da função pública, ferir a disciplina e a hierarquia, prejudicar a eficiência do serviço, causar dano à Administração Pública, e especialmente:
XXII - exercer comércio ou participar de sociedades comerciais, exceto como acionista, quotista ou comandatário;
XXIII - ser diretor ou integrar conselho de empresas fornecedoras ou prestadoras de serviços, ou que realizem qualquer modalidade de contrato com o Município, sob pena de demissão do serviço público, inclusive quando se tratar de função de confiança do Município, bem como exercente de cargo em comissão;
XXIV - exercer, mesmo fora das horas de trabalho, emprego ou função em empresa, estabelecimento ou instituição que tenha relações industriais ou comerciais com o Município, em matéria que se relacione com a finalidade da repartição em que esteja lotado.
O QUE DIZ A PREFEITURA
Por meio de nota, a manifestação da administração municipal foi lacônica: "A administração municipal garante a legalidade dos seus atos, uma vez que essa é uma diretriz do governo, inclusive na escolha dos seus secretários."
O QUE DIZEM AS SECRETÁRIAS
"Esse assunto, quanto às dúvidas levantadas pelo senhor Ricardo Fabris, temos orientação que deve ser tratado com a PGM (Procuradoria-Geral do Município) ou com a Comunicação."
Vangelisa Lorandi, secretária de Recursos Humanos.
"Nesse caso, quem responde é a comunicação do gabinete." Renata Carraro, secretária do Turismo
"Quando fui convidada a ser secretária, a diretriz do governo é de legalidade para tudo. Eu entendi que não podia fazer parte de uma empresa e saí do contrato social (da empresa). Estava indo para outro trabalho e não podia cuidar de duas coisas ao mesmo tempo e nem posso. Não conheço na íntegra esse documento. Sei que está sendo tratado pelo gabinete do prefeito." Mirângela Rossi, secretária de Urbanismo
* Até o fechamento da edição, a secretária da Agricultura, Camila Sirena, não retornou à solicitação da reportagem.