CORREÇÃO: o Registro Civil da 1ª Zona tem como titular o oficial de cartório Roberto Ruschel da Silva, e não um oficial interino. A informação incorreta permaneceu publicada entre 9h do dia 13/02/2018 e 16h55min do dia 14/02/2018.
Uma tradição de mais de oito décadas se encerrou em janeiro deste ano em Caxias do Sul. O cartório de Registro de Imóveis da 2ª Zona, sob gerência da família Balen desde 1935, tem um novo notário titular, aprovado em concurso público. Assim, Alexandre Balen, que comandava interinamente o local com a irmã, deixa a função que ocupava há 32 anos, herdada do pai e do avô.
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Para a maioria das pessoas que têm que utilizar os serviços dos cartórios, o trabalho nesses locais parece composto por trâmites burocráticos desnecessários, morosos e sem muito sentido.
— O pessoal acha que é só carimbar e ir embora — define Alexandre.
Porém, por baixo dos registros, escrituras e contratos, ele garante que existe muito trabalho para fazer a sociedade andar, em uma função que possibilita acompanhar o crescimento da cidade de perto.
— Ninguém conhece a divisão da cidade como eu conheço — garante.
O Registro de Imóveis da 2ª Zona foi fundado pelo avô de Alexandre, José Donato Balen. Ele foi nomeado em 1925 para o cargo de exator estadual (análogo ao cargo de fiscal da Secretaria da Fazenda), pelo então presidente do Estado (atual cargo de governador) Borges de Medeiros. A função abriu caminho para a nomeação de registrador de ofício de registro de imóveis, em 1935, por outro nome conhecido, José Antônio Flores da Cunha. Alexandre guarda com carinho o documento original da época, datilografado e com a assinatura do presidente do Rio Grande do Sul.
No ano em que o cartório abriu, Caxias tinha menos de 50 mil habitantes. O registro funcionava na casa da família mesmo, na Rua Alfredo Chaves, entre a Rua Sinimbu e a Avenida Júlio de Castilhos, sem nenhum funcionário. Os atuais 21 trabalhadores foram contratados gradualmente conforme o crescimento do município a partir de quando o pai, Vasco Alceu Balen, assumiu o registro em 1965, já por concurso público.
Vasco foi o titular do cartório até falecer, em 2009. A partir daquele ano, a irmã de Alexandre assumiu o registro interinamente, por ser a funcionária mais antiga. Na prática, os dois irmãos trabalharam a vida toda no cartório e compartilharam a função até o dia 16 de janeiro deste ano.
— Foi meu primeiro e último emprego. Agora não trabalho mais — brinca Alexandre.
Ele deixa o cartório com cerca de 140 mil matrículas arquivadas. O restante dos imóveis de Caxias está registrado no Registro de Imóveis da 1ª Zona. A cidade está dividida, para os cartórios, entre leste e oeste pela Rua Visconde de Pelotas e entre norte e sul pela Rua Vinte de Setembro. A segunda zona é composta pelas áreas leste e sul, conforme Alexandre.
— Até São Marcos chegou a fazer parte da nossa zona, antes de se emancipar — lembra.
Conhecimento único e função essencial
Conforme Alexandre Balen, está entre as funções do cartório manter atualizadas todas as informações referentes à propriedade de imóveis na cidade. Para isso, são usados dois indicadores.
— O cartório trabalha com o indicador pessoal, ou seja, que indica se alguém é proprietário de algo. É só dar o nome e o CPF de alguém que a gente busca se têm imóveis. É um registro público. Agora, se eu quero saber o que tem no lote cinco da quadra 50, já é um problema — aponta.
Trata-se do indicador físico, também presente nos livros do cartório, mas só passível de alteração quando solicitado pelos proprietários.
— A parte (o proprietário) tem que pedir para atualizar a descrição (do imóvel). Se não faz, continua o antigo. Têm transcrições antiquíssimas, desde 1935, que as pessoas não atualizaram o registro. Esse é um problema que a sociedade vai enfrentar — projeta.
Por isso, a experiência prática é tão importante quanto o conhecimento teórico para o trabalho do notário, defende Alexandre. Também cabe ao registro checar e fiscalizar todas as informações durante a transferência de imóveis, intercambiando informações com a prefeitura de Caxias e a Receita Federal para barrar irregularidades, por exemplo. Por isso, Alexandre sempre considerou a função que desempenhava essencial para a sociedade.
