Há quem espere um ano para comemorar aniversário e há quem espere quatro. Pessoas nascidas em 29 de fevereiro convivem com o sentimento conflitante de não ver, por três anos seguidos, seu dia oficial no calendário.
Em 2024, a data chegou e entre terem o aniversário esquecido por amigos e até problemas na hora de realizar cadastros, três aniversariantes desta quinta-feira (29) nos contaram como é nascer em um dia tão particular.
Embora completem 40 anos nesta quinta, três pessoas ouvidas pelo Pioneiro celebrarão apenas pela 10ª vez o aniversário na data em que verdadeiramente nasceram, no dia 29 de fevereiro de 1984.
A brincadeira, motivada pelo ano bissexto, é de praxe a cada quatro anos, e obviamente, não faz deles menores de idade. A maioridade, aliás, caso fosse contabilizada apenas a cada quatro anos, chegaria para nossos aniversariantes apenas em 2056, quando completariam 72 anos.
— Minha família brinca que como o 29 aparece só de quatro em quatro anos, os outros (aniversários) não valem. Me sinto especial, é uma curiosidade que tenho para contar quando conheço pessoas novas — disse Anderson Sirtolli.
Em anos não bissextos, o analista de pós-vendas comemora sempre nos dias 28, porque não abre mão de ser um “filho de fevereiro”. No entanto, quando o mês ganha um dia a mais, a festa ganha em celebração.
— Demora quatro anos para chegar, não dá para passar em branco, sempre sei quanto falta para chegar o ano bissexto e já planejo com antecedência. Uma vez fui parado no trânsito por um policial rodoviário que solicitou também meu RG por não acreditar na data que estava na habilitação — contou.
51 nascimentos desde 2000
Foram sete anos bissextos desde 2000. De lá para cá, cartórios de registros civis de Caxias do Sul registraram 51 nascimentos no dia 29 de fevereiro. Em 2020, na última ocorrência da data, foram 12 nascimentos, de crianças que agora, pela primeira vez, aos quatro anos, comemorarão o aniversário na data em que nasceram.
Ainda que ocorra a cada quatro anos, o dia 29 de fevereiro é protegido pela Lei de Registros Públicos, que torna ilegal o registro de nascimento que não seja na data exata.
— A certidão de nascimento deve conter, de forma exata, a hora, o dia, o mês, o ano e o local do nascimento. Com isso, o registro de nascimentos ocorridos em 29 de fevereiro, que acontece em anos bissextos, deve resguardar a realidade do fato — explicou o presidente da Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Estado do Rio Grande do Sul (Arpen/RS), Sidnei Hofer Birmann.
Dois dias de festa
Poder ter o nascimento registrado um dia antes ou um dia depois é a dúvida da maioria das pessoas que questionam Jaqueline Isoton Longhi sobre sua data de aniversário. A empresária nasceu nas primeiras horas de 29 de fevereiro de 1984 e, como recomendam os cartórios, foi registrada na data exata.
— Meu mês é fevereiro, não março, por isso comemoro nos dias 28. Mas minha cunhada, por exemplo, só me dá feliz aniversário no dia 1º de março porque diz que antes disso eu não tinha nascido. É estranho, não dá para dizer que não. Em anos “comuns”, recebo parabéns nos dois dias. No ano bissexto, na véspera da data, ninguém me dá feliz aniversário, nem meu marido — disse.
Viagem para celebrar
Natural de Cachoeira do Sul, o produtor rural Athos Anchietta Filho foi registrado na cidade vizinha de Cerro Branco porque a família não abria mão do registro fiel à data de nascimento.
— Meu pai bateu o pé, teve que sair para outra cidade porque, por algum motivo, não aceitaram em Cachoeira do Sul. Na infância não entendia, mas na adolescência “achava o máximo”. Queria festa e parabéns nos dois dias. Ficava, inclusive, chateado quando ignoravam que meu aniversário era de dois dias — contou.
Anchietta faz parte do grupo que gosta e celebra aniversários, mas não esconde que a data, especial mesmo, é a cada quatro anos. No entanto, extrai o lado bom da característica e consegue se dividir em anos bissextos:
— Aí a gente amadurece e percebe que tem amigos que não sabem em que dia felicitar. Costumo fazer festa com a família em um dia e com os amigos no outro. Aproveito isso, mas não é a mesma coisa que no dia 29. A gente fica meio assim, gosto da festa mesmo quando é dia 29, que considero o meu aniversário — disse.
Para comemorar a passagem dos 40 anos, Anchietta teve tempo para se organizar. Afinal, a última “grande celebração” tinha sido em 2020, quando completou 36 anos. Em 2024, o aniversário será em grande estilo: em alto mar, nas águas cristalinas de Cancún.
— Minha esposa deu a ideia, gosto de barco e praia. Fizemos um grupo cujo nome é Viagem Cancun Aniversário Athos. São 19 pessoas. Alugamos um iate e vamos todos para o meio do mar. É muito bom porque é meu aniversário de verdade e planejo para ser especial.
Mas por que um dia a mais?
O ano bissexto foi criado pelos romanos na época do imperador Júlio César para adequar o calendário ao tempo que o planeta Terra leva para dar uma volta completa em torno do Sol. Como uma translação (volta ao redor do Sol) é feita em 365 dias, cinco horas, 48 minutos e 36 segundos, esse tempo que “sobra” é arredondado para seis horas e, após quatro anos, somam-se 24 horas. Ou seja: um dia a mais no ano.
Curiosidades
- Na Roma Antiga, a contagem dos dias era baseada nas fases da Lua. A ideia de alinhar o calendário ao ano solar é creditada a um pedido do imperador Júlio César ao astrônomo Sosígenes, que foi encarregado de tornar o calendário um sistema mais preciso. Esse novo formato, que entrou em vigor em 4 a.C., foi chamado de calendário Juliano e tinha 365 dias, divididos em 12 meses.
- Neste período, os astrônomos já haviam chegado à conclusão de que era preciso compensar as cerca de seis horas que ficam de fora todos os anos caso o ano seja considerado como o intervalo de 365 dias de 24 horas. Então, foi criado o ano bissexto.
- Contudo, ainda eram necessárias outras compensações, já que, mesmo com a adição de um dia a cada quatro anos, ao longo de séculos, voltaram a ocorrer distorções nas datas.
- Em 1582, o papa Gregório 13 promulgou uma bula papal que alterava o calendário Juliano, após novos cálculos realizados pelo astrônomo Cristóvão Clávio. O objetivo era corrigir os erros na relação das datas com o ano solar, o que foi feito conforme a explicação anterior. Em homenagem ao papa, o calendário foi batizado de Gregoriano. É o que usamos até hoje.
- A defasagem no calendário foi notada por conta da Páscoa, que é celebrada na primeira lua cheia após o início do equinócio. Começou a se notar uma variação na data do início da primavera no hemisfério norte (outono no hemisfério sul) — quando o Sol nasce exatamente no leste. Isso inspirou a mudança realizada no século 16.