Os avanços na tecnologia médica têm oferecido novas esperanças para pacientes com diabetes, especialmente crianças e adolescentes, que frequentemente enfrentam desafios no gerenciamento dessa condição. Entre esses avanços, os sensores de glicose destacam-se como uma ferramenta importante no controle da glicemia (nível de açúcar no sangue), melhorando significativamente a qualidade de vida dos jovens com diabetes mellitus tipo 1 (DM1).
Os sensores de glicose são dispositivos que monitoram continuamente os níveis de açúcar no sangue, sem a necessidade de picadas frequentes nos dedos, evitando lesões manuais. Eles são colocados sob a pele, geralmente no braço, e enviam dados em tempo real para dispositivos móveis, por meio de um aplicativo ou por um pequeno aparelho que acompanha o produto, alertando o paciente sobre as variações nos níveis de glicose.
No início de outubro, a Secretaria Municipal da Saúde (SMS) iniciou a distribuição do aparelho chamado FreeStyle Libre para crianças e adolescentes portadores do DM1. O Libre é um sensor aplicado no braço e que faz leituras contínuas a cada minuto, armazenando até oito horas de dados. Ele tem duração de 14 dias e custa, em média, R$ 290.
Inicialmente, 30 jovens receberam os sensores, que já foram aplicados na pele por equipes da secretaria e do Centro Clínico da Universidade de Caxias do Sul (Ceclin), que foram previamente capacitadas. Conforme a secretária da Saúde, Daniele Meneguzzi, o grupo foi selecionado conforme critérios clínicos. Segundo ela, o protocolo, foi feito por uma equipe multidisciplinar, é bastante rígido, tendo em vista a limitação dos recursos. Para os próximos dias, estão previstas a aplicação do sensor e a capacitação em mais crianças que já estão pré-selecionadas.
— Esses jovens precisam ter o acompanhamento com o endocrinologista do SUS há, no mínimo, três meses, conforme indicação clínica. O profissional fará a avaliação e irá preencher o documento constando todos os sintomas e a justificativa. O médico auditor então irá selecionar os pacientes dentro dos critérios. Os sensores são voltados a crianças e adolescentes de dois a 17 anos com diabetes mellitus tipo 1, residentes em Caxias do Sul — explica a titular da pasta.
Mobilização de grupo de pais foi fundamental
O grupo Gotas de Vida, formado por familiares de crianças com diabetes mellitus tipo 1, participou da articulação em busca de recursos para viabilizar a aquisição dos sensores. Cerca de um ano e meio atrás, os integrantes buscaram apoio da Secretaria Municipal da Saúde (SMS) para que o município oferecesse gratuitamente o aparelho FreeStyle Libre.
Em abril do ano passado, com o apoio dos vereadores Felipe Gremelmaier (MDB) e Estela Balardin (PT), o grupo Gotas de Vida expôs a situação dos portadores de DM1 à secretária Daniele Meneguzzi.
— Nós precisávamos adquirir esses sensores, mas não tínhamos orçamento, tendo em vista que o valor é bastante elevado. Como ele deve ser trocado a cada 14 dias, se torna uma despesa contínua. Iniciamos, então, a busca, junto desse grupo de mães e alguns vereadores, para buscarmos recursos que viabilizassem essa compra — relata a secretária.
Apesar de os sensores não fazerem parte do rol de produtos fornecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), pelo Estado ou pelo Ministério da Saúde, eles foram comprados pelo município por meio de uma emenda parlamentar da deputada federal Denise Pessôa (PT). O investimento inicial é de R$ 1,2 milhão, suficiente para o fornecimento de sensores de glicose para 80 pacientes por dois anos. Segundo a secretária, o município busca alternativas para manter a distribuição e ampliar o número de atendidos.
Aparelho capaz de mudar vidas
Quem convive com a realidade do diabetes é capaz de compreender os desafios que são enfrentados com a doença. As picadas diárias para aplicação de insulina e as pontas dos dedos repletas de furos, além da preocupação constante com os valores glicêmicos são apenas alguns dos aspectos do dia a dia de uma pessoa com DM1.
Quando tinha apenas três anos de idade, a constante sede, as diversas idas ao banheiro e a perda de peso fizeram com que os pais de Nathália do Monte da Silva, hoje com 11 anos, ficassem preocupados com a situação da filha. Após a menina realizar exames, veio a surpresa com o diagnóstico: diabetes mellitus tipo 1. A mãe, Daniele Do Monte Silva, 36, conta que no início do tratamento, em dias considerados normais, sem picos altos ou baixos de glicemia, eram cerca de oito picadas nos dedos diariamente.
