Com o retorno dos dias quentes e pessoas cansadas de ficar em casa por conta da pandemia de coronavírus, as reclamações sobre perturbação do sossego voltam a ser um problema nas cidades da Serra. Em Caxias do Sul, uma destas aglomerações irregulares gerou cenas de pancadaria próximo a um sacolão na Avenida São Leopoldo. A briga foi filmada por câmeras de seguranças e moradores relataram ter ouvido disparos de arma de fogo. Os fatos são investigados pela Polícia Civil.
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O tumulto aconteceu próximo a um mercado, que já era alvo da fiscalização da prefeitura em razão do desrespeito aos decretos contra a pandemia. O comércio fica no térreo de um prédio e os moradores dos andares superiores relatam que os tumultos são um problema há dois anos. O local tem a proposta de ser 24 horas e não tem estacionamento. Para disfarçar na pandemia, os vizinhos apontam que o sacolão fica com as portas fechadas, mas atende a todos que se aproximam.
— Conhecemos a situação. Este local descumpre todos os decretos da pandemia, desde o início. Antes mesmo (do coronavírus), já havia sido notificado por perturbação do sossego e até interditado, mas depois regularizou a situação dele com alvará. Estamos finalizando o processo contra eles nesta semana e devem receber a multa mais pesada até o momento. Em breve será enviado para a PGM (Procuradoria Geral do Município) para prosseguir com ação jurídica. É o caso mais sério de descumprimento que temos — afirma Rodrigo Lazzarotto, diretor de Fiscalização da Secretaria de Urbanismo (SMU).
Nas imagens filmadas na noite de domingo (4), um casal caminha com sacolas quando uma mulher aparece e agarra os cabelos e retira a máscara da mulher. O homem empurra esta mulher para separá-la da companheira, mas é agredido por dois homens, um deles com capacete de motociclista. Uma mulher que aparenta ser funcionária do sacolão também se envolve na briga. O tumulto termina com a chegada de um homem armado que grita com todos.
— Essa briga foi na porta do nosso prédio. Nós ouvimos tiros. Estão colocando todos em perigo. Podia estar passando alguém, um morador... É um problema que enfrentamos há dois anos, já acionamos todos os órgãos possíveis, da prefeitura e polícias, mas ninguém faz nada. É uma zona residencial, não poderiam trabalhar desta forma. Toda semana é aglomeração, brigas — afirma o síndico do prédio que abriga 35 famílias, que pede para não ser identificado.
Segundo o major Márcio Leandro da Silva, subcomandante do 12º Batalhão de Polícia Militar (12º BPM), houve um chamado por disparo de arma de fogo na Rua Almirante Tamandaré, que fica próximo da Avenida São Leopoldo, às 21h28min de domingo. Uma viatura se deslocou até lá, mas não identificou nenhuma ocorrência no local e nos arredores. Em seguida, outra viatura passou pelo mesmo ponto e também não identificou nada. Segundo o subcomandante, não houve nenhum chamado relacionado a brigas e perturbação do sossego, e o sacolão em questão não é um local com histórico de ocorrências desse tipo.
Na Polícia Civil, o tumulto do final de semana só foi registrado na segunda-feira (5). A ocorrência relata disparos de arma de fogo e que este sacolão é um local recorrente de perturbação do sossego. O delegado Vitor Carnaúba afirma que os investigadores já possuem os vídeos da briga para identificar os envolvidos.
Ocorrências de perturbação aumentaram 64% em Caxias do Sul
A BM fez 28 registros de perturbação do sossego durante o mês de setembro em Caxias do Sul. O dado é 64% maior que em agosto, quando foram 17 casos. Cabe notar que nem todas as denúncias e reclamações resultam em ocorrências. A tendência é que este tipo de situação aumente ainda mais com o aumento da temperatura e a chegada do verão.
— A incidência é maior na sexta-feira e sábado, entre 19h e 21h. Os bairros de maior reclamação são o Centro, São Pelegrino e Interlagos. É nesse sentido que temos ampliado nossas ações. São operações que duram mais de 24 horas para tranquilizar comércio e também dissipar este tipo de ocorrência. Estamos verificando alguns ajustes também, pois é comum ampliar este tipo de ocorrências conforme os dias ficam mais quentes — afirma o major Márcio Leandro da Silva.
