Trocar o tênis pelo chinelo, o carro pela bicicleta e ter a areia e o mar como companhia no tempo livre são possibilidades de uma rotina mais leve para aqueles que preferem morar em Arroio do Sol. A explicação para que tantos gaúchos, principalmente da Serra, escolham a praia para fixar uma segunda residência é a vida mais tranquila no Litoral Norte. Por outro lado, isso acaba gerando um dado curioso. De acordo com o Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o município é o que tem mais moradias vazias do que ocupadas no país — de quase 19 mil, 4,5 mil possuem moradores fixos. A taxa de desocupação é de quase 76%.
A informação, porém, está longe de ser negativa para o município. A maior parte das residências vagas, ou cerca de 13 mil, são de uso ocasional. Ou seja, são ocupadas por turistas ou aqueles que têm a segunda casa na praia. É uma população flutuante que hoje, como notam os corretores de imóveis Edson Valim e Felipe Braga, movimentam Arroio do Sal aos finais de semana e feriados ao longo de todo o ano.
— Durante a semana é isso. Se tu vier no sábado, vai ver outro movimento e no verão, outro. São três movimentos. Pega um feriadão, tu vai ver 50 mil pessoas em Arroio do Sal. Eles (quem tem segunda casa na praia) usam no final de semana e no verão é que "bomba" — observa Valim, que atua há 25 anos no município.
Os corretores acreditam que além da tranquilidade da comunidade, a localização é um fator importante. Arroio do Sal sempre é lembrada, de forma bem-humorada, como um bairro caxiense. Mas não atrai apenas turistas e moradores de Caxias do Sul. Valim e Braga contam que a procura por imóveis na praia está crescendo entre moradores de Gramado, Canela, Picada Café, Carlos Barbosa, São Marcos, Flores da Cunha e até de outras regiões do Estado, como Santa Maria, Santa Cruz do Sul e Canoas.
— Arroio do Sal é um lugar tranquilo, tem bons restaurantes, tem boa saúde, tem opção para almoçar e jantar fora, tem imóvel barato. É uma série de fatores que vendem Arroio do Sal por si só — elogia Braga, que é delegado do Conselho Regional de Corretores de Imóveis (Creci) no município.
Conforme o IBGE, Arroio do Sal, que tem cerca de 11 mil habitantes — são 27 quilômetros de beira-mar — está entre as 53 cidades brasileiras, a maioria de litoral, com mais residências vagas do que ocupadas. São 18 milhões de moradias deste tipo em todo o país.
"Eu não quero sair daqui", diz caxiense que mudou-se para praia
Na tarde de segunda (10), a Avenida Assis Brasil — ponto tradicional de Arroio do Sal — possuía um leve movimento, bem diferente daquele de verão. Alguns moradores circulavam de bicicleta, outros, em sua maioria idosos, andavam pelas calçadas. O sossego também atrai aqueles que querem descansar na aposentadoria. É o caso de Sérgio Witt, 66 anos, que por uma recomendação médica vive há 10 anos no litoral. Antes, Witt morava em Caxias, onde administrava um estacionamento. O caxiense não sente falta da vida na cidade grande:
— Eu não quero sair daqui, ainda mais para voltar para cidade grande. Eu chego lá em cima (em Caxias), faço a voltinha e volto para cá.
A mesma rotina, que até faz o tempo passar mais devagar, também cativa as vizinhas Teresa Rocha da Rocha, 67, e Sirlei Sampaio, 76. Elas deixaram Porto Alegre há cerca de 10 anos e não se arrependem. Inclusive, passam o gosto de morar em Arroio do Sal para a família.
— Eu comecei a veranear e era tão bom que eu comecei a vir no inverno. Ficava 15 dias no inverno. Comprei minha casa aqui. Hoje, minha filha também tem casa aqui — conta Teresa, que relata que a filha vive na capital gaúcha, mas já tem a segunda residência no litoral.
O chamariz do trabalho online
No gabinete, com a presença do mascote da prefeitura, o gato Negão, o prefeito Affonso Flavio Angst (MDB), o Bolão, afirma que 800 novas construções foram erguidas no município em 2021, muitas delas de veraneio. O movimento nos finais de semana até surpreende a prefeitura.
— O aumento da participação das pessoas nessas casas aumenta mais. A maioria é pessoal da Serra, então se der um final de semana bom, o pessoal vem e desce. Até sexta passada, ficamos apavorados com o pessoal que veio para Arroio do Sal. Eles vêm e ficam até domingo de tarde — descreve o prefeito.
Como Bolão nota, existe também um fluxo criado pela presença de aposentados de outras cidades em Arroio do Sal, que é o de filhos e netos que querem visitá-los. Além disso, o prefeito comenta que com a pandemia, aumentou o home office na praia:
— Hoje tem também um crescimento enorme das pessoas que trabalham online. Ficam aqui uns dias da semana, depois outros dias vão para cidade onde têm empresa.
O político, que está há 35 anos na cidade do litoral, observa que com a mudança no perfil da população flutuante, uma parte do comércio local passa a ficar aberta também no inverno.
Faltam imóveis na festa de Ano-Novo
Quem acompanhou de perto o desenvolvimento de Arroio do Sal é o comerciante Edson Marinho, 52. Há 20 anos, ele deixou Carazinho para morar no Litoral — justo na praia que conheceu quando tinha 14 anos. Questionado sobre a mudança do perfil do município, que há 35 anos emancipou-se de Torres, Marinho reage aos risos:
—Ô, pra quem viu isso aqui lá atrás, Deus me livre.
Além de uma loja próxima à praia, ele ainda aluga imóveis para moradores fixos. É mais uma renda ao lado das vendas nos finais de semana da baixa temporada.
— É um dia pelo outro (no inverno). Verão é verão. Verão faz aquela gordura. (No inverno) Tem dias que vende bastante, tem dias que não tem ninguém. Mas no final de semana vende bastante — afirma o comerciante.
A mesma mudança de perfil é vista pelo corretor de imóveis José de Jesus, 77, conhecido como Zequinha. Morador antigo da praia de Areias Brancas, Zequinha, há 51 anos no mercado, lembra que uma vez os aluguéis partiam de 15 dias e chegavam até 60 dias no verão. Hoje, o mais comum é alugar por final de semana. Apesar disso, algo chama atenção do experiente corretor: na virada do Ano-Novo, a procura é tanta que há quem fique sem conseguir hospedagem em Arroio do Sal.
— Aí falta casa — atesta Zequinha.