— É bem remunerado, claro, mas sempre fizemos isso em prol da sociedade, que precisa disso. Se alguém de Santa Lúcia do Piaí percorre 60 quilômetros para vir até aqui, não dá para demorar três ou quatro dias para conseguir uma certidão. É um tempo que ele vai deixar de estar trabalhando. Se outra pessoa precisa de uma certidão negativa para ganhar um terreno da prefeitura, também precisa ser o mais rapidamente possível — defende.
Nas últimas três décadas dentro do cartório, Alexandre acompanhou o crescimento da cidade, bem como momentos de recessão no município. Entre os todos os casos em que trabalhou, ele destaca como marcos importantes a doação do terreno da Maesa ao município e a concessão das escrituras aos moradores do loteamento Campos da Serra, beneficiários do programa Minha Casa, Minha Vida.
— Naquela época, recebíamos cerca de 50 contratos por dia. E em uma semana estava pronto, tudo sem cobrar. São coisas que sempre priorizamos, pensando no crescimento da cidade — lembra.
Caxias é exemplo, mas burocracia é excessiva
Para Balen, o serviço notarial de Caxias é exemplar na comparação com outros municípios. O que emperra o andamento do serviço, segundo ele, é a própria legislação, às vezes excessivamente burocrática.
— Há um grau de necessidade, mas têm umas burocracias a mais. Mas vai bom senso de cada tabelião — reconhece.
Como exemplo, ele cita a norma que exige uma certidão negativa de débitos com o INSS e com a Receita Federal para a venda de bens.
— É um problema nacional. Para qualquer CNPJ fazer a venda de um caminhão ou terreno, por exemplo, tem de ter essa negativa. E com a crise, às vezes as empresas atrasam o imposto para pagar funcionários. E aí não conseguem tirar essa negativa, no caso de precisar vender parte do patrimônio para se reerguer. São coisas que a legislação tranca e eu sou obrigado a exigir — justifica.
Ele acredita que o poder público também necessita se manter a par dos costumes da população, que mudam com o tempo, para legislar. Ele cita a procura por imóveis rurais, hoje muito mais frequente do que no passado.
— Há muita procura por esses imóveis, para fazer condomínios. Mas isso é irregular, não temos legislação específica para isso. A pessoa compra três, quatro hectares, fecha e coloca 20 casas lá dentro e vende. Há pelo menos três lugares assim no interior de Caxias. É algo que está mudando bastante — aponta.
NOVO ENDEREÇO
:: Quem assumiu o cartório em janeiro deste ano foi o notário Manoel Valente Figueiredo Neto.
:: Ele foi o segundo colocado no concurso público para a outorga de delegação de serviços notariais e de registros, realizado em 2013 pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS).
:: Natural de Camocim, no litoral do Ceará, ele viajou 3,7 mi quilômetros para assumir o registro em Caxias, um dos mais cobiçados (e lucrativos) do Estado.
:: Por causa da transição, o local interrompeu as atividades nesta segunda (12) e permanece fechado até a sexta-feira (16).
:: A partir da próxima semana, deixa o endereço atual, na Alfredo Chaves, entre a Pinheiro e a Bento. O novo endereço ainda não foi divulgado.
VAIVÉM DOS REGISTROS
:: Além dos dois registros de imóveis, Caxias conta com três tabelionatos, cinco cartórios distritais que funcionam como tabelionato e registro civil, dois registros civis e um tabelionato de protestos.
:: Em 2005, o Registro Civil da 1ª Zona mudou de administração, assim como o 3º Tabelionato de Caxias (Mário Ferrari) e o cartório de Santa Lúcia do Piaí.
:: Após o concurso de 2013, o Tabelionato de Protestos e o Cartório de Criúva ganharam novos notários.
:: Funcionam com notários interinos o Registro Civil da 2ª Zona e o Registro de Imóveis da 1ª Zona. Não há novo concurso previsto.
:: Para reclamações ou informações sobre o serviço dos cartórios, o público pode entrar em contato com a diretoria do Foro da Comarca de Caxias do Sul, na Rua Dr. Montaury, 2107, ou pelo telefone (54) 3228-1988, e ainda com a Corregedoria-Geral de Justiça do TJ-RS, no telefone (51) 3210-7171.