Na primeira quinzena de abril, a Serra esteve muito perto de ter presos mantidos em delegacias por falta de vagas no sistema penitenciário. A situação, definida como catastrófica por delegados da Polícia Civil, foi protelada com a anulação da interdição da Penitenciária Estadual de Caxias do Sul e a ampliação do limite de detentos estabelecido em ordem judicial para o Presídio Estadual de Vacaria. Apontadas como último recurso, as interdições são cada vez mais decididas pelos magistrados. Na Serra, cinco das nove casas prisionais possuem limitações judiciais.
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Para entender a nova postura dos juízes das Varas de Execuções Criminais (VEC), é preciso lembrar que a superlotação carcerária é um problema antigo. Em 2012, todas as nove cadeias da Serra já abrigavam mais detentos do que o número de vagas que disponibilizam por sua engenharia. Cinco anos depois, a população carcerária da região cresceu 45% e nenhuma vaga foi criada. São 2.762 apenados mantidos em um espaço construído para 1.204 pessoas. Há 1.558 presos a mais do que a capacidade original.
A superlotação crescente poderia ser motivo suficiente, mas não foi o principal fator para a nova postura dos magistrados. A mudança vem da resolução 05 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, órgão do Ministério da Justiça que, em 25 de novembro de 2016, estabeleceu critérios diante do colapso prisional no país. Entre as recomendações, o indicador de 137,5%, como linha de corte para controle da superlotação — ou seja, cada cadeia poderia ter pouco mais de um terço de detentos acima da capacidade de engenharia.
— Era um índice que não havia e se tornou um norte para os juízes ficarem mais atentos. Pouco tempo depois, em janeiro do ano passado, ocorreram vários motins. No Rio Grande do Sul houveram mortes, mas em outros Estados foi vista uma violência maior. (Aqueles episódios) indicaram que a situação estava muito complicada e que os juízes não poderiam mais permitir — aponta a juíza Milene Rodrigues Fróes Dal Bó, de Caxias do Sul.
O índice de 137,5% não é uma lei e, assim, está longe de ser uma realidade. A casa prisional com menor taxa de ocupação da Serra é o Presídio Regional de Caxias do Sul, com 163%, justamente porque está em vigor uma decisão judicial estabelecendo um número máximo de presos recolhidos. A cadeia com a maior ocupação (346%) é a de Vacaria, que possui 236 detentos acima das 96 vagas oferecidas.
— (Interditar uma casa prisional) é a decisão mais difícil para o magistrado desta área, pois ele vivencia a realidade do presídio, mas também sabe da ilegalidade de presos ficarem em delegacias ou viaturas. É uma situação até mais degradante (para a pessoa) do que ficar em um presídio superlotado. O juiz tem que ponderar os fatos e escolher o menos pior — pondera o juiz Alexandre de Souza Costa Pacheco, da Corregedoria-Geral da Justiça.
A comparação do cenário menos pior foi o principal debate em Vacaria. Na opinião dos representantes da Polícia Civil e do Ministério Público (MP), a interdição não atenderia seu propósito e traria uma situação de caos para a segurança pública. Um dos principais receios é que o efetivo reduzido da polícia na cidade não conseguiria manter o trabalho nas ruas se tivesse que manter presos em delegacias e viaturas. O pedido de reconsideração apresentado pelo promotor Rodrigo Sander levou a magistrada Greice Prataviera Grazziotin a ampliar o número máximo de presos permitidos na casa prisional, de 250 para 330 detentos.
— O problema é muito grande e é muito parecido em todas as comarcas da nossa região. Só que a interdição não cumpre o que se propõe. Não resolve a situação degradante dos presos. A consequência número um é o apenado ir para outro estabelecimento, que terá condições similares e o agravante do apenado perder o vínculo com a família; a número dois é ficar em celas de delegacias, que oferecem condições ainda piores; e a número três seria pararem de ser feitas prisões, como foi a resposta imediata de Bom Jesus, e todo um impacto para a segurança pública — lista o promotor de Vacaria, que menciona a decisão da juíza Uda Roberta Doederlein Schwartz que suspendeu a expedição e cumprimento de mandados de prisão.
A determinação da magistrada de Bom Jesus tinha por objetivo buscar respostas diante da falta de um presídio referência para enviar os novos presos da cidade e teve seu efeito suspenso com a liberação da cadeia de Vacaria. Apesar de não ter tido efeitos práticos, a ordem judicial trouxe a tona o maior medo da população diante da crise: que a falta de vagas beneficie criminosos e amplie a sensação de impunidade.
— O juiz está sabendo que a decisão (de interdição) que está tomando não é boa. É necessária e imprescindível (a interdição), mas as consequências não são agradáveis — admite a juíza Milene.
— É uma decisão muito dramática e tem que ser o último recurso de um juiz, quando todas tentativas de conversas com o Executivo falharam. Ou seja, só ocorre quando o Executivo se omite. Sabemos que o Estado passa por uma grave crise financeira e não terá condições de resolver todos os problemas, mas alguns podem ser minorados — conclui o juiz-corregedor Pacheco.