A sexta reportagem da série A Cidade que Queremos traz um diagnóstico da educação e da cultura em Caxias do Sul e aponta alternativas viáveis, sugeridas por especialistas, para resolver os problemas e desafios de cada setor. Confira:
Diagnóstico - Educação
Fila na educação infantil, compra de vagas e ensino fundamental
"Hoje tem uma rede de instituições terceirizadas que executa e mantém escolas de educação infantil. A gente observa uma lista enorme de crianças na fila e também compra de vagas, além dos convênios que o município mantém. Os prefeitos e os gestores públicos precisam assumir isso como uma coisa do município. A segunda questão tem a ver com a educação fundamental. Acho que avançamos muito na educação básica, mas temos um problema. Os anos iniciais têm melhor Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) que os anos finais. A pergunta é: o que explica isso? No nosso grupo de pesquisa, a gente trabalha com algumas hipóteses. Nos anos iniciais, os professores trabalham de forma interdisciplinar, mais acolhedora e de forma mais singular. Nos anos finais, já não há a mesma relação afetiva que tinha nos anos iniciais. Na interdisciplinaridade, há um certo enfraquecimento." Delcio Antônio Agliardi, mestre em Educação, professor e membro do Observatório de Educação da UCS
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Falta de participação da família
"O que vejo de maior problema hoje é a falta de estrutura familiar no acompanhamento das crianças na escola. A família não está junto, não está próxima. Na maioria das vezes, manda para a escola as funções da família. A escola não é mais aquele espaço onde você ia para buscar o conhecimento. A primeira função é da família, que é da educação, do acompanhamento, mas como não tem, a escola acaba fazendo as funções da família e não as suas. E tem também a questão da prefeitura, que não tem aquele incentivo, aquela valorização com o profissional da educação". Rosane Carneiro, diretora de Educação do Sindicato dos Servidores Municipais (Sindiserv)
Aumento da demanda
"Quanto às escolas municipais, a gente entende que tem uma qualidade boa. Foram feitas creches no Parque Oásis, no Pôr do Sol, no São Victor-Cohab. Mas creche tu nunca vai conseguir atingir o número. Tinha várias empresas em Caxias com creches (para os filhos de funcionários). Várias empresas acabaram cortando, demitindo as pessoas, e essas pessoas acabaram migrando para a creche do município". Flávio Fernandes, presidente da União das Associações de Bairros (UAB)
Caminhos possíveis - Educação
Planejamento
"O que o poder público pode fazer é garantir os percentuais que são colocados pela lei na educação básica. Depois, não transferir responsabilidade. Vejo muitas vezes o poder público transferindo para a sociedade. Trabalhar com planejamento a médio e longo prazo. Tem que pensar hoje que tipo de escola a gente vai construir, porque logo adiante a gente não vai ter o mesmo número de alunos na educação infantil nem no fundamental para atender. Investir muito na formação inicial e continuada do professor. Outra coisa é mapear os territórios de intervenção prioritária, que são aquelas escolas inseridas em situação de vulnerabilidade. Não estamos conseguindo fazer com que todas as escolas em região de vulnerabilidade tenham ações estruturantes". Delcio Antônio Agliardi
Cumprimento do Plano de Educação e mais diálogo
"Nós temos um Plano Municipal de Educação, com algumas metas que devem ser alcançadas, monitoradas e aplicadas. Basta aplicar. Ouvir a escola, os profissionais da educação, planejar junto e estar no dia a dia". Rosane Carneiro
Diagnóstico - Cultura
Falta unidade
"Um desafio para a cultura é uma espécie de direcionamento político-social. Se produz muita cultura em Caxias de maneira isolada. Temos bons escritores, artistas de música, artistas em outras áreas, mas não há muito um pensamento unificador que torne essas manifestações uma manifestação mais homogênea, mais clara, mais madura." Jayme Paviani, professor e filósofo
Falta participação política
