"É um absurdo eu, com a minha idade, vir aqui e não conseguir de novo". A frase resume a indignação da aposentada Eroni Machado dos Santos, 71 anos, após buscar atendimento pela terceira madrugada seguida na unidade básica de saúde (UBS) do bairro Bela Vista, em Caxias do Sul, na quinta-feira. Ela chegou antes das 4h e ficou inconformada ao saber que novamente não conseguiria ficha para uma consulta com o geral. Na porta, um cartaz informava que não haveria vagas para aquele médico durante o dia.
Dona Eroni, que é moradora do bairro Bela Vista, foi até o postinho nas madrugadas de terça e quarta-feira, acompanhada do marido, Nestor Rodrigues dos Santos, 81, e a situação se repetiu nos dois dias: a fila de pessoas que chegaram antes das 4h era maior que o número de fichas que seriam distribuídas assim que a UBS abrisse as portas, às 7h30min. A solução?
— Voltar para casa dormir e tentar vir de novo na segunda-feira — diz a idosa que está há dois meses tentando consulta para pegar a receita de um medicamento para os ossos.
A situação de madrugar em frente ao postinho já é conhecida pelos moradores do bairro. Cansados de não conseguirem atendimento por conta da fila de pacientes, Zélia Santos de Alexandre, 55, e Vanderlei de Alexandre, 59, chegaram às 2h de quinta. Eles eram os primeiros da fila e queriam apenas mostrar exames de rotina feitos durante as campanhas do Outubro Rosa e Novembro Azul. Nas outras vezes em que perderam a viagem, tinham ido ao postinho depois das 4h. A última tentativa frustrada foi na segunda-feira, quando, segundo eles, havia um número maior de pessoas buscando atendimento. Além da espera durante a madrugada, as pessoas são expostas a condições climáticas adversas e insegurança.
— É arriscado, mas a gente tem de vir esse horário para garantir, porque são poucas fichas. Tenho até medo do que pode acontecer ficando a madrugada aqui. Ainda bem que tenho ele — disse a auxiliar de produção, apontando para o marido.
Conforme os pacientes, como os atendimentos começam só por volta das 11h, a maioria costuma retirar a ficha e voltar para casa para descansar até o horário que iniciam as consultas.
Falta de médicos não é recente
Há cerca de 10 dias, o Pioneiro pediu à Secretaria Municipal da Saúde um relatório de quantos médicos atuam nas UBSs e qual deveria ser a escala normal para atender à demanda. Até o final da tarde de sexta-feira, não havia obtido retorno. No entanto, no início de março, a Rádio Gaúcha Serra apurou que faltavam nove médicos na Estratégia da Saúde da Família (ESF), e que, conforme a secretária da Saúde, Deysi Piovesan, o processo para seis contratações estava encaminhado.
Já em janeiro, conforme levantamento da reportagem, ao menos oito bairros estavam sem atendimento de pediatra: Século XX, Madureira, Forqueta, Tijuca, Sagrada Família, São Ciro, São Caetano e Campos da Serra. Em cinco destas UBSs, não havia sequer previsão de quando seriam retomadas as consultas diárias para essa especialidade.
Na UBS do Século XX, o atendimento pediátrico deve voltar na segunda-feira, quando a médica retorna das férias. Nas unidades do bairro Forqueta e Madureira, os pediatras foram exonerados, e ambos permanecem sem atendimento deste tipo.
No caso do São Caetano e do Campos da Serra, o atendimento funciona no modelo de Estratégia de Saúde da Família (ESF), em que um médico geral faz a primeira consulta e, se necessário, direciona para um pediatra numa outra unidade. Ou seja, os dois locais não possuem no quadro de profissionais nenhum especialista em pediatria.
Já na UBS São Ciro, a pediatra está em férias e retorna após a terça-feira, dia 20. Na UBS Tijuca, a médica está de licença-maternidade e, segundo a unidade, um geral está fazendo o atendimento das crianças. A reportagem não conseguiu contato por telefone com o postinho do bairro Sagrada Família.
CONTRAPONTO
Por meio da assessoria de imprensa, a Secretaria da Saúde de Caxias do Sul explicou que na UBS Bela Vista geralmente são atendidos 16 pacientes por dia com o geral. Destas 16 consultas, 12 são agendadas previamente por telefone, toda segunda-feira, e devem ser atendidas dentro de 30 dias. As outras quatro fichas são distribuídas por ordem de chegada, diariamente. Segundo a secretaria, "as pessoas que ficam na fila e não conseguem fichas, passam por um acolhimento e as questões de emergência são atendidas e encaminhadas para outros serviços".
Em relação à falta de médico, a pasta explica que dois clínicos gerais trabalham na unidade. Um deles está de atestado médico e deve voltar à função no fim do mês. O outro não atendeu na quinta-feira porque tirou uma licença de estudo. O quadro da UBS ainda é composto por um ginecologista e um pediatra.