— Os dedos dela chegavam a ter calos de tantos furinhos que precisavam ser feitos. A preocupação era constante, se os níveis de glicose estavam baixando ou não. Durante a madrugada, fazíamos os testes de duas a três vezes. Só às 6h, quando meu marido acordava era quando eu podia dormir. E foram oito anos assim — recorda Daniele.
A mãe de Nathália também faz parte do grupo Gotas de Vida e aguardava ansiosamente pela chegada do FreeStyle Libre. Nathália foi contemplada com o aparelho no dia 3 de outubro. Um alento para toda a família.
— Hoje, se ela está longe de mim, eu consigo ver pelo aplicativo os níveis de glicemia e, dependendo dos níveis, ela mesma se aplica a insulina. Eu acredito que hoje nos sentimos mais livres. Foi uma melhora significativa na questão de controle e segurança. E quando voltamos à consulta com a endocrinologista, a própria médica consegue ver todo o histórico através do aplicativo, o que antes era manualmente. É muito mais segurança para o tratamento — afirma a mãe, que conta que a filha se adaptou bem ao aparelho.
Nathália, que é estudante da 6ª série do ensino fundamental no Colégio Madre Imilda, não deixou que a doença atrapalhasse sua vida em nenhum momento. É uma criança como qualquer outra. Gosta de andar de bicicleta, de patins, de correr, estudar e brincar. Com a cachorrinha Meg no colo, ela confidencia que tem sonhos.
— Quando crescer, quero ser veterinária — diz.
“Mais liberdade para aproveitar uma vida saudável e ativa”
Segundo a médica endocrinologista pediátrica Bruna Trojan Camassola, o diabetes tipo 1 (DM1) é uma doença autoimune caracterizada pela destruição das células produtoras de insulina. O organismo identifica essas células como um corpo estranho e as “ataca”, fazendo com que a produção de insulina fique comprometida. O DM1 surge quando o organismo deixa de produzir insulina (ou produz uma quantidade muito pequena), sendo a insulina o hormônio responsável por manter os níveis de açúcar no sangue controlados.
— Tanto o diabetes mellitus tipo 1 como do tipo 2 causam hiperglicemia, que é o aumento dos níveis de açúcar no sangue. Porém, no diabetes do tipo 1, a causa da elevação da glicemia é a falta de produção de insulina, por uma reação autoimune. O que desencadeia esse processo de autoimunidade ainda não está claro, provavelmente uma pré-disposição genética com fatores ambientais. O DM1 é mais frequente na infância e juventude. O desenvolvimento do DM1 não tem relação com a alimentação ou sedentarismo, portanto, nada se poderia fazer para evitar seu aparecimento — explica a endocrinologista.
A médica destaca ainda que, a longo prazo, a falta de controle glicêmico pode levar a complicações crônicas como problemas renais (falência dos rins, algumas vezes necessitando de hemodiálise), complicações nos olhos (como retinopatia e até cegueira), dificuldade de cicatrização, neuropatia (diminuição da sensibilidade dos nervos que conduzem o calor, dor, frio, toque) e complicações cardiovasculares (infarto e acidente vascular cerebral). Para Bruna, os sensores trazem uma qualidade de vida melhor para as crianças e adolescentes, já que essa é uma população crítica, principalmente em relação aos episódios de hipoglicemia e variabilidade glicêmica.
— As leituras de glicose com os sensores podem ser realizadas ilimitadamente, quantas vezes os cuidadores ou pacientes quiserem ao longo do dia. Essas leituras fornecem mais informações do que o monitoramento realizado através de tiras de teste de glicemia capilar, sem a necessidade das picadas nos dedos. O monitor contribui para que as pessoas com diabetes tenham mais liberdade para aproveitar uma vida saudável e ativa, trazendo mais conforto à rotina de controle da glicose. O objetivo desse controle não é só corrigir as eventuais hiperglicemias que ocorrerão, mas também tentar manter a glicemia o mais próximo da normalidade — finaliza a profissional.
Doce Novembro
No dia 9 de novembro ocorrerá a 2ª edição do evento “Doce Novembro - Um encontro de conhecimento, cultura & diversão”, resultado de uma parceria entre o grupo Gotas de Vida e o Instituto de Leitura Quindim. A ação, marcada para começar às 14h na sede do Instituto (Rua Sinimbu, 1.670, Pátio Eberle, 6º andar, Centro), tem como objetivo promover o conhecimento e a conscientização sobre o diabetes mellitus tipo 1 (DM1).
A ação Doce Novembro é um evento aberto e gratuito, voltado não só para as famílias de crianças com DM1, mas também para a comunidade em geral. A programação contará com palestras e a presença da influenciadora Marina de Barros, que virá de São Paulo para compartilhar a experiência com a doença. Haverá ainda atividades voltadas para a educação sobre alimentação balanceada e o impacto do excesso de açúcar e carboidratos na saúde.