Quem assiste ao espetáculo Nativitaten, uma das principais atrações do Natal Luz de Gramado, se impressiona com a combinação de atuação, luzes, música, dança e fogos de artificio. Trata-se de um espetáculo para o mundo criado, realizado e formado, na maior parte do elenco, por quem vive na Região das Hortênsias. Em média, 5 mil pessoas acompanham cada uma das apresentações, sempre às quartas e sábados, reunindo ao todo quase 150 mil espectadores entre novembro, dezembro e janeiro no município que vive a cultura do Natal e faz disso um atrativo para o turismo.
A reportagem do Pioneiro acompanhou os bastidores da preparação dos artistas e profissionais contratados para o espetáculo, que pelo segundo ano seguido é realizado em um palco instalado no lago do Serra Park. São, ao todo, 63 artistas em cena, que ficam concentrados em um camarim montado atrás do palco — as duas estruturas são ligadas por uma passarela sobre as águas. Se contar a equipe de apoio, são 150 pessoas envolvidas.
Realizado há 22 anos, o Nativitaten é dividido em duas etapas: começa contando a história no contexto bíblico do nascimento de Cristo e, na parte final, é feita uma festa ao som das canções tradicionais do Natal ao estilo de musicais da Broadway e com a presença das figuras mais tradicionais do período, como o Papai e a Mamãe Noel. Mescla momento de emoção, reflexão e também de alegria. Coralistas, bailarinas, tambores, cantores e efeitos pirotécnicos com luzes e fogos de artifícios acompanham o show.
Os dois momentos do espetáculo são protagonizados pelos atores Alisson Ariel e Roberta Somavilla. Eles contam viver um sonho: ambos cresceram com o desejo de participar do Nativitaten e, logo na estreia, receberam a missão de interpretar os protagonistas da apresentação.
Na primeira etapa do show, como José e Maria, interagem com o público e simbolizam o tortuoso caminho até Belém, caminhando próximo das arquibancadas. Três minutos após a cena do nascimento de Cristo, entre um medley com três canções, eles trocam todo o figurino nos bastidores para surgirem no palco e encantarem o público como o Papai e a Mamãe Noel.
Nesse momento, precisam ser ágeis e atentos: como o espetáculo também é exibido em telões, as câmeras dão close no rosto dos artistas. Por isso, precisam retirar toda a maquiagem escura de José para colocar a barba branca do Papai Noel, além da barriga falsa de Maria, entre outros elementos, processos auxiliados pela produção do espetáculo.
Alisson e Roberta também cantam durante o show, reforçando uma parceria de anos passados e que demonstra a sintonia entre os dois artistas.
— Nosso diretor disse que queria muito me ter no espetáculo como Papai Noel. Eu dei um sorriso. E ele completou: e como José também. Dei outro sorriso. Quando desligou o telefone, desabei, chorei. Porque estar dentro de um dos maiores espetáculos de Natal do país e representar dois personagens tão importantes, como José e Papai Noel, era necessário colocar todo o meu sentimento para fora. Estou chegando onde sempre quis estar. É o menino do bairro Canelinha que assistia pela TV e que agora está no palco — conta Alisson, 26 anos.
— Quando o Heitor (diretor) disse que queria falar comigo, achei que queria combinar algum projeto na escola, porque sou professora de música. Mas era um convite para fazer Maria e Mamãe Noel. Fiquei em choque. Passa um filme na nossa cabeça. Fizemos muitas apresentações de Natal nos últimos anos, mas estar aqui é um auge de carreira absurdo — admite Roberta, 33 anos, natural de Santo Ângelo.
Os dois se sentem privilegiados por poder trabalhar como artistas na cidade que escolheram viver. Do público, sentem também o encantamento, principalmente no momento que passeiam próximos aos espectadores em uma das cenas mais impactantes da Bíblia, interpretando as dores do parto de Maria e a preocupação e angustia de José.
— A gente vê pessoas muito emocionadas, pessoas que levantam, querem tocar nos personagens e outras que não acreditam que aquilo é real — conta o ator.
— Acredito que essa emoção acontece porque as pessoas não estão esperando a cena acontecer próxima deles. O público abraça a ideia de que José e Maria estão muito cansados, sofrendo, porque precisam se deslocar, Maria está quase ganhando Jesus Cristo — afirma Roberta.
Na etapa final, como Papai e Mamãe Noel, ocorre o que os artistas chamam de efeito Disney. É o fim da história bíblica para o começo da parte lúdica do Natal, que inclui os dois personagens, bailarinas vestidas de ajudantes do Papai Noel, e canções tradicionais, como All I Want For Christmas Is You, hino natalino cantado por Mariah Carey e interpretado no espetáculo pela cantora Laura Dalmás (leia mais abaixo).
— É onde a magia acontece — resume Roberta.
