Os artistas plásticos de Nova Petrópolis questionam a repintura de seis ovos de Páscoa doados ao município em 2018. Segundo o grupo, as obras de arte gigantes foram criadas por talentos locais para serem expostas na Chocofest, que era o evento de Páscoa da cidade. Naquela ocasião, as pinturas foram produzidas a pedido da empresa organizadora do evento, que alegou que não havia verba destinada para o pagamento aos artistas. Por isso, a organizadora pediu que as pinturas fossem uma doação, o que foi atendido pelos artistas.
Durante cerca de um mês, o grupo pintou as obras no espaço do Centro de Eventos. Em 2019, eles foram procurados novamente. Dessa vez, mais duas artistas e um grupo de estudantes de arte doaram o trabalho para compor mais três obras para o acervo, totalizando seis pinturas. O tema era a Páscoa no mundo. Assim, cada ovo gigante representava a maneira de comemoração do evento em diversos países. Durante as duas edições, os ovos ficaram expostos na Praça das Flores, com uma placa indicativa do tema e crédito de autoria dos artistas.
No ano de 2023, os ovos foram expostos nas rotatórias da cidade, o que causou estranheza ao grupo, já que perceberam que eram vistas como decoração, e não como obras de arte. A situação piorou em 2024, uma vez que os ovos foram cobertos com tinta branca para compor a decoração de Páscoa, o que descaracteriza as peças. Elas foram novamente instaladas nas rotatórias da cidade, utilizando os mesmos suportes. No entanto, agora elas contam com a logomarca do evento e corações desenhados.
Em carta aberta à comunidade, o grupo mostra indignação com a atitude da prefeitura. Em nota, o Executivo afirma que "sensibiliza-se com o desconforto porventura causado, ressalvando que jamais agiu em desconsideração aos artistas e demais envolvidos" e que "o intuito quanto ao uso das peças sempre foi de dar a maior visibilidade possível" e que "quando não mais era viável sua recuperação, entendeu-se por, ao menos, fazer o aproveitamento das partes possíveis".
Obras de artes foram destruídas, afirmam autores
Uma das representantes do grupo, Haidi Gertz, explica que as peças foram destruídas pelo poder público. Ela é dona de duas galerias de arte e esposa do artista plástico e restaurador Valdir Maia, que morreu há cinco meses. Maia pintou o ovo Brasil e Argentina, com o artista Selestino Oliveira.
— Do nada, os ovos encantadores foram pintados por cima, com uma tinta branca, e foram feitos uns desenhos sobre eles. A gente realmente achou que isso tinha sido um disparate, porque eles destruíram as obras de arte, que realmente eram muito lindas. Estamos vendo o que fazer para que isso não se repita na cidade — desabafa Haidi.
Conforme os autores, as obras podiam ter sido restauradas, já que ficam ao ar livre. No entanto, segundo eles, este ano o município sequer os consultou sobre as peças. O ilustrador Ednei Marx e a professora Zana Costa pintaram o ovo da Nova Zelândia. Ele ressalta que as peças estavam sob a guarda da prefeitura, que acabou ignorando a representatividade das obras para a cidade:
— Simplesmente ignoraram o nosso trabalho. Alguém na prefeitura, que talvez seja incapacitado para o cargo, entendeu que os ovos eram meras decorações, e não são. As peças são obras de arte — defende o ilustrador.
Para Marx, a atitude é um descaso:
— Pintamos as peças com alegria e prazer e gostamos, porque o nosso trabalho foi visto. Éramos abordados na cidade para sermos elogiados pela população. Agora, a prefeitura simplesmente ignorou tudo isso. A cidade valoriza muito a arte dos antepassados e preserva a cultura, o que é importante, mas não valoriza a arte de hoje. Ficamos tristes e indignados não porque a nossa arte se perdeu, mas porque ela parece não ter valor, parece ser descartável.
