O confronto que deixou seis mortos na RS-122, em Caxias do Sul, é mais um exemplo do intercâmbio de criminosos praticado pelo crime organizado. Dos seis envolvidos, quatro eram da Região Metropolitana. Lideranças policiais apontam que o "empréstimo" de criminosos para ataques a pontos de drogas rivais e homicídios é utilizado pelas facções para dificultar reconhecimentos e investigações. O intercâmbio só é possível graças ao crescimento das organizações criminosas por todo o Estado.
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Neste cenário, há dois nomes de facções que se tornaram uma grife entre a bandidagem. A primeira tem origem no Vale do Sinos e criou ramificações em Caxias do Sul em 2015. A outra é porto-alegrense e subiu à Serra no ano seguinte. Para vender suas drogas na região, essas facções "promovem" lideranças locais e oferecem o seu nome, apoio logístico e o acesso a armas.
Como as franquias regionais estabelecidas pelo Estado, as facções passaram adotar o intercâmbio de criminosos. Um grupo armado vai até outra cidade, cumpre as ordens e depois volta para sua base.
— Demonstra o quão abrangente é a atuação das facções, o que não fica restrito por cidades. Hoje eles têm atuação em praticamente em todo o Estado. Temos notado esta utilização de integrantes da facção que residem em outras cidades. É para dificultar as investigações, o reconhecimento (dos suspeitos). Vem alguém de fora, que ninguém conhece, nem mesmo os próprios criminosos daqui de Caxias — aponta o delegado Ives Trindade, da Delegacia de Homicídios.
A situação ficou evidenciada no confronto do amanhecer de quarta-feira (14). O veículo utilizado é um Voyage branco alugado em São Leopoldo. O automóvel foi conduzido por um criminoso que veio até a Serra e se reuniu os outros cinco atiradores em Farroupilha. A missão era ir até o bairro Pioneiro, em Caxias, durante a madrugada e tomar um ponto de drogas rival.
O plano só não contava que a Brigada Militar estivesse preparada. O Batalhão de Choque estava atento e perseguiu o bando de atiradores logo na saída do bairro, pela Rota do Sol. Cerca de seis quilômetros depois, aconteceu a troca de tiros e seis criminosos tombaram.
Na manhã desta quinta-feira (15), o Instituto-Geral de Perícias (IGP) identificou o último morto: Sergio Mendes de Oliveira Junior, 35 anos, natural de Viamão. Além dele, outros três criminosos eram da Região Metropolitana: dois de Porto Alegre e um de São Leopoldo. Completavam o bando um ex-taxista de 36 anos de Caxias do Sul e um adolescente de 15 anos natural de Farroupilha.
— Já tivemos outras situações (de ocorrências com criminosos de fora), é algo cíclico, e que fica mais comum nestes momentos de pico de homicídios. Mas é difícil mensurar o quanto isso influencia na nossa criminalidade. Até porque Caxias também exporta muitos criminosos, com o maior exemplo sendo nos roubos a banco — avalia o major Diego Soccol, comandante do Batalhão de Choque na Serra.
Outros três confrontos aconteceram em movimentações de faccionados
Pelo menos outras três ocorrências deste ano evidenciam o intercâmbio criminoso. A primeira aconteceu no dia 23 de abril, quando Pedro Henrique Bruning, 20, foi assassinado a tiros dentro de uma casa no bairro Vila Ipê. Nas buscas, policiais militares localizaram um Scenic suspeito e houve perseguição pela RS-122 até Farroupilha. A ação terminou em confronto no bairro Industrial, onde João Eduardo Crestane Morais, 18, tombou.
Na ocasião, outros dois jovens, de 17 e 19 anos, foram presos em flagrante e dois suspeitos conseguiram fugir por um matagal próximo. Nenhum policial militar foi ferido no confronto.
Um mês depois, uma sequência de tiros e prisões entre os bairros Serrano e Santo Antônio apontou um novo conflito entre grupos criminosos pelo controle de venda de drogas. O ponto de referência era o Beco da Filomena, há anos conhecido pelo narcotráfico. Em um espaço de 14 horas, foram registradas uma tentativa de homicídio em uma padaria, seis prisões e um confronto com agentes do Batalhão de Choque que terminou com dois mortos.
Na ocasião, os dois mortos eram de fora da Serra. João Paulo Barbosa Felicidade, 22, morava em Porto Alegre e estava foragido da Justiça. O outro era o adolescente Teilor Rodrigues, 16, natural de Torres, mas com certidão de nascimento feita em Passo de Torres (SC).
O terceiro exemplo do intercâmbio do crime aconteceu no bairro Euzébio Beltrão de Queiroz, em junho. Na ocasião, a BM recebeu denúncias sobre cinco homens armados que estavam intimidando moradores. Segundo as informações, o bando não era conhecido da região e estariam no Beco do Cantão para proteger pontos de venda de drogas. Na semana anterior, o bairro havia registrado quatro homicídios com indícios de disputa entre facções.
Diante dos relato, a BM reforçou o policiamento naquela região. Foi em uma destas incursões a pé dos PMs que aconteceu um confronto na noite de 4 de junho. Dois suspeitos tombaram: Bruno de Oliveira França, 21, natural de Caxias do Sul, e Alisson Bortolini Ferreira da Silva, 17, natural de Soledade, no Norte do Estado.
— É muito cedo (para falar em mudança no cenário). As facções nos parecem regionalizadas, mas se ajudam, praticam esse intercâmbio. Geralmente, eles vêm de Porto Alegre, São Leopoldo, Novo Hamburgo, cidades onde a criminalidade é bem acentuada. (A investigação) fica mais dificultada, mas temos meios para esclarecer estes fatos. Temos por missão enfrentar esta adversidade — analisa o delegado Trindade.
O major Soccol ressalta que, apesar de acentuada neste ano, esse tipo de movimentação criminosa não chega a ser novidade e que já foi combatida com êxitos pelas forças policiais em outros momentos. O oficial lembra de uma invasão no bairro Jardelino Ramos em 2018.
Na ocasião, pelo menos 15 homens armados com metralhadoras, fuzis e escopetas entraram no bairro e fizeram uma espécie de varredura. Os moradores que estavam pelas ruas foram colocados contra a parede ou contra o chão para serem revistados. Quem entrava no bairro de carro era obrigado a parar e se identificar para os bandidos. O grupo permaneceu no bairro da noite de sábado até a terça-feira.
O bando seria de uma facção da Região Metropolitana que buscava um traficante rival, que não foi encontrado. Contudo, uma mensagem foi deixada. Os bandidos passaram em pontos de tráficos já conhecidos para informar que as comunidades agora tinham uma liderança e todos deviam se aliar à facção.