Cidade vitrine da Serra gaúcha, Gramado recebeu no fim de outubro a notícia de que uma empresa investiria R$ 115 milhões no município para a instalação de um aquário com mais de 60 tanques para a exibição de centenas de espécies. Quase simultaneamente, porém, moradores reclamavam da falta de água em diversos pontos do município.
Leia mais
Crianças de quatro anos perdem turno integral em Gramado
Impacto econômico da Festuris Gramado foi de R$ 20 milhões
Eles denunciam que o abastecimento tem sido interrompido diariamente nas primeiras horas da manhã, para retornar somente na madrugada seguinte. Esse é o cenário recorrente na Vila Prinstrop, bairro ao sudoeste do centro da cidade, de acordo com a jornalista Deise Mariani, 58.
— Começou na semana do (feriado) de Finados. Tu levanta de manhã cedo e consegue lavar uma remessa de roupa, e só. Mas minha filha, que trabalha dois turnos, não consegue nem tomar banho — reclama.
A moradora diz que diversos vizinhos entraram em contato com a Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan), concessionária do serviço da cidade nos últimos 15 dias, mas a empresa teria afirmado que não há falta de água na cidade.
Na última semana, relatos semelhantes se intensificaram nas redes sociais.
— Há duas semanas, falta água o dia inteiro. Volta às 2h e às 8h já não tem mais. O pessoal está indignado — relata outra moradora, que não quis se identificar.
A fotógrafa Patrícia Marques Costa, 30, vive no bairro Moura, no norte da cidade. Ela diz que o desabastecimento tem prejudicado a rotina dos moradores.
— Na segunda-feira, trabalhei no sol quente e cheguei em casa às 16h. Fui tomar banho, não tinha água. E, se volta no fim da tarde, não tem pressão para o chuveiro. Meu marido está tomando banho de madrugada, para ir trabalhar às 6h — reclama.
O problema também está afetando os serviços públicos. Durante esta semana, moradores compartilharam fotos e vídeos de escolas tendo de ser abastecidas por caminhões-pipa. Na terça-feira (13), a falta de água foi o principal tópico discutido na sessão do legislativo municipal. Os parlamentares cobraram movimentação política para pressionar a gestão da Corsan, mas moradores criticaram a falta de resolutividade.
O vereador Volnei da Saúde (PP) abriu a sessão dizendo que o gerente local da Corsan, Neocir Jose Zorzo, foi questionado pelos parlamentares, mas ofereceu apenas explicações vagas para o problema. Volnei também afirmou que Gramado vive o período de maior fluxo turístico do ano, com o Natal Luz. Por isso, o tema deveria ser tratado com "extremo cuidado".
— Nós não podemos permitir que o nosso turista leve essa imagem de Gramado. Porque isso vai acabar refletindo em cada um dos nossos moradores. É sabido por todos que Gramado vive o turismo. A dificuldade que cada um vem enfrentando com a falta de água, a gente sabe. Mas, se além da falta de água, a gente tiver o desemprego, a situação vai se agravar cada vez mais — discursou.
A fala caiu mal entre alguns gramadenses, que entenderam a manifestação como sinal de que os turistas têm prioridade ante os nativos da cidade.
— Basicamente, foi falado que ou temos água ou emprego — criticou uma moradora que não quis ser identificada.
— É complicado, temos medo que no mês de dezembro piore — declara a fotógrafa Patrícia Costa.
Procurada pelo Pioneiro, a assessoria de comunicação da prefeitura de Gramado disse que não se manifestaria sobre a situação, já que o serviço é de responsabilidade da Corsan.
Corsan diz que obra resolverá problema de abastecimento
Quem sofre com a falta de água recorrente também questiona a utilidade de um reservatório instalado pela Corsan no dia 28 de setembro, na Aldeia do Papai Noel. O equipamento foi inaugurado em cerimônia com diversos gestores da concessionária e políticos locais. Com investimento de R$ 3,6 milhões e capacidade para armazenar 3 milhões de litros de água, mais de o dobro da capacidade da cidade, a ideia era prevenir o desabastecimento. Não parece ser, porém, o que vem ocorrendo.
Com o intuito de apresentar soluções, representantes da Corsan estiveram na cidade na tarde desta quarta-feira (14) para uma coletiva de imprensa. O gerente local também foi substituído, conforme o diretor de operações da companhia, Eduardo Carvalho, em decisão tomada ainda na segunda-feira (12).
