O tom bege da parede era a única paisagem contemplada durante 24 horas seguidas por Terezinha de Fátima Xavier, 66 anos, semana passada. Presa a uma poltrona na observação do pronto-socorro do Hospital Pompéia, em Caxias do Sul, ela aguardava pelo direito de deitar em uma cama e prosseguir com o tratamento de uma doença que ainda não havia sido diagnosticada. Era impactante ver a mulher enfraquecida aguardando há muito tempo num local que deveria ser apenas de breve passagem.
Permanecer dois ou três dias a fio sentado, sem ter como trocar de posição, é mais do que angustiante para alguém combalido, mas acomodar pacientes em poltronas por absoluta falta de leitos no Sistema Único de Saúde (SUS) é tão comum que chega a soar como normal inclusive para os próprios doentes. Terezinha e centenas de usuários do SUS são reféns da frequente lotação em qualquer dia do ano e da superlotação hospitalar no auge do inverno. Com água no pulmão, fraqueza e perda de peso, a mulher entrou na observação do Pompéia na tarde de segunda-feira (15) e só deixou a cadeira na quarta-feira (17), quando foi submetida a uma cirurgia, segundo o hospital. Era desconfortável, mas pior seria ficar sem a assistência.
– Não foi uma noite muito boa, a gente fica sentado. Enquanto não dói as costas, tudo bem, mas tem que ter paciência. Só penso em ir para uma ama – contou à reportagem, na tarde da terça-feira (16).
Neste ano,a rede está operando no limite em parte pelo fechamento do Postão para reformas, mas também por força das doenças sazonais e da migração de pessoas dos planos privados para a rede pública. Há outro agravante: apesar do crescimento de vagas nos últimos anos, a oferta nos seis hospitais é insuficiente para atender com folga os 500 mil habitantes e outras centenas de moradores de cidades da região que buscam socorro em Caxias.
No caso do SUS, é um sistema que opera no limite e fica difícil saber como o setor lidaria diante de uma pandemia como a da gripe A de 2009. A dificuldade de acesso a um leito não é exclusividade da saúde pública, conforme constatou a reportagem.A ocupação chega a alcançar 100% em alguns dias em unidades particulares.
Teste de resistência
Na ala onde a Terezinha testava sua resistência, outros pacientes também recebiam atendimento. No final do corredor da observação, cinco pessoas, entre doentes e seus acompanhantes, lotavam uma salinha que não media mais do que três metros de comprimento por dois metros de largura, espaço que não comportaria um Fusca, por exemplo.Entre os dois pacientes acomodados em duas poltronas reclináveis, havia uma mulher de 72 anos com a coluna fraturada durante uma queda no domingo (15). Ela seria submetida a uma cirurgia na tarde de terça-feira (16). Ao lado, outro paciente também esperava por um leito. Maria Veronica Vargas, uma das acompanhantes, prefere não relacionar a situação à estrutura mantida pelo hospital.
– É o sistema que deveria dar apoio para receber pacientes. Não culpo o hospital. Eles nos atendem com sorrisos. Semana passada já estive aqui, vi pessoas chorando – lembrou Maria.
Ao lado da salinha, Lourdes dos Santos Oliveira, 55, conseguia deitar e esticar a perna quando não havia muito movimento no corredor. Ela entrou no hospital com fortes dores na cabeça na segunda (15) e só saiu da poltrona na quinta-feira (18) de tarde, após receber alta, segundo o Pompéia.
– Prefiro ficar sentada do que ir ruim para casa – resignou-se.
A inquietação também afeta a equipe de atendimento. A superintendente administrativa do Pompéia, Daniele Meneguzzi, conta que a área de observação do pronto-socorro já teve 28, 29 pacientes na segunda semana de julho. Na terça-feira (16), eram 15 pessoas sendo assistidas no local.Enfermeira na emergência do hospital, Fernanda Milanez classifica o atual momento da rede em Caxias como complicadíssimo. A área onde atua é para casos graves e deveria estar liberada para dar fluxo, mas na sexta-feira (19) estava lotada. Uma paciente havia entrado no dia 15 e só subiria para um quarto quando houvesse vaga.
– Não se consegue girar os leitos, pacientes ficam três dias na emergência. Semana passada, tínhamos quatro pessoas que poderiam ir para o leito, mas tiveram que ficar aqui em meio a pacientes graves. Uma mulher teve uma melhora e pediu para ir para uma poltrona para contribuir – diz Milanez.
Vagas quase esgotadas
A taxa média de ocupação em julho está sendo considerada alta. No dia 17, os hospitais Geral, Pompéia e Virvi Ramos tiveram 93%, 92% e 91% das vagas ocupadas, respectivamente.
* Conforme a Secretaria da Saúde, considera-se 100% de ocupação porque os cerca de 10% em aberto em cada hospital geralmente são leitos bloqueados para isolamento ou leitos já destinados para pacientes que ainda não entraram.
*Em junho, a taxa de ocupação média era de 81% (Geral), 87% (Pompéia) e 85% (Virvi). Os leitos de observação nos prontos-socorros dos hospitais e na UPA não estão incluídos na conta.