A Rua Albano Caberlon, entre o Loteamento Aeroporto e o bairro Montes Claros, parece uma via comum como todas as outras que fazem parte do cenário dos bairros de Caxias do Sul. Contudo, basta uma busca na internet para constatar o que quem vive na rua ou mora na região já sabe há tempos: ela é palco de mortes violentas e ocorrências policiais há anos devido a disputa por território para o tráfico de drogas.
Os últimos casos ocorreram em outubro e novembro. No dia 31, Cristiano Gervasio, 43 anos e Rodrigo Damaceno, 37, foram mortos por volta das 22h30min na rua. De acordo com informações da Brigada Militar (BM) três homens teriam executado a dupla a tiros. Poucos dias depois, em 19 de novembro, uma mulher foi atingida por seis tiros por volta das 20h30min no mesmo local. Conforme registro policial, homens armados efetuaram diversos disparos contra a vítima. Ela foi socorrida pelo Samu e encaminhada para atendimento hospitalar.
O historiador com especialização em Sociologia na área da Segurança Pública e professor da Universidade Feevale, Charles Kieling, conhece a Rua Albano Caberlon desde 2004. Ele conta que de 2000 até 2018 os confrontos ocorriam pelo fato de facções sediadas nas regiões Norte e Leste de Caxias combaterem as quadrilhas que se formavam na região Sul, que estavam em formação e não se alinhavam com as facções da cidade.
— A partir de 2018 as duas maiores facções aqui do Estado receberam apoio de uma facção de São Paulo e passaram a se alinhar com as de Caxias, dividindo as regiões da cidade, tal como fizeram no Rio Grande do Sul. Essas duas facções estabeleceram um "pacto de não se agredirem" e passaram a conflagrar contra outras com o objetivo de eliminar as quadrilhas de Caxias, da mesma forma que em outras cidades no Estado. Ou forçar uma coligação e aderência dessas quadrilhas com a facção — explica Kieling.
Ele explica que no ano passado uma terceira organização criminosa de Porto Alegre passou a buscar redes em outras cidades para aumentar a venda de drogas. Para isso, eles contaram com líderes de quadrilhas não coligadas com as duas facções. Essa informação, o especialista obteve em pesquisa nas penitenciárias de Novo Hamburgo e Porto Alegre:
— Em Farroupilha, os mortos pela polícia estavam na região para executar quadrilhas que se alinham a outro grupo. Ocorre que uma "liderança" de quadrilha que se coligou com outra facção mora na referida rua. E está jurada de morte pelo outro grupo. Eles vão continuar conflagrando a região até "assumirem" o controle.
A rua que ninguém quer
Inicialmente, a via era conhecida como a afamada Rua 24. Ela foi denominada Albano Caberlon pela Lei 3319, de 20 de dezembro de 1988. Há registros de homicídios, apreensões ou prisões de traficantes na via. Em alguns boletins de ocorrência, assim como em reportagens, o primeiro nome aparece como Albano, em outros como Albino. Isso ocorre porque no Google Maps a via está cadastrada como Albino. A confusão também ocorre com o nome do bairro, que consta como Montes Claros ou Esplanada. No setor de topografia da prefeitura de Caxias, o nome está como Albano Caberlon, e faz parte do Esplanada porque nem todos os loteamentos são reconhecidos como bairros. Portanto, como o Loteamento Aeroporto integra o Montes Claros, a via está entre esses dois pontos.
No entorno estão as ruas Carmem Gobbato - paralela ao muro do aeroporto regional Hugo Cantergiani -, Maurício Viola, que é a asfaltada, Flávio Chaves, onde não há calçamento, Romano Guerra, mais para o lado do aeroporto, e Valter Carlos Affonso. A Albano Caberlon é uma rua pequena e, no meio dela, há outra via sem denominação que sai na Carmem Gobatto e que interliga as duas. Há moradias vazias que parecem abandonadas ou em construção.
Quando a reportagem percorreu a rua, os olhares de apreensão eram perceptíveis. Para evitar represálias, os moradores mantêm a lei do silêncio e não conversam com as autoridades, tampouco com a imprensa. Quem mora um pouco mais longe conta que muitas famílias foram embora porque não aguentam mais viver em meio a violência. Há casas à venda e muitos moradores tentam deixar os imóveis para buscar outro local.
— Os rostos mudaram com o tempo. Muita gente não aguentou ficar lá e venderam as casas. Uns quantos deixaram tudo para trás. Vi muita gente morrer ali. Os guris cresceram e se envolveram com o tráfico. A polícia passa por aqui, mas eles sempre dão um jeito de continuar no tráfico. Eles matam e morrem. E se uma bala perdida chega aqui? Não moro tão perto, mas escuto os tiros — conta uma pessoa que vive na região.
