Os frequentes furtos de fiação de telefonia e energia elétrica estão deixando um rastro de prejuízo e transtornos em Caxias do Sul. Esse tipo de crime só se mantém em alta porque há dificuldade para identificar os ladrões e punir os receptadores do material. O principal objetivo dos criminosos é retirar o cobre que compõe a fiação e revendê-lo no mercado clandestino.
A polícia não tem números, mas, conforme o delegado Guilherme Gerhardt, do 3º Distrito Policial da cidade, diversos casos são registrados todos os meses. Além do prejuízo que o proprietário tem para restabelecer a fiação, que geralmente fica na casa dos milhares de reais, o crime pode trazer consequências para toda a comunidade.
Um dos ataques mais recentes aconteceu contra a Estação de Bombeamento de Água Bruta da represa Dal Bó, há uma semana. O furto dos cabos de cobre forçou o corte do abastecimento para casas, empresas, hospitais e escolas de 10 bairros da área central de Caxias. Milhares ficaram sem água por cerca de 20 horas.
— A Dal Bó é um alvo mais recorrente. O problema ali é mais grave porque a estação de tratamento que abastece aquela região depende da Dal Bó, então, quando há furto de cabos, 10 bairros são prejudicados — explica Ronaldo Damasceno Emerch, gerente da Divisão de Água da autarquia.
Os furtos no local se tornaram mais frequentes nos últimos três anos. Por isso, o Samae passou a inserir a estação no roteiro de rondas da Guarda Municipal, além de ter instalado cercamento, alarme e gradil. Porém, as providências não foram suficientes para coibir as ações.
— Os hospitais do Círculo e Virvi Ramos são locais que sofrem com a falta de água nesse tipo de ocorrência, por exemplo. Além de tudo, o cabo em específico é difícil de encontrar, é caro e não dispomos dele no estoque — complementa Emerch.
Em agosto, a Escola Estadual Técnica de Caxias (EETCS), no bairro Presidente Vargas, passou por problema semelhante. Fios da rede elétrica no pátio da instituição foram furtados num final de semana. O crime deixou a escola sem luz por três dias e sem água por dois, já que o sistema de abastecimento dependia de energia elétrica. As aulas não foram interrompidas, mas a reparação pesou no orçamento.
— Tivemos que comprar todo o cabeamento e uma concertina (cerca de proteção), saiu cerca de R$ 1 mil. A gente recebe verba para manutenção, mas pensamos que poderia ser direcionado para outro tipo de conserto — lamenta Elisabete Valmorbida, diretora da instituição.
Burocracia e demora
Embora polícia recomende o registro de ocorrência em casos de furto, a falta de confiança na investigação faz com que muitas vítimas do crime deixem de fazê-lo.
— Não chegamos a fazer (a ocorrência) por não acreditar que dê resultado — resume Rafaela Pessin, gerente de uma imobiliária que fica em um condomínio comercial no bairro Lourdes. O espaço teve os fios furtados em outubro.
Rafaela conta que o crime aconteceu durante a madrugada de um feriado. O local tem monitoramento por câmeras, mas os seguranças não chegaram a tempo de impedir a a ação dos criminosos.
— Eles devem ter demorado uns 10 minutos para retirar os fios — lembra.
Passado o susto, veio o problema de reestabelecer a energia.
— Foi muito complicado em relação à RGE (Rio Grande Energia). Ligamos uma manhã inteira, depois do meio dia registramos queixa na Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica). Aí apareceram.
Foram R$ 2,8 mil para reestabelecer os equipamentos, com um reforço extra na segurança.
— O cabeamento é subterrâneo, na calçada. A RGE exige que tenham acesso, mas lacramos as caixas. Eles não pagam o furto e eu fico vulnerável — defende.
SAIBA MAIS
O ladrão
Geralmente, segundo a polícia, o autor dos furtos é usuário de droga, que arranca os cabos sob a calçada, de caixas de energia ou de postes para trocar por crack. Mas há também o criminoso que entende de energia elétrica.
— Não é qualquer um que pode realizar esse tipo de procedimento sem ser eletrocutado. Às vezes, são até mesmo ex-funcionários das empresas que são os autores ou, ao menos, eletricistas — descreve Luciano Dias Peringer, titular da Delegacia de Repressão aos Crimes Contra o Patrimônio das Concessionárias e os Serviços Delegados.
A preferência dos criminosos é agir à noite, em ruas de pouco movimento e com pouca vigilância. O alvo principal quase sempre é o cobre da fiação.
O receptador
A principal dificuldade dos agentes é identificar quem compra o material furtado. Geralmente, as negociações são realizadas em ferros-velhos ou reciclagens. O primeiro receptador, por sua vez, repassa o material para alguma empresa de fundição, que reaproveita o cobre para devolver ao mercado como matéria-prima. Contudo, sem flagrantes, a polícia não consegue provar o envolvimento de receptadores e o ciclo do furto se mantém.
Como barrar o ciclo
Para inibir os crimes ou facilitar a investigação, o recomendado é identificar os cabos com características diferenciadas. Conforme o delegado Peringer, muitas empresas, especialmente de telefonia, possuem características exclusivas no cabeamento ou identificação da marca na capa do equipamento. Outra forma é ampliar a fiscalização em pontos de receptação do material como forma de barrar a compra e a venda. Grande parte do rastreamento de criminosos e receptadores só foi possível por meio de padrões adotados pelas próprias concessionárias, segundo Peringer.
O QUE DIZ A RGE
— A concessionária explica que os furtos de cabos e equipamentos da rede elétrica, quando ocorrem, são comunicados à polícia, que é responsável pela investigação. A RGE faz os reparos na rede para consertar os estragos provocados e restabelece a energia, quando ocorre a interrupção. A empresa não tem um levantamento de quantos furtos ocorrem na cidade. Quando são retirados cabos e equipamentos de casas e prédios, como os fios dos ramais, por exemplo, a responsabilidade na reposição é do cliente. No caso, a concessionária apenas faz o atendimento para religar a energia depois que o conserto é providenciado pelo cliente, mas desde que a obra tenha a Anotação de Responsabilidade Técnica (ART).