"O desafio é inovar, sem perder a essência", diz diretor do espetáculo
Nesta temporada, o Nativitaten é dirigido por um gramadense. A tarefa de renovar o tradicional espetáculo natalino coube a Heitor Knorst, um trabalho que se iniciou ainda em fevereiro deste ano, logo após o término da temporada 2022/2023. Knorst não é um estranho no ninho: participa do Nativitaten desde 2003 em diferentes funções, como maestro, músico, coordenador, entre outros.
Desta vez, assumiu com a tarefa de aproximar o público da apresentação. Por isso, a ideia de fazer José e Maria caminharem próximos dos espectadores nas arquibancadas. Em outro momento, os espectadores acendem velas e fazem um bonito espetáculo ao som de Noite Feliz, onde a apresentação para e o público canta à capela.
Para esta edição, o palco ficou oval, permitindo atender melhor os espectadores e 10 metros mais próximo do público em relação à estrutura do ano passado, a primeira no Serra Park. Tradicionalmente, a apresentação era realizada no Lago Joaquina Rita Bier.
— É muito difícil fazer um espetáculo em um lago, onde tu tem o palco no meio da água e que estivesse mais próximo do público. O desafio é inovar, aproximar e não perder a essência do Nativitaten. Quando o público vem, ele quer, em algum momento, fazer parte do espetáculo. Acredito que em alguns anos existiam dificuldades técnicas de se fazer isso, seja com som, iluminação. Pensamos isso desde a elaboração do projeto, que começa há muito tempo antes — conta.
Knorst entende que o sucesso do espetáculo é baseado no envolvimento do elenco e fez questão de priorizar artistas da Serra no elenco.
— Ano após ano, vi muitos artistas vindos de fora, mas entendo que temos uma gama muito grande de profissionais locais, fabulosos, pessoas que estão aqui para se doar. Mais de 90% do elenco é da região, valorizando quem é daqui. São pessoas escolhidas com muito carinho, que têm totais condições, que apresentam um trabalho tão bom ou melhor do que pessoas de fora— avalia.
Espetáculo tem 24 canções natalinas ao vivo
O Nativitaten é um espetáculo musical. Em uma hora de show, 24 canções natalinas são entoadas por seis cantores - uma espécie de ópera de Natal a céu aberto. Cinco deles ficam posicionados em quatro balsas em formato de globo, no lago, onde chegam com a ajuda de um barco. As vozes se revezam durante a apresentação. Na parte final do show, a tarefa de envolver o público com clássicos natalinos é da cantora Laura Dalmás, 25 anos, de Carlos Barbosa.
A preparação dos cantores começa duas horas e meia antes do espetáculo. Além da maquiagem, cabelo e do figurino, os artistas fazem exercícios para aquecimento vocal. Por estarem expostos ao clima, alguns usam uma roupa térmica por baixo do figurino. Laura faz uma apresentação de fôlego no fim, o que exige também exercícios de respiração.
Todas as músicas são ao vivo, sem playback. Essa temporada marca a estreia da cantora no Nativitaten, mesclando novidade e tradição, uma vez que os demais cantores possuem anos de experiência no espetáculo. Na apresentação, Laura canta, além de All I Want For Christmas Is You, Jingle Bell Rock e Santa Claus Is Coming To Town, dividida em versão inglês e português - mais um atrativo para envolver o público. Por fim, ela interpreta também Joy to the World.
A última canção do espetáculo, a 9ª Sinfonia de Beethoven, é interpretada por todos os músicos e o coral Vozes de Gramado.
— Aceitei o convite de prontidão. Eu tinha uma turnê no norte da Europa que durou cinco meses porque eu queria muito estar aqui participando disso tudo. Desde o início, soube que tinha que trazer a alegria, a graça, a animação e eu comecei a me preparar pensando em toda essa energia que eu deveria entregar — resume ela, que começou a carreira há 10 anos e soma trabalhos autorais e uma participação no reality The Voice Brasil, da TV Globo.
Natural de Porto Alegre, a cantora Débora Dreyer soma, ao menos, a participação em quatro temporadas do Nativiten. Ela fica nas balsas, à frente do palco, uma posição privilegiada de contato com o público.
— É emocionante porque, mais de perto, podemos quase que ver o olhar delas. É como fazer um show para cada uma delas. Cada ano é muito diferente — resume.
O tenor Pedro Copetti chegou a esta temporada do Natal Luz após ser o primeiro brasileiro a se apresentar, em 2022, como solista do Broadway By The Year, em Nova York. Para ele, além do carinho do público em geral, estar em Gramado também é uma chance de se apresentar para a família. Os pais, irmã e a avó assistiram a estreia da temporada em novembro.
— Cantar é o jeito mais puro de demostrar o que temos dentro da gente. E é poder cantar para uma comunidade de onde a gente veio. Quando eu estava nos Estados Unidos, eu não tinha a minha família na plateia, como eu tive a oportunidade aqui em Gramado. É outra sensação, é muito mágico — conta ele, natural de Iraí, no norte gaúcho.
O também tenor Roger Scarton participou do primeiro Nativitaten em 2001. Soma 17 temporadas no espetáculo, em diferentes funções.