A população sabe que há vários endereços para comprar maconha , cocaína e crack. O consumo de drogas ocorre nas dependências do aeroporto, já que os usuários pulam o muro com frequência. É aí que surgem confrontos e acertos de conta. As relações complicadas com as drogas resultaram em 14 assassinatos na Albano Caberlon e proximidades entre os bairros Montes Claros e Esplanada desde 2016.
— Fizemos várias tentativas de ter um módulo policial na área verde do bairro, mas sempre foi negado por estar muito próximo da sede da Brigada Militar.
O relato é parecido com o dos demais moradores. Alguns acabam se acostumando com a criminalidade e, por medo, convivem com o tráfico. Na Albano Caberlon há casas abandonadas e outras tomadas por traficantes, segundo a comunidade.
— O nosso medo são as brigas de facções. Nos acostumamos com mortes e tiros. Na última vez me escondi embaixo da mesa porque atiram lá e vai saber se as balas não chegam na minha casa. As pessoas estão esgotadas, desistiram de viver aqui. Eles compram drogas e não pagam e aparecem mortos. Ou chega alguém querendo liderar na rua e é mais morte.
Sobre o que poderia ajudar a amenizar a criminalidade na região, os moradores lembram da patrulha escolar:
— Nestes anos todos que moro no bairro o que funcionou foi a patrulha que estava na entrada e saída dos turnos da Escola Municipal Basílio Tcacenco. A presença deles inibia a circulação de pessoas na área verde e nas proximidades.
Conhecida no meio policial
Para as autoridades, o duplo homicídio tem ligação com o tráfico de drogas. Tanto que ocorreram no final de outubro, quando Caxias do Sul viveu uma onda de assassinatos.
— O tráfico está fortemente presente naquela região. Houve uma mudança de liderança e essas disputas, que são comuns, tiveram o pico em outubro — afirma o tenente-coronel Jorge Emerson Ribas, comandante do 12º Batalhão de Polícia Militar (12º BPM).
O comandante ressalta que a situação se repete porque sempre que uma liderança é presa ou morta surge outra para assumir o controle:
— Não acaba nunca porque surge outro líder para continuar a venda de drogas. A rua é geograficamente pequena, não há dificuldade de policiamento, e é uma área bem urbanizada. Tanto que fizemos patrulhamento ali com frequência. Nesse ano tivemos quatro ocorrências que resultaram em nove presos. Na última foram três presos porque as mortes chamaram a atenção da BM.
Ele ressalta ainda que, formalmente, não há solicitações de moradores para a polícia:
— Eles têm medo e acabam não procurando a polícia. Não chegou ao nosso conhecimento que estejam tentando vender as casas, mas é provável que isso ocorra em silêncio.
O titular da Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DPHPP), responsável por investigar a autoria dos assassinatos na cidade, também pede a colaboração da comunidade:
— Eles querem a solução, mas não querem ser protagonistas dessa mudança. A delegacia está de portas abertas. Os nossos canais de informação estão disponíveis, e claro que garantimos o anonimato das informações para preservar a integridade dos moradores. Eles também podem nos ajudar porque a polícia precisa de informações — afirma o delegado Caio Fernandes.
O aumento de homicídios em outubro fez soar o alerta em meio à segurança pública. Tanto a BM quanto a Polícia Civil reforçaram o policiamento nas ruas. O reforço do efetivo não foi definido apenas pelo aumento do número de casos, mas pela crueldade das mortes. Em outubro, em meio às disputas por território para a venda de drogas, Caxias foi palco de decapitações, esquartejamentos, homicídios a sangue frio, com tiros à queima-roupa, e corpos carbonizados. Em um dos ataques, uma família inteira foi executada.
O delegado afirma que em dezembro, até o momento, foi registrado apenas um homicídio na cidade. Em novembro foram cinco e, em outubro, no pico dos assassinatos em Caxias, outros 25:
— A policia atua em conjunto com a troca e intercâmbio de informações entre as delegacias de Homicídios e a Draco para combater os homicídios e o narcotráfico, que estão interligados. As mortes eram pano de fundo para disputa de territórios.
O delegado ressalta ainda que o trabalho da polícia ainda esbarra no fato das lideranças conseguirem dar ordens de dentro dos presídios:
— A transferência de lideranças de Caxias e do Estado teve um impacto positivo para cessar o número de mortes. Os líderes estão presos, mas conseguem contatar a base que está nas ruas e, ao identificar quem executava os crimes, também conseguimos combater o número de mortes.
