Eles ainda têm bastante tempo para decidir quais caminhos querem trilhar na vida adulta. Se querem ter uma profissão. Se sim, qual vão seguir. Infinitas possibilidades e infinitos sonhos. Mas três crianças de Caxias do Sul e uma de Farroupilha já dão sinais que estão se espelhando nos pais e dizem querer herdar a profissão.
Neste Dia das Crianças, a reportagem ouviu futuros bombeiro, bailarina, profissional automotivo e CEO de empresa, além de seus pais que, ficam animados em ter sucessores, ao mesmo tempo em que mostram respeito caso a escolha não perdure pelos próximos anos. Afinal, a escolha da profissão vem só depois de muitos anos, sonhos e da imaginação fértil típica da infância.
O desejo de ajudar o próximo
Em um momento em que muitos gaúchos e gaúchas precisaram de força e solidariedade, quando enchentes atingiram diversos municípios do Rio Grande do Sul, tirando a vida de 51 pessoas, Pedro Custódio, oito anos, estava na sede do 5º Batalhão de Bombeiro Militar, na Rua Vinte de Setembro, ajudando a carregar mantimentos para as pessoas atingidas. Conforme o pai e bombeiro, Mauro Custódio, o pedido para ajudar partiu do filho.
— Tinha um monte de coisas para ajudar as pessoas nos alagamentos. Coloquei água e roupa nos caminhões — conta Pedro, tímido.
O menino frequenta o batalhão desde bebê e acompanha o pai em atividades permitidas, dentro do quartel, e também em datas especiais, como os desfiles de Sete de Setembro e do Dia do Gaúcho. Também, desde pequeno, ganha uniformes do pai de bombeiros. Mauro explica que nunca forçou que o filho seguisse na profissão do genitor. Segundo Pedro, o desejo em ser bombeiro é de ajudar as pessoas e salvar os animais.
— Ele sempre manifestou essa vontade de seguir nessa profissão de bombeiro, nesse intuito de ajudar as pessoas, salvar vidas e patrimônio. Aí, ao longo do tempo, ele foi tendo apreço maior pela profissão. Hoje, ele faz natação e diz que também quer ser guarda-vidas no período de verão, para poder auxiliar as pessoas que acabam se afogando no nosso litoral — diz o pai.
Mauro comenta que o altruísmo do filho também é notado pelos professores desde a pré-escola. Nas avaliações, sempre conta a observação que Pedro busca ajudar os colegas quando preciso e também atua como um líder na sala de aula. Enquanto o filho mantém o desejo de entrar para a corporação, Mauro tem um anseio:
— Que a profissão seja mais valorizada para as futuras gerações de bombeiros e que eles consigam evoluir tanto na questão técnica quanto na questão de equipamentos para que, em cima disso, eles possam entregar um bom serviço para a sociedade.
Do plié ao figurino
Quem conversa, mesmo que rapidamente, com a Cecília Kerber Brusa, oito anos, logo percebe convicção na sua fala. Ao chegar no Núcleo Artístico Ballet Margô, é ela quem apresenta o espaço, criado pela sua avó, Margô Brusa. Cecília também fala de coreografias que vem treinando e até de figurinos que ajudou a criar.
— Eu que falei para o pai que queria mesmo (começar a dançar). Eu amo estar no palco — afirma a menina, enquanto se alonga do chão, faz aberturas com as pernas e tem uma inquietude típica de criança - e dançarina.
Ela ainda brinca que gosta do fato da avó ter uma escola de balé, afinal, de acordo com ela, "não precisa pagar, né?". Além de Margô, Cecília tem como companheiros nesta caminhada a mãe e bailarina, Daiane Hartmann Kerber, e o pai e diretor artístico, Matheus Brusa.
— A gente sempre teve esse receio, como nós dois trabalhamos com isso desde sempre, a gente não queria que fosse algo forçado para ela, tipo "ah, ela só vai dançar porque a gente dança ou porque a avó tem escola". A gente sempre deixou ela meio livre. Ela se enfiou — compartilha Daiane.
O primeiro contato direto foi aos dois anos, quando, sem que os pais vissem, Cecília participou de uma aula.
— A gente nem queria que ela ainda fizesse aula, porque geralmente é só a partir dos três anos, e ela tinha dois quando começou. Ela entrou na sala um dia, sem a gente ver, e fez aula junto. Aí a professora disse que ela conseguia super acompanhar já. É uma delícia estar com ela aqui — celebra a mãe.
O pai, Matheus, conta que esse processo não foi tão natural para ele. O também coreógrafo só foi começar a se envolver na escola da mãe aos 18 anos. Além dele, a irmã, Katherine, também atua no local como professora.
