Bons resultados em educação não surgem de um dia para outro. Eles dependem de planejamento e ações a médio e longo prazo. Por isso, a superintendente do movimento Todos pela Educação, a economista e mestre em políticas públicas Alejandra Meraz Velasco defende a continuidade das políticas públicas, independentemente de quem vence uma eleição.
– É importante a gente se lembrar que, em todas as políticas públicas, mas na educação em particular, é muito importante a continuidade. Os programas não têm resultados imediatos e a tentação dos governos deixarem a sua marca desfazendo tudo o que a gestão anterior fez e reinventar a roda é sempre muito grande. E isso é muito prejudicial para os resultados em educação – entende.
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Nesta entrevista, Alejandra fala também sobre os desafios da educação brasileiras, sugestões para melhorar a educação básica e a importância de um programa específico para os anos finais do ensino fundamental. Confira os principais trechos:
Pioneiro: Quais os problemas e desafios da educação brasileira?
Alejandra Meraz Velasco: A reflexão tem que se focar no cumprimento do Plano Nacional de Educação. Ele coloca 20 metas para educação brasileira que vão da educação infantil até a pós-graduação. Essa é a peça com a qual gente conta para se tornar uma bússola no planejamento de políticas públicas de qualquer esfera de governo. É claro que cada município tem que fazer e deve ter feito uma adaptação desse plano nacional, considerando o contexto do território.
Pioneiro: Quais sugestões para melhorar a educação infantil?
Alejandra: O principal desafio ainda é o atendimento. É importante acompanhar esse atendimento para que aconteça com qualidade, para a gente não repetir os erros da universalização do ensino fundamental. Quando o ensino fundamental é universalizado, as crianças entram na escola e, para ampliar esse atendimento, se precarizou a qualidade. É uma infraestrutura muito precária e, até hoje, a gente luta com essas condições precárias de atendimento. A gente não pode permitir que o mesmo aconteça com a educação infantil. A expansão da educação infantil precisa acontecer com qualidade. A partir deste ano, as crianças de 4 e 5 anos, obrigatoriamente, devem ir para a escola, e de 15 a 17 também. Antigamente, a obrigatoriedade se limitava ao ensino fundamental. Com essa obrigatoriedade, a gente passa a pensar que o ciclo da alfabetização tem que se vincular com a educação infantil.
Pioneiro: E para a o ensino fundamental?
Alejandra: Um primeiro desafio é resolver os altos níveis de analfabetismo das crianças no terceiro ano. Os resultados da ANA, a Avaliação Nacional da Alfabetização, nos mostram que a alfabetização com 8 anos ainda é um grande desafio e é preciso pensar as estratégias do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, considerando agora a educação infantil, que é obrigatória. É preciso redesenhar esse pacto para a gente conseguir que todas as crianças até 8 anos estejam plenamente alfabetizadas. Passando para os anos finais do ensino fundamental, o desafio é que a gente não tem políticas públicas específicas. É o momento de mudança tanto para a criança que está passando para a adolescência e é um momento que muda muito a estrutura de atendimento. A criança deixa de ter um professor de referência e passa a ter vários professores especialistas. Isso exige dela maior organização, maior autonomia, e nem sempre os anos iniciais prepararam a criança para essa transição. E a gente não tem programa que dê visibilidade para essa problemática. Uma segunda questão nos anos finais é a falta de professores com formação adequada para a disciplina que eles lecionam. O percentual de professores que estão lecionando uma disciplina na qual não são formados é muito grande, inclusive maior que no ensino médio. São esses anos finais do ensino fundamental que vão educar essa criança que vai para o ensino médio, onde a gente tem as maiores taxas de abandono.
Pioneiro: Educação precisa de alto investimento ou é possível oferecer educação de qualidade com poucos recursos financeiros?
Alejandra: O próprio Plano Nacional de Educação coloca metas que muito concretamente se traduzem em gasto maior. A ampliação do atendimento na educação infantil, por exemplo, a ampliação das matrículas em educação integral. Tudo isso demanda expansão na capacidade de atendimento e a gente tem dificuldade em problemas que também demandam recursos, como formação de professores. Essa é uma questão que merece destaque: é necessário ter políticas que façam com que os melhores alunos da educação básica tenham interesse em seguir a carreira do magistério. Essas mudanças necessárias na formação de professores vão precisar também de recursos financeiros. A atratividade da carreira é um ponto importante. O piso salarial é também importante. São questões que demandam mais recurso. E é claro que é preciso criar mecanismos para favorecer uma gestão mais eficiente dos recursos.
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Pioneiro: Quais bons exemplos em educação adotados por prefeituras podem ser aproveitados por outros municípios brasileiros?
Alejandra: Há uma série, chamada Destino: Educação, do canal Futura, que a gente deu apoio técnico, para identificar municípios que mostraram avanços no seu desempenho e que esses avanços vieram com uma redução da desigualdade. Não foi uma questão de aumentar o desempenho de quem já estava numa situação melhor, são lugares que conseguiram reduzir a desigualdade, melhoraram a situação de todos os alunos do município. Em alguns casos, o destaque é educação integral; em outros, é o acesso à educação, prefeituras que tiveram uma busca ativa pelos alunos que estão fora da escola, atividades mais integradas na escola, como formação de professores. Acho que outra constante dessas prefeituras é a continuidade das políticas públicas. Principalmente em momento de eleição, é importante a gente se lembrar que, em todas as políticas públicas, mas na educação em particular, é muito importante a continuidade. Os programas não têm resultados imediatos e a tentação dos governos deixarem a sua marca desfazendo tudo o que a gestão anterior fez e reinventar a roda é sempre muito grande. E isso é muito prejudicial para os resultados em educação.
Pioneiro: De que forma educação e cultura podem andar juntas?
Alejandra: Cada vez fica mais claro no debate em educação que a escola tem que fazer pontes entre o contexto dos alunos e o que está sendo ensinado, e a cultura é uma das possibilidades. Você referenciar essa aprendizagem em sala de aula com a produção cultural no seu sentido mais amplo da cidade é uma das possíveis estratégias para contextualizar o ensino. Vou te dar um exemplo doméstico: na creche da minha filha, eles estudaram a Frida Kahlo, que tem uma larga produção de autorretratos. A partir disso, eles introduziram o autorretrato para as crianças e isso gerou uma reflexão que é importante na educação infantil sobre a própria identidade. É possível criar esses relacionamentos e ai você gera oportunidade de aprendizagens. É preciso integrar atividades culturais com o projeto pedagógico. Não é a visita ao museu, o passeio cultural pelo passeio cultural. É preciso construir um projeto em volta desses eventos.