Em novembro, o Pioneiro completa 75 anos de histórias emocionantes e de fatos marcantes na Serra. Para celebrar, acompanhe a série Olho Mágico, que mostra os bastidores de lugares simbólicos de Caxias do Sul onde poucas pessoas entram ou que quase ninguém tem acesso.
A presença de uma casinha simples no topo de um imponente prédio no Centro da cidade desperta curiosidade dos olhares mais atentos há sete décadas em Caxias do Sul. Simbólica, a estrutura de madeira foi instalada no último pavimento do prédio da antiga metalúrgica Abramo Eberle, na Rua Sinimbu, que, até a década de 1950, era o edifício mais alto da cidade. Um espaço onde pouquíssimas pessoas podem acessar e que segue com uma vista privilegiada de Caxias mesmo que agora outros prédios ainda mais altos façam companhia ao império construído no século passado.
Não é por acaso que a estrutura está no alto do prédio. A casinha de madeira do terraço reproduz a funilaria onde o império do empresário Abramo Eberle começou, em 1896. A réplica foi instalada na cobertura em 1946 para celebrar os 50 anos da então empresa mais famosa da cidade. A casa original também ficava na Rua Sinimbu, próxima do principal acesso ao imponente prédio, que foi revitalizado, preservado e transformado na última década em um centro comercial e cultural, batizado de Pátio Eberle.
Para chegar até a casinha é preciso seguir de elevador até o sexto andar do prédio para, em seguida, subir mais um pavimento por uma escada de emergência e, então, acessar a área externa da cobertura. A última porta que dá acesso ao terraço fica trancada e somente funcionários do edifício possuem a chave. No lado de fora, ainda em direção à réplica, é necessário subir mais dois lances de escada, passar por duas portas igualmente trancadas de uma pequena estrutura de alvenaria e, então, chegar ao local onde fica a estrutura.
A casinha, para quem a observa da rua, parece ser muito maior do que realmente é. A réplica possui 1,80 metros de altura e 3,60 metros de comprimento - medidas que inviabilizam, por exemplo, que alguém permaneça por muito tempo dentro da estrutura. Segundo os funcionários do prédio, um dos questionamentos mais frequentes da comunidade é se alguém, de fato, mora na casa.
A única forma de acessar o interior da réplica é por meio de um pequeno alçapão na parte de baixo, que permite observar o ambiente sem tirar os pés do solo. Não há nada dentro da casinha, exceto três luminárias posicionadas para iluminar a estrutura à noite.
Para manter o patrimônio preservado, trabalhos de manutenção, principalmente serviços de impermeabilização para evitar o desgaste da madeira, são feitos todos os anos. Produtos como verniz também são aplicados para evitar que a casa seja consumida pelos cupins.
Se até o início dos anos 2000 o prédio estava literalmente jogado às pombas, a presença do animal ou de vestígios das aves é praticamente nula, principalmente na cobertura. Os vidros das janelas da réplica que simulam a porta da antiga funilaria estão intactos. Em 2014, quando o prédio passou a ser administrado pela atual empresa responsável pelo Pátio Eberle, a casinha foi reformada.
Na época, segundo a empresa, não havia mais vidros e a madeira da réplica destruída.
— A casinha estava muito feia, detonada, toda quebrada. Assim que a ocupação do prédio começou, um dos compromissos era revitalizar esse patrimônio tão importante para Caxias. Após a reforma, mantemos a manutenção do espaço todos os anos, um serviço terceirizado, que nós acompanhamos porque temos compromisso em manter essa história viva e bem cuidada — conta o zelador Valdenir Araújo Carvalho, 33 anos, conhecido por todos como Maranhão, responsável pela manutenção do edifício.
O entorno da casinha é protegido por uma estrutura metálica, a mesma que sustenta a réplica e a impulsiona para ser vista quase que flutuando por quem a observa da rua. Mesmo assim, a restrição da circulação de pessoas no terraço - e consequentemente para conhecer a casinha - é justificada pela segurança.
Nenhum dos poucos visitantes autorizados a conhecer o espaço pode passear pela cobertura sem a presença de algum funcionário do prédio. Somente neste ano, 15 pessoas foram autorizadas a visitar o espaço, entre professores de história, arquitetos e jornalistas.
Degraus até o topo do relógio
Se a casinha de madeira chama a atenção para descobrir detalhes do seu interior, a torre do relógio do Eberle desperta a curiosidade pela vista ainda mais privilegiada de Caxias do Sul.