Depois do evento, Carvalho conversou com o Pioneiro. Ele diz que o novo reservatório ainda não está operando na capacidade total porque não está recebendo água suficiente do sistema.
O diretor explica que a água de Gramado vem de São Francisco de Paula até duas estações de tratamento em Canela. Dali, a água potável é distribuída por Gramado. Hoje, o consumo médio da cidade é de 270 milhões de litros d'água por mês, o que, segundo o diretor, é atendido pela infraestrutura atual. O problema, segundo ele, ocorre em horários de pico de consumo.
— Déficit não tem, o volume que é consumido diariamente nós produzimos. O que ocorre, muitas vezes, é que em algum momento do dia, em função de um fluxo maior de pessoas, acabe diminuindo a pressão, provocando a falta em alguns pontos mais altos.
Ele defende, porém, que o desabastecimento não é recorrente.
— No feriado de finados, recebemos 70 reclamações no call center, entre 18h e 20h. Neste último fim de semana também, entre 70 e 80. Estimamos que o dobro de usuários tiveram algum problema, mas são 140 casos num universo de 35 mil clientes, entre Canela e Gramado — aponta.
Situações mais prolongadas, segundo o diretor, poderiam estar relacionada com vazamentos, que ele afirma estarem sendo reparados pela concessionaria, que contratou empresa para verificar as tubulações.
A maior intervenção, no entanto, vai ocorrer semana que vem. No dia 21, quarta-feira, uma tubulação que leva a água de São Francisco até Canela será duplicada. Com a obra, o sistema deve ter mais vazão e o abastecimento deve aumentar em 30% em gramado, impedindo novas situações de falta de água.
— Estamos permanentemente buscando e descobrindo vazamentos para a redução de perdas. Em 10 dias, essa intervenção também dará uma produção maior. Pedimos que as pessoas entendam, estamos com a perspectiva de um futuro melhor sem falta de água ou redução de pressão para os bairros mais altos da cidade.
Durante o dia da obra, o abastecimento será interrompido das 8h às 18h. Depois, o sistema será religado. A melhoria deve ser percebida após sete dias, quando a nova tubulação entrar em operação.
MP pede providências
Relatos de falta de água nos meses de novembro e dezembro não são novidade em Gramado. O problema é histórico, de acordo com Max Guazzelli, da Promotoria de Justiça de Gramado. Em 2017, o promotor moveu ação civil pública contra a Corsan e o município após um inquérito apontar deficiências no serviço de distribuição de água e tratamento de esgoto.
Guazzelli pede o encerramento do contrato de concessão com a companhia ou a adequação do termo ao Plano Municipal de Saneamento, aprovado em dezembro de 2016. O processo tramita na 1ª Vara Judicial da Comarca de Gramado, mas o promotor já conseguiu liminar exigindo a substituição de tubulações com vazamento pela Corsan.
— Na ação, colocamos que crescia 8% ao ano a demanda por água em Gramado, a maior do Estado. As informações que temos é de que em torno de 36% da água tratada se perde no subsolo. É um índice altíssimo — aponta.
O promotor diz que a companhia não apresentou cronograma ou planos para resolver o problema. Por isso, no final de outubro, ele solicitou que a Corsan fosse intimada a se manifestar, sob pena de multa diária de R$ 20 mil. O prazo começou a contar no dia 5 de novembro. Fora do âmbito judicial, ele diz reconhecer o esforço da direção atual da empresa, mas lamenta que as ações sempre tardem a aparecer.
— Na ação, já pedimos um aumento na capacidade de reservação da água, o que a Corsan acabou fazendo só agora, em época de Natal Luz. Também pedimos em liminar uma nova adutora entre Gramado e Canela, o que o Tribunal (de Justiça) derrubou em segunda instancia. Mas a Corsan sabe que vai ter que fazer, sob pena de que nos próximos anos o problema seja agravado — projeta.
Agora, ele diz que o papel do Ministério Público é aguardar o resultado das medidas anunciadas. Por enquanto, o promotor orienta que os consumidores que tenham problemas entrem em contato com a prefeitura de Gramado, por meio do Fala Cidadão, já que o município é o fiscalizador primário da Corsan.
— Há relatos de frustração com o 0800 da Corsan, mas o Fala Cidadão tem se mostrado meio mais eficiente. Inclusive, é maneira de dar informação para que o município cobre a eficiência do serviço — defende.