"É óbvio que todos nós, artistas, gostaríamos de ter espaços mais bem equipados, verbas maiores, mas a idade me fez ver que existe uma distância entre aquilo que se deseja e aquilo que é possível. Penso que a secretaria (da Cultura) deva assumir o compromisso cada vez maior de não deixar sumir procedimentos como a LIC (Lei de Incentivo à Cultura) e o Financiarte. Isso se conquistou a duras penas há 20 anos, inclusive desburocratizando esses mecanismos. Isso passa por uma vontade política, mas também passa por uma participação mais efetiva dos próprios artistas. Faço parte da comissão da LIC há quase 20 anos, não porque eu deseje estar ali, mas porque às vezes não há quórum suficiente para a formação dessas comissões". Mara De Carli, presidente do Núcleo de Artes Visuais de Caxias (Navi)
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Falta público
"Nós tivemos um projeto do governo federal chamado Ponto de Cultura e, na UAB, foi criado um ponto. Mas, mesmo sendo de graça, parecia que era caro, porque o pessoal não ia. Agora, com o tombamento da Maesa, talvez centralizando mais, o pessoal busque mais. Acho que o pessoal em Caxias se preocupa muito em trabalhar e esquece de se dar um tempo. Mas claro que a gente sabe que não é porque o pessoal não procura que não tem que produzir mais". Flávio Fernandes, presidente da União das Associações de Bairros (UAB)
Caminhos possíveis - Cultura
Interesse coletivo
"Precisaria que todas as áreas da sociedade se interessassem por isso (cultura). Por exemplo, as empresas têm a ver com isso, o comércio tem a ver com isso. A cultura não pode estar só na mão e na direção dos que produzem culturalmente. Ela deve ser de interesse coletivo". Jayme Paviani
Conselho de Cultura com voz e independente
"Acho que é o Conselho que pode balizar a ocupação de espaços, por exemplo, como a Maesa, de editais para ocupação das galerias, porque não é possível ter decisões unilaterais. A nossa maneira de estar junto à secretaria é através das comissões (como a da LIC). Não há como esvaziar e nós, artistas, reclamarmos de que elas não são perfeitas e não estarmos juntos a elas. O que eu desejo mesmo é que esses mecanismos tenham mais força, mas precisa ter os artistas nessas comissões, é preciso que exista disponibilidade e envolvimento da nossa parte, cumprir o nosso dever". Mara De Carli
A reportagem também foi às ruas conferir a opinião da população sobre os temas. O que precisa para melhorar a educação e o acesso à cultura foi a pergunta. Veja as repostas:
"A Cultura precisa de mais investimento. A educação, além de investimento, precisa ter mais qualidade." Tiago Dalan, 34 anos, engenheiro civil
"Acho que a educação deve ser melhorada a partir de casa. Sem respeito não tem como mudar. Não sou muito ligado à cultura, mas me parece que falta espaço e diversidade." João Calebe, 25 anos, metalúrgico
"Precisamos de mais atividades culturais nos finais de semana. Quando tem, é longe. Na educação, temos muitas faculdades particulares e precisamos de uma universidade pública." Junior Cesar de Carvalho, 22 anos, vendedor
"O povo é mal educado. A qualidade do ensino da escola particular é muito diferente da pública. Não é culpa dos professores, mas tem muita falta de dinheiro." Luciana Macedo, 25 anos, cabeleireira
"A cidade precisa de mais teatro e cinema em espaços públicos para as crianças. Na educação, precisa de mais investimento em creches." Marlova Ré, 36 anos, promotora de vendas
"As escolas estaduais precisam ter mais qualidade. O ensino está fraco. Na cultura, temos poucas peças de teatro. Se quiser assistir a uma peça diferente, preciso ir a Porto Alegre." Antônio Guerra, 54 anos, bancário
"Na cultura, precisa ter mais incentivo para que as pessoas conheçam os museus, as casas de cultura e os pontos turísticos da cidade. Na educação, é necessário trabalhar para que as disciplinas despertem o interesse dos alunos." Natacha Vanni, 20 anos, estudante de gastronomia
"Na educação, é preciso melhorar muita coisa. Os alunos precisam ler mais e escrever e falar melhor. Na cultura, melhoramos muito, mas tudo está muito caro. As pessoas de menos condições financeiras não têm acesso. Deve ter mais opções, e de melhor qualidade." Rejane Polidoro, 50 anos, assistente social