"Meu alegre coração palpita, por um universo de esperança. Me dê a mão, a magia nos espera". Quando escutava Sorriso Resplandecente, trilha do desenho animado Dragon Ball, Jonatas Ari de Lima Mota, 32 anos, nem imaginava que, um dia, poderia ter a música como guia no pior momento da sua vida. O policial militar foi atropelado na BR-116, em Caxias do Sul, durante uma ocorrência em 13 de setembro. Em coma, ele ouviu quando a companheira colocou a música tocar e acredita que essa foi uma das coisas que o fez sobreviver.
Era - e será - a música que Mota vai entrar no seu casamento com a companheira Tatiane Dresch. Enquanto ela colocava a música, na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Pompéia, quando o brigadiano estava em coma induzido, ele, num misto de pensamentos incontroláveis, ouvia a canção e pensava que podia morrer sem ter casado. Em estado grave, Mota ficou na UTI por 15 dias, 12 deles inconsciente, e mais uma semana internado. A alta ocorreu no último dia 5.
— Meu corpo estava inconsciente, mas minha mente não parava. Sonhos intensos, pesadelos, alucinações, momentos de clareza. Não ter resolvido uma picuinha com alguém, não ter formalizado a relação, ir e deixar ela (Tatiane) sozinha, sem um fruto meu. Algo que me trouxe de volta é que, mesmo em coma, eu ouvia a voz da minha companheira falando comigo. Isso me deu muita força para voltar. E ela pôs essa música, eu escutei e, assim que consegui falar, perguntei se ela havia colocado. Eu ouvi. Eu saí da escuridão — relata Mota.
Tatiane complementa:
— Eu sabia que era a música que ele queria entrar (no casamento). Essa música uma hora fala "me dê a mão, para sair dessa escuridão", a música chama alguém, era perfeita para o momento.
Mota fraturou 12 costelas. Nas palavras dele, os ossos viraram navalha. Inclusive, perfuraram o pulmão. Ele conta que, maior que o medo de morrer, era a luta do corpo e da mente para sobreviver. Resiliência que, em alguns momentos, também o prejudicou, como na hora de ser entubado.
— Precisaram me dar quatro sedativos para conseguir me entubar. Eu não deixava, o corpo estava sempre na defensiva. O que me salvou foi meu sargento ter feito os primeiros socorros na hora do atropelamento, o atendimento do Samu e toda equipe do Pompéia. Na hora (que foi atropelado), eu só pensava nos colegas que morreram na mesma situação — comenta Mota.
Lembranças do atropelamento
O atropelamento aconteceu no cruzamento da BR-116 com a Rua Luiz Michielon. Ao ir de encontro à barreira, o homem que fugia em um Fiat/Palio vermelho atinge o policial, que acaba sendo jogado para o alto com a colisão e caindo no chão. Imagens de câmeras de segurança registraram o momento do atropelamento.
Conforme a BM, a perseguição iniciou no bairro Bela Vista, quando uma equipe visualizou o veículo em movimento com as luzes e o alerta sonoro do alarme ligados. Neste momento, os policiais suspeitaram de possível furto ou roubo e iniciaram a tentativa de abordagem. Sabendo da situação, uma outra viatura teria feito o bloqueio para tentar parar o homem, no cruzamento onde houve o atropelamento.
Nesta viatura estava Mota, que desceu do carro oficial, tentou uma abordagem no meio da rua e foi atingido pelo veículo. Após o atropelamento, o Palio colidiu na viatura que bloqueava a via.
O policial conta que lembra de tudo. Segundo ele, foi para o meio da via para proteger as pessoas que estavam no entorno do cerco policial. Antes de ser atingido pelo Palio, Mota faz sinal para que alguém não saia do veículo, olha para frente e vê o carro na sua direção.
— Só pensei em pular para não ser atingido em cheio. No ar, via tudo girando e rezava para não cair de cabeça. Acabei caindo na lateral da viatura, com as costelas. Uma cena de filme, eu no chão, o sangue, a chuva caindo, os colegas vindo na minha direção — diz, já conseguindo descontrair com a situação.
Passada a luta pela vida, entre dias bons e outros nem tanto, uma sessão de fisioterapia e outra, Mota começa a viver a vida 2.0, de acordo com ele. Quer aprender a dançar, tocar violão e voltar a ter possibilidade física para retornar ao trabalho no 12º Batalhão de Polícia Militar (BPM), outra paixão da sua vida.
Neste domingo (15), além de completar dez dias em casa ao lado dos pais, que vieram de Santana do Livramento - cidade natal do PM - acompanhar a recuperação do filho, ele também comemora quatro anos morando junto com Tatiane. Mota também celebra a oportunidade de poder agradecer, em vida, a tudo que os colegas de farda fizeram por ele.
— Não vou deixar que a vida atrapalhe uma vida tão bonita que podemos viver juntos. Acho que esse é um dos aprendizados que a gente passa por uma experiência de quase morte. Foi um mês complicado? Sim, foi. Mas espero que nessa nova vida, eu viva muitas coisas.