O município de Caxias do Sul aguarda notificação oficial para decidir se vai recorrer da decisão Tribunal de Justiça do Estado (TJ-RS) que determina a licitação de todas as licenças de táxi que foram prorrogadas sem passar por um certame. Em agosto, os desembargadores do TJ aprovaram por unanimidade a ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) contra a lei municipal que regra os táxis na cidade. O prazo dado pelo TJ é de seis meses para que o município regularize a situação. O acórdão com a decisão, tomada em agosto, foi publicado sexta-feira no Diário da Justiça do Estado. O texto do TJ não especifica, mas 236 concessões foram renovadas sem licitação – conforme a lei, os detentores podem explorar o serviço por 35 anos e podem repassar a concessão para terceiros. A cidade ainda tem outros 80 táxis, esses definidos por licitação.
Leia mais
Procuradoria de Justiça do RS questiona legalidade de 236 concessões de táxi
Nova lei dos táxis prevê cassação em caso de aluguel ou venda das concessões
Para o relator da ação, desembargador Carlos Cini Marchionatti, a lei municipal é inconstitucional por permitir que os serviços sejam transmitidos por herança ou transferidos para uma terceira pessoa. Na opinião do presidente do Sindicato dos Taxistas de Caxias (Sinditaxi), Adail Bernardo da Silva, o texto do TJ não é claro: a interpretação dele é de que as vagas seriam licitadas à medida em que as vagas fossem abertas, o que ocorreria com a morte do proprietário.
– Essa decisão vai prejudicar muitas famílias. O táxi hoje não é uma coisa que dê muito dinheiro, mas é o que dá para viver – critica, acrescentando que a ideia é recorrer.
Por outro lado, a expectativa da Associação dos Motoristas Auxiliares de Táxi (Amot) é de que as novas licitações sirvam para qualificar o serviço.
– Havendo licitação, os táxis irão para quem é de direito. Os permissionários terão que cumprir a jornada mínima e cuidar do táxi. Hoje, não tem nem com quem reclamar, porque o taxista subloca o serviço. Vai haver um acréscimo de qualidade – projeta Wagner Pinto, presidente da associação.
Segundo o prefeito Alceu Barbosa Velho (PDT), o plano é discutir o assunto com o secretário de Transportes, Manoel Marrachinho, e com o procurador-geral do município, Victório Giordano da Costa. A posição será definida posteriormente.
Pai e filho temem perder táxis
Há 34 e 19 anos trabalhando com táxis, respectivamente, Valdoir Pedro Barcarol, 64 anos, e o filho Daniel Barcarol, 39, temem perder o direito ao serviço. Ambos iniciaram as atividades adquirindo os táxis de terceiros.
– Na época, um senhor que não quis mais o serviço de táxi me pediu se eu tinha interesse em assumir a concessão, daí comprei apenas o veículo dele, nem se falava em licitação, pois a concessão não tinha valor nenhum. Vão tirar o táxi de quem trabalha há muitos anos, acho que isso não está certo – reclama Valdoir.
O filho, que atuou com o pai por dois anos e depois adquiriu o próprio táxi, concorda.
– Assumi o táxi de outra pessoa, fomos na Secretaria de Transportes e recebi a permissão. Claro que ao evoluir tem que haver regras, mas deveria partir daqui para a frente. Tenho filhas de 14 e sete anos, como vou entregar do dia para a noite? A gente faz uma programação de vida – lamenta.
SAIBA MAIS
:: Em 1981, o Executivo sancionou lei municipal que regularizava o serviço de táxi em Caxias do Sul. Naquele ano e posteriormente, foram liberadas 236 concessões de táxi para quem já estava no serviço ou tinha interesse em participar. Não houve licitação. A mesma lei garantiu uma espécie de concessão vitalícia, ou seja, o taxista poderia transferi-la para herdeiros ou terceiros.
:: Em 1995, lei federal extinguiu todas as concessões de serviços públicos outorgadas sem licitação anteriores à Constituição de 1988. A mesma lei deu prazo até 2010 para os municípios se adequarem. Na prática, os concessionários deveriam devolver o serviço para o poder público. Caxias e outras cidades pelo país não seguiram a determinação em relação aos táxis. Portanto, as concessões anteriores à constituição em Caxias seguiram intocáveis e fortalecidas por nova lei municipal aprovada em dezembro de 2014.
:: Desde o final de 2014, portanto, essas 236 concessões estão renovadas e, podem ser repassadas de pai para filho sem concorrência prévia. Até 2011, eram permitidas inclusive transferências para terceiros, procedimento desautorizado pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) a partir de reportagens do Pioneiro sobre irregularidades na venda e aluguel de tais bens públicos. O TCE também determinou a atualização da lei sobre os táxis em Caxias.
:: Em contrapartida, uma parcela menor de taxistas foi obrigada a participar de concorrências públicas em 1999 e 2012, o que indica o desequilíbrio em relação aos taxistas antigos. Nesse período, foram emitidas 80 permissões com prazo de validade menor, de 20 a 30 anos. Para esses casos, a lei veda transferências para terceiros ou herdeiros.
:: Em 2013, porém, a presidente Dilma Rousseff editou medida provisória que autoriza os taxistas antigos a ficarem com as concessões sem a necessidade de licitação, inclusive com possibilidade de transferência para herdeiros.
:: A medida de Dilma é contestada judicialmente pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, responsável pelas denúncias da Operação Lava-Jato. Ele ingressou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a medida provisória da presidente pois o entendimento é de que permite a manutenção das concessões antigas de táxi no Brasil sem atender aos requisitos da isonomia e do equilíbrio da concorrência pública. Esse é mesmo entendimento da Procuradoria-Geral de Justiça no RS.
:: Em outubro de 2015, a Procuradoria-Geral de Justiça do Estado ingressou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) contra a lei municipal que prorrogou 236 concessões de táxi sem licitação em Caxias do Sul. No início de agosto, desembargadores do TJ votaram, por unanimidade, pela procedência da ação. O acórdão foi publicado na última sexta-feira.