A Polícia Civil indiciou e o Ministério Público (MP) denunciou 28 pessoas que integravam um esquema que conseguia injetar até 1 kg de droga por semana na Penitenciária Estadual de Caxias do Sul, no Apanhador. Beneficiados pela legislação que proíbe as revistas íntimas, traficantes que cumprem pena coagiam mulheres de outros presos para ingressar na cadeia com entorpecentes. Conversas interceptadas no aplicativo WhatsApp, por exemplo, indicam que as entregas ocorriam de forma ininterrupta desde maio do ano passado. Os detentos da Galeria A, que está em poder de uma facção conforme o Pioneiro mostrou na semana passada, usavam celulares para orientar as comparsas no lado de fora.
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Dos indiciados na Operação Fratelli (termo italiano para irmãos), 15 são homens e 13 são mulheres. Desse total, 10 estão sendo procurados. Dos 18 recolhidos preventivamente por ordem da Justiça, cinco são mulheres que estão no Presídio Regional de Caxias, a antiga Penitenciária Industrial. Os outros 13 são detentos que permanecem no Apanhador.
O relatório da Polícia Civil aponta que a droga era destinada, principalmente, para venda dentro da cadeia. Entre os sete fornecedores, que já cumpriam pena no Apanhador, estão criminosos considerados de alta periculosidade, como Jeferson Neves Montanari, o Fera, que teve mais de R$ 2 milhões em bens adquiridos por meio do tráfico apreendidos pela Justiça, e Michel De Souza Da Silva, o Michelzinho, 30, com antecedentes por roubos, associação criminosa e homicídio.
O esquema, no entanto, era operado por Jilcimar Walter, 35 anos, o Boy. Ele negociava com os fornecedores e definia quem seriam as mulheres responsáveis por entrar na penitenciária com a droga. As chamadas "mulas" geralmente eram companheiras de apenados do baixo escalão no crime.
Por celular, Boy orientava sua companheira, Chaiane Hoffman Costa, a Chai. Ela recebia a droga com as esposas dos fornecedores e distribuía para as "mulas". O repasse geralmente era feito na frente da cadeia ou em uma lancheria na Rota do Sol. Chaiane era auxiliada pelo irmão William Hoffmann Da Costa, o Lili.
– Eles eram organizados e alimentavam este tráfico dentro do presídio. É uma fonte grande de renda. Quem controla lá dentro? É quem consegue a droga. É um instrumento de poder. A droga conquista o comprometimento do detento, traz ele para a facção e exerce domínio até sobre a família dele, que está do lado fora. Os reflexos (da entrada da droga em cadeias) são imensuráveis – diz o delegado regional Paulo Roberto Rosa da Silva. A investigação teve o apoio do setor de inteligência da Susepe.
'A tendência é o tráfico continuar'
Chaiane foi presa em flagrante tentando entrar com porções de crack e maconha escondida nas partes íntimas no dia 23 de novembro. Neste caso, a revista havia sido autorizada pela Justiça a pedido da Polícia Civil. A investigação resultou em outras duas apreensões de drogas, com duas mulheres dentro da penitenciária em 25 de janeiro, e escondidas dentro de uma cama de concreto da cela 36 da Galeria A. Chaiane ganhou liberdade após o flagrante. Agora, ela e outras seis mulheres estão sendo procuradas.
– A tendência é o tráfico continuar justamente por falta de revistas íntimas e também pelos detentos continuarem a ter acesso a celulares. Fizemos uma investida e conseguimos reduzir (a prática). Temos consciência que é uma luta constante. Na minha visão, precisamos ter bloqueadores de celulares nos presídios justamente para coibir esta organização de traficantes – complementa o delegado.
A reportagem não conseguiu contatar os defensores dos apenados para que eles pudessem apresentar as versões. As mulheres presas em flagrante alegaram em depoimento que eram ameaçadas por seus companheiros para quem transportassem as drogas. Elas disseram desconhecer o esquema. Os outros indiciados só serão ouvidos durante a instrução do processo.