Durante 50 dias, soldados da Brigada Militar (BM) participaram da 9ª edição do Curso de Especialização em Cinotecnia, em Porto Alegre, que terminou no início de novembro, no Canil Central do 1º Batalhão de Polícia de Choque. O 12º Batalhão de Polícia Militar (12º BPM), de Caxias do Sul, teve a participação de dois oficiais que formaram-se como Cinotécnicos.
Para quem não está familiarizado com os termos, a prática é simplesmente o treinamento dos cães para o trabalho policial. Esse apoio pode aparecer em situações como detecção de armas e drogas, operações para garantir ordem pública e segurança da população, além do policiamento em eventos esportivos, como os jogos de futebol, e ações sociais.
É um trabalho que exige total dedicação e comprometimento, como contam os soldados que participaram do curso, Murilo Lira, 28 anos, e Thales D'Lucca Oliveira, 25. O soldado Lira, que ficou em primeiro lugar na especialização, lembra que tudo se inicia com a criação de um vínculo entre o policial condutor e o seu cão. Lira, por exemplo, recebeu o pastor belga malinois Ralph ainda com 45 dias. Hoje, o cão tem um pouco mais de um ano. Toda responsabilidade de adestramento e cuidado é com o soldado.
— Pegamos o filhote com 45 dias de vida. O meu, por exemplo, ficou na minha casa uma semana para poder pegar o vínculo. Ele dormia junto comigo, ia para todos os lugares comigo. Então, para onde íamos, eu era o condutor. Ele tinha que saber que eu era como o "pai" dele — descreve Lira, que é recifense e está na corporação desde 2022.
A partir do convívio, se intensifica a relação entre o cão e o seu condutor. Contudo, o treinamento é incluído aos poucos até chegarem aos dez meses, quando iniciam as atividades para o treinamento do faro, acima da média nas raças de pastor alemão e belga. As atividades são feitas em forma de brincadeira com recompensas para criar um reforço positivo. O presente geralmente é uma bolinha de borracha, que eles adoram brincar.
— Às vezes, nós até nos surpreendermos. Tem um método em que vamos cortando o brinquedo em várias partes para eles farejarem, até que fique em um grão o brinquedo. E ele vai lá e acha — conta D'Lucca, que é natural de Osório, e está com o belga malinois Damon, de cinco meses (no curso, foi acompanhado da pastor alemão Pantera, de seis anos).
O reforço do vínculo e o treinamento são diários, até mesmo nos dias de folga. Os cães geralmente são preparados até os dois anos. Diariamente, quatro soldados e dois cães atuam no patrulhamento em Caxias do Sul, seja para operações ou eventos esportivos.
— É um trabalho muito árduo. É muita dedicação. Muito tempo de abnegação, tanto familiar, como pessoal. Então, às vezes deixamos de comprar coisas para nós. É como se fosse um pai para poder comprar para o filho. Compramos bolinhas, materiais e às vezes são materiais caros — relata Lira.
Assim como os soldados, os cães também se aposentam. Eles atuam até os oito anos. Quando chega o momento, o condutor dele é quem tem a preferência da adoção responsável.
O curso
Na especialização da Brigada Militar foram simuladas operações e situações até mesmo extremas — como entrar em mata fechada e passar horas ou dias naquele local.
Ao mesmo tempo, também foram aplicadas lições sobre o cuidado com os cachorros, como iniciação à veterinária. De forma geral, os soldados descrevem o curso como tendo duas etapas, uma parte "rústica" e outra "técnica". Tudo é feito com cuidado e bom tratamento aos animais. Como lembram os soldados, o cão sempre é a prioridade.
— Essa parte rústica, então, tem treinamento físico militar bastante intensivo. Já a parte técnica seria o adestramento, a parte veterinária, psicologia canina, faro e outras matérias. E também tinha educação física junto com o cão — descreve Lira.
Entre as aulas, também havia sobre controle à "psicofadiga". Como os soldados contam, o cão sente como está o condutor.
— Se tu és um cara que está muito nervoso, o cachorro vai ficar nervoso. Se tu ficares agressivo, ele também. Então, trabalhando a tua "psicofadiga" faz com que o binômio fique unido — explica o soldado, recordando que na doutrina dos "cachorreiros", cão e condutor tornam-se duas partes de um mesmo ser.
Foi um treinamento intenso. De 30 alunos que iniciaram o curso, 18 formaram-se, conforme a BM. Além de soldados do Estado, participaram ainda um Policial Rodoviário Federal, um Cabo da Polícia Militar do Mato Grosso do Sul, um Cabo da Polícia Militar do Maranhão e um soldado da Polícia Militar do Distrito Federal.
Os soldados podiam voltar para casa para rever familiares apenas uma vez por semana. Ao mesmo tempo, durante o curso, eles eram identificados apenas como números (Lira era o 09 e D'Lucca o 13), como forma de mostrar que todos são iguais no aprendizado. O curso também reforça a doutrina de cinotecnia — os cachorreiros têm até a própria oração.
O trabalho, assim, segue sendo compartilhado e inspirando outros, como ocorreu com os próprios soldados do batalhão caxiense. D'Lucca lembra que se interessou pela cinotecnia ainda na escola, em Osório, que ficava ao lado do canil local. Já Lira recorda que na adolescência em Recife, uma visita de um policial e um músico, também militar, com um cão ao hospital em que o avô estava internado foi um momento marcante.