Ele ressalta ainda que, assim como a Albano Caberlon é palco de mortes, a Henrique Cia, no Euzébio Beltrão de Queiróz, e a Fernando Bedin, no Primeiro de Maio, também já foram assim porque há pontos estratégicos até mesmo para o consumo de drogas.
Como mudar a realidade
Para o historiador, com especialização em Sociologia na área da Segurança Pública, e professor da Universidade Feevale, Charles Kieling, é preciso iniciar uma ação pública para modificar a realidade de insegurança no local:
— A prefeitura de Caxias necessita desenvolver um projeto de aproximadamente dois anos, que envolva a comunidade e a Escola Basílio Tcacenco como base para reuniões sociais. O fato de ser na escola é para atingir as famílias e crianças da região.
Ele aponta que o trabalho da polícia nas cidades-base dos grupos criminosos também é necessário:
— Paralelamente a isso, e integrando as ações, a Polícia Civil e o presídio de Caxias necessitam monitorar as informações das facções e suas ações. Também tem que organizar ações da Guarda Municipal na região e com a Brigada Militar nas cidades-base das duas facções (Porto Alegre e Novo Hamburgo).
Ele finaliza:
— Para gerar uma base socioeconômica para as famílias, esse projeto necessita contar com a secretaria de Educação para levantar e gerar condições de ensino e profissionalização para que os moradores locais possam criar expectativas para empreender e melhorar a renda familiar.
O designer Tiago Fiamenghi, um dos co-fundadores do projeto Vivacidade, grupo que idealizou o projeto "Se essa rua fosse minha", acredita que não há uma solução única para o problema porque envolve disputa de território. Contudo, ele defende a ocupação da rua como uma alternativa para proporcionar maior segurança.
— Um ambiente de convivência e ocupação das ruas amplia a sensação de segurança por conta de um maior número de pessoas circulando.
Ele lembra que no Euzébio Beltrão de Queiroz a comunidade, em parceria com a Universidade de Caxias do Sul, construiu a Praça da Esperança ao lado do muro que faz divisa com o Cemitério Público Municipal:
—A população ocupou o espaço, reformou e promoveu melhorias, com grafitagem, brinquedos, um espaço para as crianças e famílias estarem juntas, o que inibe a criminalidade.
Para ele, quando os moradores se reúnem e criam parcerias com a comunidade escolar a transformação acontece:
— Quando há o uso da rua temos a segurança passiva. Sei que esse é um caso complexo e que envolve também o trabalho da educação e da escola e precisa do envolvimento comunitário. A ideia é que se construa de certa forma a fachada ativa, ocupação e recreação. Isso pode auxiliar na redução da insegurança.
Ele acredita ainda que é preciso um trabalho de inteligência da polícia e que os moradores tem que ser ouvidos:
— O principal impactado é quem mora ali e essas pessoas devem ser chamadas para o debate e propor alternativas. Sabemos que não eliminará o problema, mas inibirá as ações de violência se a rua estiver ocupada. Eles vão procurar outros locais e acabam transferindo o problema quando envolve o tráfico. Mas é uma alternativa para que essa comunidade possa recomeçar a ter paz.
Para isso, é preciso despertar o senso de pertencimento da população:
— Cidades ocupadas são cidades mais seguras, tudo passa pela ocupação.
O diz a secretaria de Segurança
O secretário municipal de Segurança Pública, Hernest Larrat dos Santos Júnior, ressalta que a presença dos guardas municipais na região pode ser ampliada.
— O que pode ser feito ali é a Guarda permanecer mais tempo no bairro, aumentando as rondas na área verde perto do colégio e nas proximidades.
Ele ressalta ainda que, sobre a patrulha escolar, assim que o ano letivo for restabelecido a pasta irá intensificar a presença da GM com o setor responsável, que é Centro de Ações Preventivas (CAP).
Quem foi Albano Caberlon
Albano Caberlon nasceu em São Martinho, em 8 de dezembro de 1920. Ele era formado em Contabilidade e trabalhou no Banco da Província e na Sociedade Caxiense de Mútuo Socorro. Caberlon fundou e dirigiu uma empresa de importação. Ele também se destacou no meio esportivo e teve forte atuação no Grêmio Esportivo Flamengo, hoje SER Caxias.
Presidiu o clube grená em três oportunidades nos anos de 1951, 1956 e 1965 e integrou diversas diretorias no período de 1949 até 1965. Casou-se com Augusta Viel, com quem teve cinco filhos. Caberlon morreu em 28 de agosto de 1978, aos 57 anos. Um dos filhos dele é o engenheiro Marcus Vinícius Caberlon, que foi diretor presidente do Samae, atuou na Corsan e também foi dirigente em várias gestões da SER Caxias, sendo que era vice-presidente do clube em 2000, quando o clube conquistou o título do Gauchão.