— No primeiro espetáculo, eram apenas três tenores, na esteira dos concertos. Era um show relâmpago, com 35 minutos, não tinha nem arquibancada. As pessoas chegavam com as cadeiras para assistir. Ao longo dos anos, cantoras foram felizmente incorporadas, enriquecendo com novos timbres, personalidades. Assim também como os corais, com novos arranjos — relembra.
Bailarina flutua em bola inflável gigante
O roteiro do Nativitaten incluiu, neste ano, uma performance dentro de uma bola inflável gigante, chamada de waterball, que flutua sobre as águas do lago. Duas bailarinas são posicionadas dentro da estrutura e, com a ajuda de luzes, chamam a atenção do público nas arquibancadas.
Uma dessas artistas é a canelense Suelen Bonetto, 17 anos, que está na quinta participação no Natal Luz.
— As pessoas me perguntam se tenho medo de estar na waterball, mas é muito legal. A parte mais legal é quando a equipe está me puxando para ir para o centro do lago e parece que estamos surfando. Sinto a água, o céu estrelado, é muito legal. A gente tem 10 minutos de tolerância para não terminar o ar — conta ela, sobre a experiência na bola gigante.
Ela começou a fazer as audições em julho e conquistou a vaga. Desde então, participou de ensaios em todos os finais de semana para aprender a coreografia. Além de dançar na waterball, Suelen tem outros dois papéis no espetáculo: interpreta ajudantes do Papai Noel e Noelas, na parte final do show.
Por isso, precisa voltar ao menos duas vezes ao camarim para trocar o figurino e voltar ao palco. O grupo todo se ajuda para dar conta das demandas.
Além do Nativitaten, participa de outros dois espetáculos do Natal Luz: a Paradinha de Natal e o Grande Desfile.
— Eu sempre gostei de tirar sorriso de criança. É poder doar o nosso Natal para as outras pessoas, fazer elas entrarem no nosso mundo e sorrirem — conta.
Equipes de serviço dão show nos bastidores
Do início ao fim, o espetáculo é acompanhado de fogos de artifício, que levam ainda mais beleza para a apresentação natalina. São mil disparos, todos eles automatizados, e sob a responsabilidade do goiano Ismael Xavier, 44. Pelo segundo ano seguido, ele deixa Goiânia e se muda para Gramado durante três meses para fornecer os foguetes.
Os fogos ficam localizados em balsas, nas laterais do lago e próximas ao palco. O acionamento é programado por um software de computador e controlado por Ismael de uma cabine próxima das arquibancadas, a mesma onde se cuida do som, do telão e das luzes do espetáculo.
— O espetáculo começa com uma narração e, a partir dos dois minutos e 47 segundos, o sistema entende que precisa lançar os primeiros fogos do show. Não preciso fazer nada, o computador trabalha durante todo o espetáculo. Eu assisto para saber se preciso agir, se algo acontecer. É muito mágico. Quando acabam os fogos e a galera grita, aplaude, é muito gratificante — comenta ele, que faz parte de uma equipe de três pessoas responsáveis pelo serviço.
Trabalhar por temporada em Gramado também permite conhecer a região. Nas folgas, descobriu o jogo de bocha, uma tradição na Serra. Por aqui, o Natal Luz é um dos maiores clientes de Ismael. A empresa dele também é responsável pelo show de fogos de artifício na virada do ano em praias cariocas e capixabas.
Quem também dá show nos bastidores é a equipe responsável por receber, controlar e acomodar quem comprou ingresso para assistir ao espetáculo. A gramadense Mila Fisch, 41, soma mais de duas décadas no Natal Luz e coordena uma equipe de 65 pessoas que dão esse suporte.
O acesso é feito por três catracas, onde o espectador apresenta o ingresso e acessa as arquibancadas.
— Somos a linha de frente, a cara do Natal. Recepcionar bem pode mudar a experiência dessa pessoa na cidade. Temos a impressão de que o Natal começou mais cedo neste ano, tivemos muito público em novembro, e em dezembro é lotação máxima em quase todos os espetáculos. O Natal é a nossa galinha dos ovos de ouro. Permite nos manter nos meses que não tem tanto movimento na cidade, é fazer uma gordurinha — comenta.
Os assentos não são numerados e quem chega com antecedência consegue o lugar com a melhor vista para o local. O apoio das equipes é constante: quem chega após o início do espetáculo, quando as luzes se apagam, os profissionais acendem lanternas que permitem o público ter mais segurança ao subir as escadas e encontrar o melhor assento.
— Quem trabalha no Natal Luz faz isso por amor. São 90 dias de dedicação, que precisamos bem receber a todos — afirma.
Serviço:
- O quê: Nativitaten
- Onde: Serra Park, na Rua Henrique Belotto, 100, Bairro Três Pinheiros, Gramado.
- Quando: Sempre às quartas e sábados, até 20 de janeiro de 2024, às 21h
- Quanto: Ingressos variam de R$ 138 a R$ 385. Estacionamento custa R$ 40 para carros de passeio.
- Onde comprar: Site oficial do Natal Luz