Nos bastidores da Secretaria Estadual de Segurança Pública (SSP), o comentário é de que 90% das dificuldades enfrentadas na atual crise são provenientes da falência sistema penitenciário. O colapso é atribuído a uma omissão histórica dos governantes gaúchos e a uma velha demagogia de que se deveria construir escolas e não presídios — quando uma obra não impede a outra, pois são setores com orçamentos diferentes. Para o professor de Direito Penal e Processual Penal da Universidade de Caxias do Sul (UCS), Edson Dinon Marques, essa crise é proveniente da lei mais desrespeitada do país.
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Sancionada em 1984, a Lei de Execuções Penais (LEP) tem por objetivo efetivar o cumprimento da sentença e proporcionar condições para que o condenado seja reinserido na sociedade. Na opinião de Marques, a falha do Estado com suas obrigações corrompeu o sistema e criou esse "prende e solta" que só aumenta a violência nas ruas.
— É uma lei importante e boa em sua descrição, que cita as condições adequadas para possibilidade de reinserção social. Como iremos reeducar um sujeito que não tem aula, se alimenta mal e dorme em espaço reduzido? A educação é para o crime porque o estado de necessidade faz com que (a pessoa presa) se afilie a uma ou outra facção. É uma questão de sobrevivência, não de escolha. Os juízes sabem disso — analisa Marques.
O advogado Jean Carbonera, presidente do Conselho da Comunidade de Caxias do Sul, ressalta que garantir o cumprimento da LEP é um dever dos magistrados da VEC e, desta forma, um juiz pode ser responsabilizado caso ignore uma irregularidade. No entanto, ele ressalta que não são os direitos dos presos que estão motivando as interdições.
— A primeira norma da Engenharia Prisional é a segurança. Essa também é a preocupação da Promotoria, da Defensoria Pública e dos juízes da Execução Criminal. Não é por questões humanitárias, apenas, que estão saindo as interdições. No momento em que estouram rebeliões ou ocorrem fugas, a sociedade é prejudicada. São decisões pensadas na coletividade, que fica em risco por conta de uma estrutura que não pode sustentar um número muito maior do que o previsto — comenta Carbonera.
Apesar de se mostrar interessada em resolver o colapso prisional gaúcho, a SSP não sabe como solucionar a falta de vagas. Em seu último ano de mandato, o governo de José Ivo Sartori (PMDB) sequer apresentou um estudo ou planejamento para longo prazo para a Serra, com exceção da obra em Bento Gonçalves, que já era um projeto antigo, e a abertura de uma nova cadeia em Caxias do Sul, ainda sem prazo de construção. No final das contas, o debate continua a esbarrar nas mesmas questões: construir presídios é caro e não tem apoio popular. Na visão do professor Marques, os juízes estão tomando as atitudes possíveis para compelir o Estado a solucionar o problema "em vista da inércia ou de políticas públicas de pouca qualidade".
— O sistema prisional como está é ineficiente e ineficaz para o objetivo de recuperação do apenado. (Os presídios) são barris de pólvora prestes a explodir. Há uma dramaticidade muito grande. Se um sujeito passar 10 anos em um ambiente insalubre, com uma alimentação estragada e sem lugar para dormir, ele vai querer se vingar daquela sociedade que o colocou naquelas condições. Quem se fortalece são essas quadrilhas que comandam o crime — complementa o docente.
O QUE DIZ A SSP
Questionada, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) enviou respostas, por meio da assessoria de comunicação, sobre a crise prisional na Serra:
Pioneiro: O que está sendo feito para solucionar o problema das interdições de casas prisionais? Na Serra, cinco das nove casas estão interditadas.
A 7ª Delegacia Penitenciária Regional (DPR) está gerenciando, com a Vara de Execuções Criminais (VEC) de Caxias do Sul, o aumento no teto para entrada de apenados nas casas prisionais das regiões. Além disso, a Susepe trabalha diuturnamente na transferência de presos sem condenação para que seja propiciada a abertura de vagas nas unidades da região. O Departamento de Engenharia Prisional da Susepe está avaliando a elaboração de projetos para ampliações e adequações nos espaços existentes das casas prisionais da Serra. A Susepe intensificou, ainda, a busca de ampliar a oferta de trabalho prisional e educação para gerar remissões de penas aos detentos.
Há alguma ação sendo planejada contra o colapso prisional na Serra?
Sim, com elaboração de projetos com a Engenharia Prisional para ampliação das casas já existentes e para a construção de novos presídios, como os novos presídios de Caxias do Sul e de Bento Gonçalves, por exemplo.
Qual o planejamento para criação de mais vagas em Vacaria?
Existem duas alternativas sendo analisadas para a situação prisional de Vacaria: ampliação e reforma do atual presídio ou a construção de um novo. Os projetos arquitetônicos, orçamentários e estruturais para a reforma estão em andamento e a previsão é que em agosto sejam concluídos. A partir daí, será analisada a alternativa mais viável. O documento está sendo elaborado pela força-tarefa de engenharia prisional da SSP, que envolve diversos órgãos estaduais. A força-tarefa foi criada pelo governo do Estado com o intuito de agilizar projetos de construção, reforma e ampliação de presídios no RS. É importante frisar que o secretário Cezar Schirmer tem mantido frequente contato com o promotor de Vacaria e, recentemente, recebeu uma comitiva do município para discutir o assunto.