Mas, para contemplar, é preciso resistência para chegar até o topo do relógio. A partir do sexto andar do prédio, em uma espécie de labirinto, é necessário passar por três diferentes portas e quatro longas escadas retas de madeira - totalizando 65 degraus. Em um dos ambientes é possível ver o mecanismo que faz o relógio se movimentar e os sinos baterem.
Após, a primeira parada é no local onde ficam os dois sinos, que levam a marca da firma Irmãos Bellini & Cia Ltda, de Canoas. O maior deles pesa 677 quilos e o menor, 307.
Conforme informações contidas no primeiro volume do Boletim Eberle, datado de junho de 1956, e publicadas na coluna Memória, do jornalista Rodrigo Lopes, o relógio foi construído pela Indústria e Comércio de Relógios Públicos Schwertner Ltda, de Estrela. Os ponteiros do relógio são de ferro e esmaltados a fogo, que medem 1,71m (o dos minutos) e 1,14m (o das horas).
— Anos atrás era sempre programada a manutenção para alterar os ponteiros em razão do horário de verão. Uma empresa especializada fazia o ajuste. Agora, acertar os ponteiros é uma tarefa feita esporadicamente, apenas quando há queda de energia, que o relógio pode parar — explica o zelador Valdenir Araújo Carvalho.
Na parte estrutural, possui um mostrador de quatro faces, de 3,2 metros cada uma, e está assentado sobre uma coluna de 5,7 metros. Compreendendo os mecanismos dos ponteiros e do relógio, mais os sinos, a torre soma 14,2 metros.
Todo o esforço recompensa: do alto do topo do relógio, é possível observar a expansão do bairro Exposição, principalmente o Centro Administrativo, que, na época da inauguração da torre, sediava a Festa da Uva.
De outro lado, mesmo que com certa vertigem, é possível ver a circulação dos carros na Sinimbu, os vizinhos dos prédios do entorno, o verde das árvores da Praça Dante Alighieri e, mais ao fundo, os pavilhões da Festa da Uva, as arquibancadas do Estádio Alfredo Jaconi e o Aeroporto Hugo Cantergiani.
"Me sinto honrado em trabalhar aqui", diz zelador responsável pela manutenção do prédio
Cuidar da casinha e do relógio é uma tarefa do zelador Valdenir Araújo Carvalho, 33 anos, conhecido por todos como Maranhão. O apelido faz jus ao estado de origem do funcionário, que chegou em Caxias há 13 anos, trabalhou em uma metalúrgica e depois foi admitido pela GCI Investimentos, empresa que adquiriu a estrutura da antiga fábrica e que administra o Pátio Eberle.
Maranhão é responsável por cuidar de toda a estrutura de cerca de 20 mil metros quadrados, localizada no quarteirão entre as ruas Sinimbu, Borges de Medeiros, Os Dezoito do Forte e Marquês do Herval. O imóvel é considerado patrimônio histórico de Caxias desde 2006. Fica sob os cuidados dele todas as chaves que permitem acessar os espaços mais reservados do prédio.
— Eu não conhecia a história desse prédio e sempre me chamava a atenção a casinha, o relógio. Foi então que fui contratado pela empresa que administra o prédio, e tomei conhecimento do que se tratava, da importância para a cidade. Eu me sinto honrado, privilegiado em trabalhar aqui — conta ele, orgulhoso.
A maior conquista de Maranhão, segundo ele, é poder ver um prédio antes abandonado e que agora se transformou em um espaço de convivência e de novos negócios.
Terraço do Eberle
- Casinha de madeira reproduz a funilaria onde o império do empresário Abramo Eberle começou, em 1896
- A réplica foi instalada na cobertura em 1946 para celebrar os 50 anos da empresa
- A casa original também ficava na Rua Sinimbu, próxima do principal acesso ao imponente prédio
- A casinha é vazia e somente luminárias estão dentro do local
- A torre do relógio foi inaugurada à meia-noite do dia 31 de dezembro de 1955
- O acesso ao terraço é restrito, segundo a administração do edifício, por questões de segurança
- A estrutura total do prédio tem cerca de 20 mil metros quadrados, localizada no quarteirão entre as ruas Sinimbu, Borges de Medeiros, Os Dezoito do Forte e Marquês do Herval
- O imóvel é considerado patrimônio histórico de Caxias desde 2006
- Após anos abandonada, a estrutura foi adquirida pela GCI Investimentos e revitalizada, assim como os símbolos presentes no terraço.