Série Gavetas da História promove o reencontro de personagens que marcaram a trajetória do Pioneiro com antigas fotografias e jornais. Confira:
Nem uma década havia passado desde o fim do regime militar, em 1985, e o Brasil vivia sob a gestão do segundo presidente desde que a Constituição de 1988 entrou em vigor: Fernando Collor de Melo. Eleito em 1989, Collor foi o primeiro presidente que chegou ao poder pelo pelo voto popular em 30 anos — o último havia sido Jânio Quadros, em 1960. Após medidas impopulares e denúncias de corrupção, em 26 de agosto de 1992, cerca de 300 mil pessoas se reuniram por todo o país para pedir a queda do presidente.
As manifestações foram lideradas, principalmente, por movimentos estudantis, que contavam com o apoio de sindicatos para organizar e convocar a população para as ruas. Em Caxias do Sul, cerca de 10 mil pessoas reuniram-se no Largo de São Pelegrino e caminharam em direção à Praça Dante Alighieri, pedindo a cassação e até a prisão de Collor. Um dos organizadores caxienses era Pedro Pozenato, na época diretor de comunicação do Sindicato dos Metalúrgicos e representante da Central Única dos Trabalhadores (CUT).
Aos 74 anos, Pozenato recorda que, no início da mobilização, a impressão que tinham era de que a população caxiense não se engajaria na manifestação, e que, portanto, Caxias não participaria dos protestos que ocuparam as ruas em todo o Brasil.
— A onda nacional da juventude vinha participando, e a imprensa na época dava muita oportunidade para falar sobre isso. O movimento foi ganhando força, fizemos pequenas manifestações nos bairros, pequenas reuniões, e a gente circulava com o caminhão de som pelos bairros e pelo centro, chamando a população e fazendo a denúncia do 'Fora, Collor'. Aos poucos, as pessoas iam se aglutinando, iam participando, e resultou num movimento razoável.
Pauta além do impeachment
Em nível nacional, o movimento dos estudantes ganhou destaque, tornando-os conhecidos como "caras pintadas", pela forma com que os jovens pintavam os rostos com as cores da bandeira nacional.
— O que caracterizou a composição desse movimento foi a participação da juventude. Mas teve uma participação importante do movimento sindical, dos trabalhadores de fábrica, de moradores de bairros. Como era muito unificada essa luta, ela resultou numa participação mais plural. Não era uma manifestação estudantil, era uma manifestação da sociedade — conta Pozenato, que lembra que, em Caxias, quem liderou o movimento como entidade foi o Sindicato dos Metalúrgicos:
— O Collor tinha confiscado a inflação do mês anterior (os salários eram reajustados mensalmente de acordo com a inflação do período) e isso mexeu muito com os sindicatos. Tinha a questão da corrupção, que era o principal para a mobilização, mas tinha também a luta contra as privatizações e contra o desemprego.
Apesar dos movimentos terem sido pautados por questões que afetavam a vida de boa parte da população, a mobilização para atrair a comunidade à manifestação dependia da comunicação boca a boca, já que não existiam smartphones e redes sociais — meios amplamente utilizados para organizar as grandes manifestações no Brasil na última década. Portanto, as lideranças passavam em paradas de ônibus, portas de empresas e na Universidade de Caxias do Sul para atrair novos manifestantes.
Sentimento de esperança
O confisco da poupança "gerou uma grande revolta, uma frustração muito grande" para a população, lembra Pozenato. A medida fazia parte do Plano Collor, um conjunto de reformas econômicas implementadas em 16 de março de 1990, um dia após a posse de Fernando Collor na presidência. O objetivo era estabilizar a inflação, que em 1989 tinha média mensal de 29%. Por isso, a grande união da população pedindo a queda do presidente causou uma "satisfação grande" para o líder sindical.
— A gente tinha convicção de que aquela luta seria vitoriosa nacionalmente. A medida de confisco da poupança gerou uma espécie de estopim na população, porque era muita revolta. É claro que esse sentimento na população e nos movimentos captavam essa esperança de mudança, a esperança de que, tirando o Collor, as coisas iriam melhorar. Esse era o sentimento que pautava a participação das pessoas.
Um mês depois, em 29 de setembro, a Câmara dos Deputados aprovou o impeachment de Fernando Collor de Melo, que foi afastado da presidência. Em 29 de dezembro, Collor entregou sua carta de renúncia, horas antes de ser condenado pelo Senado por crime de responsabilidade. Além de ter suspensos os direitos políticos por oito anos, Fernando Collor também ficou marcado como o primeiro presidente eleito por voto popular da história do Brasil a ser afastado por vias democráticas.