A preocupação também é da fiscalização da SMU. O diretor Lazzarotto aponta que as pessoas estão "flexibilizando" as prevenções contra o coronavírus por conta própria e os movimentos nos finais de semana estão cada vez maiores. A prefeitura ressalta que a pandemia não acabou e que os decretos continuam em vigor.
— Estamos trabalhando com força-tarefa, principalmente nos sábados quando há mais aglomerações em postos de combustíveis e parques. Atuamos em comboio que é para ser visto e a informação se dissipar. Nos primeiros locais que vamos encontramos mais pessoas, nos outros elas já foram embora. Com a informação se espalhando, estas pessoas deixam também os locais que não conseguiríamos fiscalizar, pois a demanda está muito grande — lamenta Lazzarotto.
Sobre o mercado da Avenida São Leopoldo, a BM responde este não é um alvo tão recorrente de denúncias. No entanto, sabem que lá funciona um ponto de venda de bebida alcoólica e que não existe estacionamento. O síndico do prédio relata que imprudências de trânsito são uma rotina perigosa.
— Eles estacionam de qualquer jeito, interrompem as garagens e fazem manobras perigosas. Em algum momento irá acontecer um atropelamento. E tudo acontece em função deste mercado que fica vendendo bebidas. Semana passada tinha mais de 50 pessoas aglomeradas nas ruas. Os moradores estão comendo o pão que o diabo amassou.
A reportagem não conseguiu contato com representantes do mercado apontado como foco das confusões.
Patrulha do Barulho atua em Farroupilha, Flores da Cunha e São Marcos
A sensação de que as pessoas cansaram da pandemia e estão "flexibilizando" as regras por conta própria também é visto em outros municípios da região. O 36º Batalhão de Polícia Militar (36º BPM) optou por criar a Patrulha do Barulho para fiscalizar locais recorrentes de aglomerações e perturbação do sossego.
— Em Caxias do Sul existe uma força-tarefa, mas nos municípios menores as prefeituras não têm guardas e fiscais disponíveis. Então, nós da BM, dentro das nossas limitações, fazemos o que podemos. O foco principal é o coronavírus e as aglomerações. Mas, em consequência, também acontecem autuações de trânsito, perturbação do sossego e registros de posse de maconha — afirma major Juliano Amaral.
A operação deste final de semana resultou em 605 pessoas abordadas, 96 estabelecimentos vistoriados, 75 veículos autuados e sete termos circunstanciados expedidos nos seis municípios da área do 36º BPM, que tem sede em Farroupilha. O major Amaral acredita que a aglomeração de jovens causa mais transtornos em municípios menos populosos.
— O problema é a restrição nas casas noturnas, que era onde estes grupos jovens frequentavam (nos finais de semana). Sem nada funcionando, eles escolhem algum local e marcam o encontro. São cinco carros e umas 30 pessoas, geralmente. Por vezes, eles até buscam locais mais isolados, só que o som ecoa. É a noite, estas cidades são pequenas e silenciosas, o som se dissipa e chegam as reclamações no 190 — afirma o comandante do 36º BPM.
Nestes locais, além da música, os jovens ficam fumando e bebendo. Ou seja, não são utilizadas as máscaras de prevenção nem respeitado o distanciamento. A BM costuma abordar dois carros, enquanto os demais acabam indo embora por conta própria.
— Nosso intuito é fiscalizar e orientar, para reduzir o problema. Por isso que informamos com antecedência que estas operações irão acontecer e estão acontecendo todos os finais de semana. Por mais que as pessoas tem flexibilizado por conta contra o coronavírus, os decretos ainda estão em vigor e as regras estão definidas. Estamos bem embasados para atuar — ressalta o major Amaral.
Além de Farroupilha, o 36º BPM é responsável por Flores da Cunha, São Marcos, Antônio Prado, Nova Pádua e Nova Roma do Sul. A atuação ainda conta com uma base móvel que é destinada para as proximidades do Santuário de Caravaggio, ponto recorrente de denúncias sobre badernas e perturbação do sossego.