Carta aberta à comunidade
A carta aberta foi encaminhada ao Executivo e ao Legislativo da cidade. Eles também reivindicaram um encontro com representantes da prefeitura. Essa reunião deve ocorrer no próximo dia 3 de abril. No documento assinado pela comunidade artística e artistas plásticos da cidade, eles fazem diversos questionamentos:
"É este o valor que o município dá à arte? Qual o valor financeiro dessas obras doadas ao município? Qual o valor cultural delas? Qual o valor dos artistas da nossa cidade? O que estamos dizendo sobre o que tem mais ou menos valor ao apagar as obras feitas? Quem foi o responsável por esse apagamento? Quem vai arcar com as consequências e com os direitos autorais das obras?", diz trecho do comunicado.
Além disso, os artistas também apontam que o destino correto das peças seria uma exposição permanente em espaços culturais ou públicos. Segundo eles, como são obras feitas para a área externa, demandariam restauro em algum momento. E ressaltam que eram obras do acervo do município, mas que os artistas possuem o direito autoral sobre as obras.
"A prefeitura tinha a posse das obras, um bem artístico e cultural da cidade, dos seus munícipes. Dessa forma, seis obras de arte, patrimônio público, foram destruídas. Não temos mais palavras para expressar o descaso com os artistas locais e suas obras. Enquanto algumas cidades constroem espaços para tornar acessível à arte para sua comunidade e dar visibilidade à produção de seus artistas, fomentando a cultura e a expressão artística, vemos em nosso município o apagamento da cultura atual construída. Uma cidade que valoriza tanto a cultura de seus antepassados, mas não se mostrou capaz de valorizar a cultura que é produzida hoje.", complementa a nota.
O que diz a prefeitura
Confira abaixo a íntegra da nota oficial divulgada pela prefeitura com relação ao caso:
"A Administração Municipal de Nova Petrópolis informa que as peças da “Páscoa no Mundo” foram criadas em 2018, destinando-se ao evento municipal Magia da Páscoa. Infelizmente, com o passar dos anos, as peças sofreram deterioração. Em 2023 foram realizados reparos nas estruturas, utilizando-as no evento Magia da Páscoa daquele ano. Em 2024, no entanto, com o avanço da deterioração, não foi mais possível fazer uma reforma estrutural que mantivesse a pintura original, conforme a empresa especializada contratada pelo Município.
A Administração Pública sensibiliza-se com o desconforto porventura causado, ressalvando que jamais agiu em desconsideração aos artistas e demais envolvidos. O intuito quanto ao uso das peças sempre foi de dar a maior visibilidade possível. Quando não mais era viável sua recuperação, entendeu-se por, ao menos, fazer o aproveitamento das partes possíveis.
O Município tem promovido relevantes ações, investimentos e programas na área cultural, visando a valorização do segmento cultural de Nova Petrópolis, inclusive das artes visuais. É o caso do Salão de Artes Visuais realizado durante a 26ª Feira do Livro em 2023 e o Mural do Bicentenário, inaugurado em 2024 durante o aniversário da Biblioteca Municipal. E ainda ações mais amplas, como o programa “Movimenta Cultura”, o primeiro edital publicado na história de Nova Petrópolis para patrocinar projetos de todos os eixos culturais com recursos públicos municipais.
Cabe ressaltar, também, que a Secretaria Municipal de Turismo, Indústria e Comércio valoriza a cultura local envolvendo artistas de diferentes áreas na programação oficial dos seus eventos, além de intermediar oportunidades como a participação de escritores locais na Feira do Livro de Porto Alegre em 2023.
O Plano Municipal de Cultura foi aprovado em 2023 e já se encontra com diversas ações em execução, o que demonstra a preocupação permanente da Administração Municipal em fomentar o setor cultural através de suas atividades. Novas ações e possibilidades continuam em análise no Município, de modo que os diversos eixos culturais tenham assegurada o seu espaço e valorização."