— A gente tinha essa preocupação porque algo forçado traumatiza, afasta. É imensurável o quanto fico feliz em poder ver a continuidade. Imagina para minha mãe, os dois filhos e agora a neta. Ela (Margô) está realizada — relata Brusa.
E com a postura de bailarina, Cecília finaliza:
— Eu vou ser professora de balé, professora de jazz e artista plástica.
O vrum, vrum do papai e do vovô
Davi Mauri, dois anos, ainda não fala todas as palavras, mas os olhos e os dedos apontados já mostram o que desperta o interesse do pequeno. Quando não está na escolinha e precisa passar um tempo com o pai, Fernando Mauri, a recreação é no centro automotivo Mauricar, estabelecimento da família.
Ainda sem conseguir dar uma entrevista, Davi leva a reportagem conhecer carro por carro. Aponta para pneus, olha o que os colaboradores da empresa estão fazendo, corre e grita pelo espaço. Conforme o pai, o filho tem a rotina de chegar, tomar um chocolate quente e começar a brincar no escritório.
— Ele tem um brilho nos olhos, que temos quando a gente gosta de uma coisa. Ele vem, ele mexe, ele vê os funcionários fazendo e quer fazer igual. Isso me espanta. Ele gosta de tomar um chocolate, aí ele se solta e começa a brincar nos prismas (numeração para identificar o carro no centro), aí ele fica no balcão, mexendo nos papéis, como se fosse fazendo cálculos — relata Mauri, emocionado enquanto fala.
O empresário brinca que Davi puxou a seriedade do avô paterno, Leocir. Mas quando o assunto é a paixão do pequeno pelo centro automotivo, não tem quem não mareje os olhos ou embargue a voz na família. Davi pode vir a ser a quarta geração a gerir a Mauricar, que foi aberta pelo seu bisavô, em 1958.
— Eu comecei a trabalhar aqui com 17 anos. Já são 62 anos. Davi não é igual ao pai, o Fernando não brincava de carrinho, ele brinca — diz Leocir.
De fato, Fernando conta que o interesse em assumir o negócio da família só surgiu quando o pai e o tio falaram em fechar o estabelecimento para descansar. Já para Davi até um uniforme foi feito e entregue no início desta semana para que o pequeno fique tranquilo: o atual desejo foi entendido pela família.
— Ele é difícil até para sorrir. Quando viu o avô com a camiseta da empresa, nós três estávamos muito emocionados, ele abriu um sorriso que vou lembrar para sempre — se desmancha Fernando.
Uma futura mulher à frente dos negócios
Com crachá de aprendiz, mas sem deixar de lado o estilo do início da adolescência, Valentina Inácio, 12, conhece todos os colaboradores da empresa Malta, a qual seu pai, Altair Inácio, é diretor. Dá para dizer que o cargo ainda é dele, pois em reuniões com representantes, clientes e em feiras que Valentina vai, quem conhece a dupla já tem por unanimidade que a CEO da Malta é a adolescente:
— Ela vinha para empresa, trazia ela junto comigo, principalmente no sábado. Uma das coisas que me marca muito foi que ela tinha um potinho, ia na fábrica e juntava porcas e parafusos caídos no chão. Aí ela vinha na sala, entregava o potinho e dizia "pai, eu fui trabalhar, agora tu tens que me pagar" e também dizia para o meu sócio. Aí ela começou a ter esse gosto pela fábrica — conta Altair.
Visivelmente, Valentina já está a par de muitas questões da empresa de utensílios domésticos. Toda segunda-feira, a adolescente passa a tarde no local com o pai. Ela conta, ansiosa, que deve começar a ir também às terças-feiras.
— Desde pequena, eu fico rondando pela empresa, eu ajudo, o pessoal do escritório todo mundo me conhece, tem uma ligação comigo. Já fui a representantes com meu pai, a clientes. Eu gosto muito de conversar com as pessoas, é muito legal, gosto de dar uma passeada na fábrica, todo mundo é muito gentil comigo — compartilha Valentina, que já participou também de viagens a negócios.
Esse envolvimento é desejado e solicitado por ela, conforme o pai.
— Eu sempre digo para ela "filha, se tu quiser tocar a empresa, tu pode tocar. Agora, se tu achar que não é o que tu queres, não precisa, não é uma obrigação". Nós, como pais, com certeza queremos ela à frente do negócio, porque é um sonho nosso, é a perpetuação da empresa, mas eu também não posso obrigar ela a fazer algo que não gosta — afirma Altair.
Valentina empolga-se com a possibilidade de assumir o negócio e também ver uma mulher como CEO na empresa.
— Agora está sendo bem trabalhado isso, a questão do feminismo, com palestras, até aqui na empresa tem bastante coisa que fale sobre isso. Acho que a nova geração vai ter mais igualdade — prevê.