A situação da Residência Finco e do Lanifício Gianella, imóveis tombados de Caxias do Sul, é complicada. Porém, apesar da condição dos imóveis, nem prefeitura nem proprietários estão infringido a lei. Mesmo assim, para Lizia de Zorzi, Mestra em Planejamento Urbano e Regional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e representante do Centro Universitário da Serra Gaúcha (FSG) no Conselho Municipal do Patrimônio Histórico e Cultural de Caxias (Compahc), o poder público não deveria permitir a deterioração de imóveis que já tiveram seu valor oficialmente reconhecido para a sociedade.
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Confira trechos da entrevista com a arquiteta:
Pioneiro: Como vencer o impasse observado nos casos da Residência Finco e do Lanifício Gianella? O poder público pode/deve atuar de outra maneira em situações assim?
Lizia de Zorzi: Mais do que boa vontade, garantir a conservação de um bem tombado é dever do proprietário. Conforme a Lei nº 7. 495, de 19 de outubro de 2012, que dispõe sobre a proteção do Patrimônio Cultural do município de Caxias do Sul, cabe ao proprietário a conservação e/ou restauro do bem imóvel tombado. Se este não o fizer, possuindo condições financeiras para tal, está sujeito penalização, inclusive com multas. Para incentivar esta conservação, o município concede ao proprietário a isenção do IPTU e o Potencial Construtivo. Deste, pelo menos 50% deve ser utilizado na restauração ou conservação do bem tombado.
Quando o proprietário não dispuser de recursos para proceder às obras de conservação e restauração necessárias, ele deve levar ao conhecimento do órgão competente do município a necessidade das obras. Após a constatação desta necessidade e da impossibilidade de o proprietário em arcar com os custos, o município fica autorizado a utilizar os instrumentos relacionados no Plano Diretor para a realização das mesmas. Ainda assim, o município não deveria permitir que estas edificações, cujo valor já é sabido, se deteriorem desta forma, independente de existirem multas ou dívidas. Se há um tombamento, é porque técnicos da área de patrimônio identificaram valor para história e para a cultura da cidade que justifique preservação do bem. Caso o bem venha a se deteriorar e ruir, o prejuízo será para sociedade como um todo, e não apenas o proprietário do imóvel. Aceitar que um bem tombado se acabe é, a meu ver, não reconhecer o real valor dele.
Como você avalia a estrutura montada para proteger o patrimônio histórico em Caxias? Algo deve mudar?
Eu avalio positivamente, apesar de identificar a existência de muitos problemas. Não me dou por satisfeita, nem perto disso, mas reconheço alguns avanços. Vejo que na última década há uma crescente preocupação com o patrimônio histórico da cidade e considero o trabalho do Compahc importante para isso. Também temos na cidade outras iniciativas que contribuem para essa melhora, como o Limpa Caxias, por exemplo, que revelou muito da riqueza da cidade que estava escondida atrás das placas das lojas e outdoors, atraindo um novo olhar para as edificações e para a história contida nelas.
Ainda assim, é evidente o desconhecimento da população, de um modo geral, sobre o valor dos nossos bens, da nossa cultura e da nossa história. Muitas pessoas ainda enxergam como símbolo de progresso a substituição das nossas edificações históricas, repletas de significado, por prédios mais altos e mais modernos. Isso é um equívoco, evidentemente. No Compahc possível observar que a esmagadora maioria dos processos avaliados tratam de pedidos de demolição, sendo raros os casos em que há uma primeira intenção de preservação. Isso chama a atenção para a necessidade mudança. Essa mudança deve começar com a educação patrimonial, também chamada de "alfabetização cultural". É fundamental que a população tenha conhecimento, se aproprie e valorize a sua herança cultural para que haja a preservação sustentável dos seus bens, além do fortalecimento dos sentimentos de identidade e cidadania.
No Compahc, como é o processo que decide se um bem será tombado? Pesam mais critérios objetivos ou subjetivos? Critérios externos, como possíveis dificuldades futuras na preservação do bem, são levados em conta?
Cada processo é documentado e estudado a fundo por dois membros do conselho, um responsável pela análise e outro pela revisão. Ambos emitem os seus pareceres. Nas reuniões do Conselho, o responsável pela análise apresenta o processo, seguido do revisor. Após a apreciação e discussão, é realizada a votação, com a participação de todos os membros presentes. Em alguns casos, quando algum conselheiro acredita que há a necessidade de uma nova análise mais aprofundada, ele pode ainda pedir vista. Neste caso, o processo passa por nova análise e apreciação antes da votação.
Todos eles devem ser levados em conta — tanto os critérios mais objetivos quanto os mais subjetivos. Além do imóvel, propriamente dito, deve sempre ser observado o seu contexto. Há uma série de critérios de salvaguarda adotados pelo Conselho que devem ser considerados em todas as análises: valor arquitetônico; valor tradicional e/ou evocativo; valor ambiental; valor de uso atual; valor de acessibilidade com vistas à reciclagem; valor de conservação; valor de recorrência regional e/ou raridade formal; valor de raridade funcional; valor de risco de desaparecimento; valor de compatibilização com a estrutura urbana; além do valor de antiguidade.
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