O último debate virtual da série As Crises que Venci, promovido pelo Pioneiro e Gaúcha Serra, com patrocínio da rede de ensino Caminho do Saber, foi realizado na quinta-feira. Foi uma verdadeira aula prática, assim como foi o primeiro encontro e foram também as 17 entrevistas feitas ao longo dos últimos meses com empresários que são referências em seus segmentos.
Quando surgiu a ideia da série, no final de março, a situação era ainda mais nebulosa. Tanto que os números mostram que o mês de abril, com a paralisação maior das empresas, foi o de pior desempenho. Como naquele momento era muito difícil olhar para frente, a intenção foi justamente olhar para trás, ver o que aprendemos e que poderia auxiliar.
Mas, no último encontro, ganharam mais destaque o presente e o futuro de um dos segmentos que mais são termômetro da economia, o de transportes. Mauro Bellini, presidente do Conselho de Administração da Marcopolo; David Randon, presidente do Conselho de Administração das Empresas Randon; Francisco Gomes Neto, presidente da Embraer; e Antonio Prataviera Calcagnotto, diretor de Assuntos Institucionais, Governamentais e de Sustentabilidade da Audi do Brasil acreditam que o pior momento da crise já passou. A série termina com os empresários desejando que no próximo encontro o assunto não seja crise e que possa ocorrer de forma presencial.
A seguir, confira trechos sobre o momento atual e a expectativa de retomada de acordo com cada segmento.
David Randon
"Não sei dizer se hoje a crise da covid é a pior, porque prejudicou muito alguns setores, mas para outros até melhorou, como no agronegócio."
"Do início para cá, o mercado está voltando em V (queda brusca, recuperação rápida), o que nos surpreendeu bastante. Estamos hoje melhores do que no início de março. Estamos com a fábrica a 80% ou mais de capacidade, e vendas até o final do ano. A expectativa é boa para este ano, mas sem descuidar da proteção das pessoas."
"Mudou muito forte o nosso processo de trabalho. Para quem era acostumado a sentar e conversar ao vivo, hoje é estranho. Só na parte de backoffice, são mil pessoas fora da empresa trabalhando em home office. Em termos de produtividade, está indo muito bem."
"Nós nos unimos e ajudamos hospitais com respiradores, chegamos a fazer até componentes. Uma parceria com Embraer, Marcopolo e Randon para baratear custos, porque se importava tudo da China. Além de ajudar vidas, ajudou as empresas a poder trabalhar."
"A venda do carro é mais para o lado do coração. Carreta e semirreboque são bens de capital. Na hora da compra, olham mais os números, a produtividade, e o trabalho é diferente do cliente. Mas sentimos que o ano que vem vai ser o ano da grande mudança para nós. Esse ano já tem uma boa performance e a tendência é crescer."
"A covid reforçou nossas convicções. Achávamos que ia demorar para trabalhar startups e novos projetos. Hoje, as empresas internamente estão evoluindo tão forte que vamos estar preparados em novas tecnologias. Hoje temos quase 40 startups trabalhando conosco".
Mauro Bellini
"Lá no começo desta crise, não se sabia o tempo de duração. Falávamos em durar três meses, e não aconteceu isso. Acho que essa é uma das crises profundas, mas a extensão ainda não se sabe. Aparentemente, estamos saindo em forma do símbolo da Nike, mas é setorial."
"Isso que a Marcopolo fez, de desenvolver soluções de biossegurança, é algo que já estava no radar, mas não nesse período de tempo de desenvolvimento. Um projeto assim levaria dois a três anos para amadurecer. Aí a Marcopolo apressou a estrutura que já tinha e entrou no modo startup, de fazer mais rápido. O mês virou semana, a semana virou dia, e o dia virou hora."
"Por mais que se faça teste drive virtual, a pessoa quer o físico, quer ver e sentir."
"No início, estava empolgado com o choque de produtividade com as tecnologias, mas a reflexão de agora é: será que esse tempo passando de live, participando de reuniões virtuais, não vai fazer a inovação diminuir porque não tem mais o encontro casual?"
