Terminou nesta terça-feira o prazo para a desocupação voluntária da área conhecida como loteamento Vila Verde II. O terreno privado de três hectares próximo ao bairro Planalto, em Caxias, foi invadido há cerca de 10 anos e chegou a ter 160 famílias residentes.
Desde o início do ano, quando saiu a decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) autorizando a reintegração de posse, cerca de dois terços dos moradores deixaram o local. Cinquenta e seis famílias, porém, ainda têm esperança de permanecer na área. Elas se uniram e encaminharam uma proposta para tentar comprar o terreno dos três proprietários que entraram na Justiça.
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— A gente estava sem pai nem mãe. Mas conseguimos nos reorganizar e fizemos a proposta — afirma Cristian dos Santos, 31 anos, um dos moradores que comandam a nova tentativa.
O metalúrgico desempregado mora no local há cerca de seis anos. Na época, ficou sabendo que a área estava disponível por meio de colegas de trabalho e resolveu apostar na ocupação como alternativa ao aluguel, justifica.
Com o auxilio de algumas entidades, os moradores conseguiram mapear a área e encaminhar a proposta de compra com valores definidos. Após reunião com o Ministério Público (MP), na última quinta-feira, o documento foi incluído nos autos do processo de reintegração. Os proprietários foram convidados a participar, mas não compareceram.
— A gente sabe que já terminou o processo. A prefeitura também não nos auxiliou, então o que resta é tentar negociar — aponta Cristian.
A esperança é que a juíza Cláudia Rosa Brugger, da 4ª Vara Cível de Caxias, notifique os donos a se manifestar sobre a proposição. Ao mesmo tempo, porém, a magistrada pode executar o mandado de reintegração. Nesse caso, um oficial de justiça, provavelmente acompanhado pela Brigada Militar, removeria as famílias do loteamento.
Foi esse o temor que motivou a saída de boa parte dos moradores no decorrer deste ano. Entre eles, o então presidente do bairro, Aparicio Ferreira Leal. Nos últimos meses, ele conseguiu se mudar para um novo espaço com a ajuda do filho, por acreditar que todas as possibilidades de permanência estavam esgotadas.
— Muita gente não tinha para onde ir e saiu às pressas, com a ajuda de parentes. E, como não tinha como ficar com a casa, acabou vendendo tudo por R$ 1 mil, R$ 2 mil — lamenta.
Esperança de retornar à área
Com a dissolução da associação de moradores, começou a circular entre as famílias a informação de que, a qualquer momento, os proprietários poderiam chegar com maquinário para derrubar as casas, sem aviso prévio.
— Todo mundo ficou com medo. Além de não ter um lugar para morar, íamos perder tudo. Muita gente acabou vendendo tudo só para pagar o primeiro mês de aluguel — relata Priscila Fontoura dos Santos, 25.
A agente de atendimento, que estava à frente da busca por alternativas no início do ano, também acabou deixando a residência.
— Eu tirei minhas coisas de casa por esse medo, porque não tinha nenhum órgão público, nada para nos apoiar — lembra.
Priscila explica que a vontade de negociar com os proprietários é antiga, mas nunca foi oficializada por conta de mudanças frequentes na defesa dos moradores. No final do processo, quem representava a maioria das famílias era o advogado da União de Associações de Bairros (UAB).
— A gente já ouviu que não havia mais nada para fazer, nem como anexar nada ao processo. Mas agora estou bem esperançosa, com essa proposta de compra, de que a gente consiga entrar em negociação — projeta a moradora, que está vivendo com parentes e pretende voltar para a casa no loteamento.
Resistência é maior entre moradores mais antigos
Há seis meses, quando o Pioneiro esteve no Vila Verde II, o cenário era de uma vizinhança carente de serviços públicos, mas consolidada. Agora, a via principal do local, prolongamento da João Pedro Fedrizzi, que dá acesso ao Motel Samuray, pela BR-116, parece parte de uma cidade fantasma. Algumas casas resistem, mas convivem com os destroços das outras construções. Até uma cancela improvisada foi posta na entrada do loteamento, para evitar que caminhões subam a via para recolher e vender os materiais deixados ali.
A vista muda, porém, em outra parte da invasão. O loteamento começou mais ao leste por um prolongamento da Rua Francisco Boniati, do bairro Planalto. Ali, estão alguns dos moradores mais antigos, que nem cogitam mudar-se.
— Eu vou para 10 anos morando aqui. Meus filhos se criaram aqui. É um local bastante tranquilo — define o pedreiro Ondino Rodrigues Martin, 54.
— Eu me mudei para Caxias e morei de aluguel três meses, até que dei sorte de essa oportunidade. Fiquei sabendo conversando com algumas pessoas e enfrentei. Mas sabia que era irregular — lembra.
Martin está entre os moradores que buscam a negociação com os proprietários.
— Esperamos alguma solução. Pagar aluguel não está fácil. Não tem serviço. Mas vamos levando, esperando o que vai acontecer — pontua.
Nem os mais antigos residentes, porém, são precisos quanto à origem do loteamento.
— Na época não tinha escada, não tinha nada, era só barranco. E tocos de arvores que já tinham cortado. Diziam que aqui era ou uma sobra de área, ou área verde, mas a maioria do povo que veio primeiro já foi embora — relata Valderez Rotel Messa, 65.
Valderez recebe mensalmente um salário mínimo de Benefício da Prestação Continuada (BPC) e precisa de tratamento com concentrador de oxigênio portátil (POC). Mesmo com a reintegração iminente, ela não acredita que tenha que sair do local.
Enquanto os moradores antigos aguardam para ver qual será o desfecho do loteamento, ainda há gente chegando. Uma mulher que não quis se identificar conta que se estabeleceu com dois filhos para morar no loteamento há menos de um mês.
— Eu não estava na outra invasão, só nessa agora. Acho que faz uma três semanas. Soube por uma prima do meu marido que tinha espaço. E como não tenho casa... Tive de tentar, né? — justifica.