Um estudo desenvolvido por um professor e uma estudante do Centro Universitário da Serra Gaúcha (FSG) revelou que foram perdidos 34,5 mil anos potenciais de vida em decorrência de suicídio em Caxias do Sul. A pesquisa, em parceria com a Secretaria Municipal da Saúde, levou em consideração a expectativa de vida das pessoas que morreram entre 1996 e 2019 por lesões autoprovocadas intencionalmente.
O material foi apresentado em novembro de 2022 no 13º Congresso Brasileiro de Saúde Coletivo realizado na Bahia, e na semana passada na Câmara de Vereadores, trazendo luz sobre o Setembro Amarelo, mês de prevenção ao suicídio no país.
O levantamento mostra que, nos 23 anos analisados, 915 pessoas tiraram a própria vida no município, sendo 743 homens e 172 mulheres. Para o psicólogo, professor e pesquisador Maiton Bernardelli, que conduziu a pesquisa juntamente com a agora psicóloga Liengred Barbosa Cardoso, as altas taxas relacionadas ao público masculino podem estar ligadas a questões culturais, ao machismo, ao baixo cuidado com a saúde mental por parte deste grupo, além de dificuldade em acessar os serviços de saúde.
Acompanhe a entrevista completa abaixo.
Pioneiro: Como surgiu a ideia de pesquisar sobre o assunto, visto que, apesar das campanhas, o suicídio ainda é tratado com certo tabu pela sociedade?
Professor Maiton: Eu trabalho com dados epidemiológicos e já trabalhei esse mesmo estudo com indicadores do HIV em Porto Alegre. Estava com uma bolsista (Liengred Barbosa Cardoso) e estávamos decidindo um tema para seguir os estudos epidemiológicos e decidimos tratar sobre o suicídio, um tema pouco abordado no nosso município.
Como foi realizada a coleta dos dados?
Elegemos um período de tempo, desde 1996, que é quando os registros são mais fidedignos em relação ao acesso. São dados abertos e públicos disponíveis no DataSUS (sistema do Ministério da Saúde). Analisamos até 2019 porque apresentamos esse trabalho no ano passado e ainda não haviam sido disponibilizados todos os dados do período da pandemia.
Chama a atenção que das 915 mortes 743 são de homens e 172 são de mulheres. Por que, na sua opinião, as maiores taxas estão relacionadas ao público masculino?
São vários fatores. Tem um que é importante é o grau de letalidade. Os homens, geralmente, recorrem a meios mais letais. As mulheres, por vezes, conseguem ter um socorro. Outra questão é cultural, porque os homens não procuram muito cuidados em saúde mental. Além disso, uma das críticas que trouxemos, é que as ofertas de cuidado são mais voltadas ao público feminino. Também ainda há um machismo na nossa sociedade que perpassa essa situação. Geralmente, o homem busca o serviço quando já está doente.
Segundo o estudo, foram perdidos 34.539,50 anos potenciais de vida (o dado leva em consideração a estimativa de esperança de vida ao nascer que, para os residentes no município, é de 76,58 anos, segundo dados do IBGE em 2010). Poderia falar mais a respeito?
Pensando na expectativa de vida destas pessoas, elas deixaram de viver, em média, 39 anos. Temos que pensar todos os anos que elas deixaram de viver, o tempo que poderiam ter convivido com seus familiares, com as pessoas que tinham vínculo com elas. E, sobre a parte produtiva, (refletir sobre) as contribuições sociais que elas poderiam ter, pensando não só na parte financeira, como na construção coletiva com a sociedade.
E por que ainda há dificuldades em falar sobre o suicídio e qual a importância de tratar do tema?
São várias as perspectivas. Primeiro, há um questão de preservação da família e da identidade de quem faleceu. Segundo, também há vários indicadores que, por vezes, as pessoas em quadros graves se sentem legitimadas a fazê-lo. Por isso, é preciso ter todo um cuidado ao divulgar esses indicadores. Desta forma, as campanhas como o Setembro Amarelo são muito mais para expandir a ideia do quanto é necessário buscar o cuidado (com a saúde mental). É um fenômeno que existe e acomete pessoas.
Para finalizar, quais são os caminhos para enfrentar esse problema?
Precisamos avançar muito em relação aos serviços que oferecemos, porque ainda temos redes precarizadas, onde não se consegue oferecer um serviço para todos. Temos que pensar em quem estamos conseguindo alcançar. Quando eu falo dos homens, por exemplo, acho que é uma lacuna. Eles acessam os serviços quando já estão com uma ideação suicida e aí conseguimos investir pouco na prevenção. Além disso, temos que fomentar a mudança cultural, de não atrelarmos a saúde mental à loucura, ao estar fora de si. Porque aí é como se as pessoas não precisassem acessar esse tipo de cuidado porque não se veem assim.
Procure ajuda
Caso você esteja enfrentando alguma situação de sofrimento intenso ou pensando em cometer suicídio, pode buscar ajuda para superar este momento de dor. Lembre-se de que o desamparo e a desesperança são condições que podem ser modificadas e que outras pessoas já enfrentaram circunstâncias semelhantes.
Se não estiver confortável em falar sobre o que sente com alguém de seu círculo próximo, o Centro de Valorização da Vida (CVV) presta serviço voluntário e gratuito de apoio emocional e prevenção do suicídio para todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo e anonimato. O CVV (cvv.org.br) conta com mais de 4 mil voluntários e atende mais de 3 milhões de pessoas anualmente. O serviço funciona 24 horas por dia (inclusive aos feriados), pelo telefone 188, e também atende por e-mail, chat e pessoalmente. São mais de 120 postos de atendimento em todo o Brasil (confira os endereços neste link).
Você também pode buscar atendimento na Unidade Básica de Saúde mais próxima de sua casa, pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), no telefone 192, ou em um dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) do Estado. A lista com os endereços dos CAPS do Rio Grande do Sul está neste link.
Como ajudar uma pessoa com depressão
- Mostre-se à disposição para escutar e tenha a mente aberta.
- Ouça sem julgamentos e não minimize o sofrimento da pessoa.
- Evite frases como "não é tão grave assim", "já passei coisa pior" ou "você não se esforça o bastante".
- Não demonstre pena e evite frases como "é difícil sua vida mesmo, não sei como você aguenta".
- Não coloque o foco em você. Durante a escuta, não fale sobre você. Escute.
- Reforce o quanto você gosta e ama a pessoa e destaque que ela é importante para você.
- Incentive a pessoa a buscar ajuda de uma psicóloga ou psiquiatra.
- Mantenha o contato periódico para saber como a pessoa está.
- Mostre que você está presente com frases como "estou do teu lado", "estou aqui para conversar" e "tua vida é muito importante".
- Pergunte de que forma você pode ajudar e se prontifique.
- Você enfrenta um momento difícil: ligue para o 188, voluntários do Centro de Valorização à Viva (CVV) estão disponíveis 24 horas por dia, sete dias por semana.
- Se uma pessoa próxima expressa vontade de se suicidar, leve a frase a sério (a maioria das pessoas fala sobre a vontade antes do ato) e encaminhe a pessoa para ajuda de um psicólogo ou psiquiatra.