A formação no seminário e, principalmente, uma expressiva militância estudantil eram comuns há algumas décadas, servindo de porta de entrada para a política. Mesmo que por acaso, a efervescência de ideias num período de repressão e a luta por direitos favorecia o surgimento de lideranças. Foi assim que começou a se desenhar a trajetória do peemedebista José Ivo Sartori, eleito governador no último domingo.
A atuação no Diretório Central de Estudantes (DCE) permanece como uma forma de se capacitar para a vida pública, mas não com a mesma importância do passado. Ganha força nos tempos atuais a diversificação dos movimentos sociais e das formas de manifestação. Já os estudos, antes priorizados em seminários católicos, hoje são substituídos pela maior oferta educacional na rede de ensino.
O cientista político João Ignácio Pires Lucas destaca que muitas lideranças vieram do seminário porque era a única forma que tinham para estudar , fator que já não ocorre atualmente.
- As instituições da Igreja Católica na região eram responsáveis pela formação das pessoas. Na geração de Sartori e de gerações anteriores era quase que uma prerrogativa, em vários âmbitos, não só da política, mas também empresarial - diz o cientista político.
Já o movimento estudantil, diz Pires Lucas, rivaliza entre os jovens com muitas outras formas de organização.
- O movimento estudantil ainda tem uma certa importância, porque as pessoas estão estudando e acabam se capacitando para falar e conhecer vários assuntos, o que é importante na formação de um político. Mas, à medida que os movimentos sociais se pulverizam, temos novos tipos de lideranças.
O cientista político faz um prognóstico ruim: o movimento estudantil perdeu muita importância e a tendência é que fique cada vez mais difícil.
- O que acontecia antes é que havia menos opções para as pessoas se encontrarem e se organizarem politicamente. Os jovens já estão inaugurando novas formas de fazer política, a exemplo das redes sociais, movimentos religiosos, de evangélicos, da causa LGBT.
O Seminário Nossa Senhora Aparecida, em Caxias do Sul, foi o berço de várias figuras de destaque na política caxiense. O vice-prefeito Antonio Feldmann (PMDB), 46 anos, foi seminarista de 1983 a 1990. Ele diz que a instituição já foi mais porta de entrada para a política.
- A igreja já não está mais alinhada com movimentos políticos. E os políticos não têm mais abertura para militar dentro dos programas e ações da igreja. Das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), surgiam políticos. A igreja, os padres, ajudavam essas figuras porque representavam uma visão social e de apoio aos programas mais populares, como a Teologia da Libertação, a opção pelos pobres, o engajamento social e comunitário. Os membros da igreja estimulavam e ajudavam a eleger.
Feldmann não ingressou na política como consequência de sua passagem pelo seminário. A intenção era ser padre, conforme desejo de seus pais. Cursou o último ano do ensino fundamental e o ensino médio no seminário e começou a cursar Filosofia na UCS. Desistiu do seminário e passou a cursar Jornalismo. A primeira vez que disputou uma eleição foi em 2012.
- Os seminaristas vinham da colônia, não tinham condições de estudo, pois tinham que trabalhar na roça. Hoje é totalmente diferente - conta o vice-prefeito.
O vereador Rodrigo Beltrão (PT), 35, foi presidente do DCE de 1998 a 1999. Seu vice era o hoje deputado estadual Vinicius Ribeiro (PDT). A composição da chapa se deu justamente por acertos políticos - Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Leonel Brizola (PDT) estavam juntos na chapa presidencial.
O vereador diz que havia apenas a UCS com ensino superior, por isso a universidade era um local de eferverscência política, de centralização do debate, e o DCE tinha uma envergadura de protagonismo político na cidade.
- Qualquer movimento, principalmente o estudantil, é um grande aprendizado, uma escola para a política. Mas se perdeu a cultura do movimento estudantil, hoje estão mais preocupados em cumprir sua carga horária, não buscam uma organização de grupo. A cultura de movimento estudantil esfriou.
A visão do seminário
Reitor do Seminário Nossa Senhora Aparecida há cinco anos e vice por outros dois, padre Edmundo Marcon faz uma ressalva sobre o papel da instituição católica. Diz que o seminário não é porta de entrada para a política e, sim, para que, a partir do ensino médio, façam uma caminhada de discernimento vocacional com valores cristãos e católicos.
- Com isso, vão discernindo sua vocação e tomando o caminho, que pode ser político. Boa parte são professores da universidade, médicos, advogados...
Ele diz que há algumas décadas, o seminário era uma oportunidade de estudo, mas hoje a realidade é outra com a educação no interior sendo mais favorecida.
- As pessoas deixam o seminário por não ser sua vocação sacerdotal e seguem seu caminho. O seminário forma para uma vida pública para enfrentar o diálogo com a sociedade - reforça o reitor.
A visão do DCE
O DCE da UCS não é mais comandado por um presidente e vice, mas por três coordenadores gerais desde o 4º Congresso de Estudantes, de 2011. Andressa Marques, 18 anos, uma das coordenadoras, não vê a militância no diretório com o objetivo de pleitear um cargo político futuro. Uma possível eleição é vista como uma consequência.
Andressa é filiada ao PCdoB e preside a União da Juventude Socialista, mas diz que não pretende ingressar na vida pública. Afirma que esta não é a realidade da gestão que integra à frente do diretório. Ser do DCE e entrar na vida pública, entende ela, deve-se ao fato de o estudante se tornar uma referência.
Outro coordenador, Eduardo Julianote, 29, é filiado ao PDT, presidente do Conselho Municipal da Juventude, diretor da Juventude da União das Associações de Bairros (UAB) e coordenador da Juventude da igreja Sara Nossa Terra. Mesmo com tantas funções e, inevitável projeção, ele garante que não está no DCE para concorrer a cargo público.
- Já vi pessoas (do DCE) que fizeram carreira política. O cargo de presidente dá um destaque maior. Mas no DCE representamos a entidade. Sou de bastidores, não pretendo concorrer.