"Foi uma operação de guerra na época para conseguir respiradores. Era negociar com chinês, que pedia pagamento adiantado, competindo contra o mundo todo para conseguir. Mas, no final, conseguimos trazer esses respiradores, o que ajudou muito no combate à covid".
"No setor de transporte coletivo, o fundo do poço foi em abril. A partir de lá, os números têm melhorado. O que está acontecendo é um aumento gradativo de passageiros. No começo, tinham a ideia que entrava no ônibus e era uma bomba de covid. Hoje já tem estudos que mostram que não. A partir (do momento) que esse conhecimento se dissemina, aumenta a utilização, a necessidade de ônibus, e nós saímos cada vez mais da crise."
Antonio Prataviera Calcagnotto
"Acho que só quem viveu a gripe espanhola pode saber o que é a crise da covid. Vai ficar nos livros de história e a gente ainda vai falar muito disso."
"Eu estava em um setor que estava bombando, que é o setor de alimentos e higiene, com margens altas, e vim para um setor mais apertadinho, o automotivo. Ele vinha recuperando, e 2020 prometia ser o ano que ia decolar, mas veio a covid e tivemos um tombo de 92% no primeiro mês."
" A crise veio para desenvolver esses canais digitais. Fomos uma das três montadoras que lançou carro em plena covid. Nós fizemos o primeiro lançamento digital da Audi no Brasil. Lançamos o e-tron, que é o carro elétrico. Os consumidores já estavam acertando teste drive na casa da pessoas no lançamento. Temos canal digital, dá para fazer vendas pela internet, mas a experiência não vai ser só digital."
"A gente fez campanha reduzindo a praticamente preço de custo a manutenção dos carros dos profissionais da saúde. Conseguimos aprovar da Alemanha a doação de monitores para os respiradores. E o processo de compra de uma empresa é mais rápido que no público."
"Eu trabalho em uma multinacional, mas dessa vez não dá para pedir socorro para a matriz."
"As pessoas vão querer o transporte mais privado, mas a gente não sabe quando volta ao normal. Tem cientistas falando que só em 2022 vamos conseguir efetivamente imunizar as pessoas. Por outro lado, a produtividade melhorou bastante. Nossa pegada é preparar a retomada mesmo que a gente não saiba quando ela vem, mas também acredito na recuperação da crise imitando o V da Nike, que vai lá para frente, mas também esperamos que seja antes."
Francisco Gomes Neto
"Toda crise quando começa a gente sabe que vai acabar. Não sabe a extensão e a profundidade. Esse que é o desafio. Você vai aprendendo isso ao longo da crise".
"Veio essa crise da covid que, para mim, de longe, é a pior de todas. É uma crise sanitária com consequências gravíssimas para a economia. Tivemos que aprender a trabalhar sem sair de casa e o que fazer com as fábricas. Na Embraer não teve incêndio (como ocorreu em 2017 na Marcopolo quando era CEO), mas veio a Boeing que cancelou uma parceria que estava toda montada."
"A aviação sentiu muito o impacto da covid. No comercial, mais de 85% das viagens aéreas foram canceladas e não tem uma perspectiva de retomar a curto prazo em níveis anteriores, talvez nem em 2022."
"Estamos focando em construir uma empresa mais enxuta, ágil, eficiente e competitiva. Na retomada do mercado, a aviação regional virá primeiro. Nos Estados Unidos, nos voos domésticos, dos cinco aviões mais utilizados, os E-Jets Embraer estão em segundo lugar. Então, temos uma oportunidade de sair na frente."
"Não vai ser rápido. Mas a aviação comercial não imagino que antes de 2023 retomem os níveis de 2019. Na aviação executiva, no final do ano, devemos chegar quase aos níveis pré-covid".
"A gente não vende avião, mas já conseguimos fazer inspeção de avião comercial pela internet, utilizando drone para um inspetor olhar detalhes da asa, fuselagem e até entrar no avião, inspecionando remotamente."