Terminado o prazo para a desocupação do loteamento Vila Verde II, em Caxias, as 56 famílias que vivem ali buscam negociar a permanência na área com os proprietários do terreno invadido. Na última quinta-feira, encaminharam uma proposta de compra da área ao Ministério Público (MP), que anexou o documento ao processo de reintegração de posse.
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O advogado Claudio Fichtner, que representa os donos da área, porém, já havia afirmado ao Pioneiro que o prazo para negociação terminou e não há interesse na venda aos invasores. Procurado pela reportagem, ele diz que ainda não foi informado oficialmente da nova proposta, mas adianta que a posição dos proprietários se mantém.
— Entendo que não há interesse. Mesmo se esse fosse o caso (negociar), isso deveria ter sido posto antes dessa fase. Vamos dar cumprimento à decisão de reintegração de posse — adianta.
Fichtner declara que não contestou as prorrogações de prazo para desocupação que foram concedidas pela Justiça e, terminado o período, buscará o cumprimento da decisão.
— A gente tem o conhecimento de que alguns invasores permanecem e até de que há outras pessoas invadindo. Amanhã (nesta quarta-feira), vamos comunicar à juíza de que o terreno não foi desocupado integralmente para a execução (da reintegração).
"É importante essas comunidades se conscientizem", diz MP
Os depoimentos dos moradores do Vila Verde II são tão similares que se confundem. A justificativa para a invasão também é sempre a mesma: fugir de um aluguel que se torna impagável. Entre a parcela da população que não tem acesso à moradia, a invasão de terrenos parece ser uma alternativa sempre presente.
Para Adrio Gelatti, promotor do MP que acompanhou a situação, porém, o desfecho do loteamento serve de alerta a outras comunidades irregulares. Ele elogia a tentativa de negociação dos moradores, mas acredita que faltou articulação durante o processo.
— Nós chegamos a contatar os proprietários, mas pelo visto não houve interesse em participar de uma reunião. Os moradores apresentaram uma proposta de compra bem concreta, com valores, parcelamento, forma de pagamento. Vamos aguardar agora que o judiciário intime os autores da ação com essa proposta de aquisição. Claro que eles (os moradores) deixaram para fazer essa movimentação quando já passou todo o momento de negociação. Então, tem o risco, sim, de eles serem retirados.
Gelatti acredita que é necessário perder a crença de que, uma vez ocupado, um terreno invadido não pode ser desocupado.
— Nas reintegrações, na verdade, o momento de negociação se perde em razão daquele pensamento de que não vai acontecer, de que não vão o conseguir retirar as pessoas. É importante que essas comunidades que estão em área de terceiros se conscientizem de que realmente podem ser retiradas. Que os discursos de combate, e não de negociação, acabam iludindo e prejudicando as pessoas — alerta.
ENTENDA O CASO
:: A ocupação do Vila Verde II começou entre 2008 e 2009. Os primeiros invasores abriram um prolongamento da Rua Francisco Boniati, do bairro Planalto, e começaram a desmatar a área.
:: Em uma segunda leva, novas famílias ocuparam a área próxima ao Motel Samuray, acessada pela BR-116, e prolongaram a Rua João Pedro Fedrizzi.
:: Em maio de 2009, os proprietários ingressaram com ação na Justiça para a retirada dos invasores. Na época, 34 casas foram contabilizadas.
:: Houve decisão para a retirada dos invasores, mas os proprietários teriam que auxiliar na mudança. Eles alegaram que não tinham recursos para isso.
:: Em 2013, os moradores foram novamente notificados, em ação que identificou cerca de 120 famílias.
:: Após a decisão pela reintegração em primeira instância, o processo foi para o TJ e retornou para cumprimento da decisão no final de 2017. O prazo foi adiado duas vezes neste ano.
:: De janeiro para cá, cerca de 100 famílias deixaram a área. Outras 56, porém, se reorganizaram em cooperativa e querem comprar o terreno.
:: Por se tratar de área privada, a prefeitura nunca interferiu na disputa. Em março, no entanto, organizou um mutirão para identificar se os moradores poderiam ter acesso a benefícios assistenciais.
:: Cinquenta e uma famílias já possuíam cadastro no CRAS Sudeste, conforme Heloísa Teles, diretora de Proteção Social Básica da Fundação de Assistência Social (FAS).
:: Das 53 famílias que participaram do mutirão, 23 foram inseridas no Cadastro Único e 13 receberam atendimento por estar em situação de vulnerabilidade social.
:: Conforme Angelo Barcarolo, diretor da Secretaria Municipal da Habitação, menos de 10% das famílias do loteamento se cadastraram para concorrer a vagas em futuros projetos habitacionais do município. A fila para habitação já tem cerca de 10 mil pessoas em Caxias.
:: Adicionalmente, a prefeitura abriu processos administrativos contra os proprietários da área em decorrência do parcelamento irregular do solo e da supressão da vegetação nativa sem autorização do órgão ambiental, em 2014.
:: No ano passado, os proprietários entraram com uma ação contra o município pedindo a anulação das multas, já que consideram que as irregularidades foram praticadas pelos invasores. O processo tramita na 2ª Vara Cível Especializada em Fazenda Pública de Caxias do Sul.