Com esgoto a céu aberto, sem abastecimento de água e com iluminação pública e transporte público precários, as cerca de 400 famílias que vivem no loteamento Recanto das Cascatas, na localidade de Santa Bárbara, interior de Ana Rech, convivem com dificuldades para as tarefas básicas do dia, seja sair para trabalhar, lavar roupas ou levar os filhos para a escola.
As reclamações da comunidade envolvem a falta de atenção do Executivo caxiense com a estrutura de saúde pública, ausência de asfaltamento nas vias e a pouca oferta de transporte público, já que a comunidade só conta com quatro horários de coletivos, dois pela manhã e dois no início da noite. Aos finais de semana, não há transporte público.
Os problemas, de acordo com a presidente da Associação dos Moradores do Bairro (Amob), Patrícia Veiga Guterres, afetam diretamente a segurança, a saúde e o bem-estar dos moradores. Com esgoto a céu aberto, Patrícia teme que focos de dengue possam se desenvolver no bairro. Além disso, destaca que a falta de iluminação pública no loteamento causa insegurança aos moradores que trabalham no turno da madrugada em empresas.
— Eu mesma instalei uma luz na frente da minha casa para ajudar na iluminação, mas a gente vê que quando o pessoal desce do ônibus das empresas precisa ligar a luz do celular para enxergar — afirma.
Morador do loteamento há oito anos, Maico Fontoura conta que ele e os outros residentes do local precisaram comprar mangueiras para encanar água para as residências. Ele explica que a comunidade já tratou com o Samae sobre a necessidade do abastecimento de água tratada, mas que, por enquanto, o que abastece as casas são as mangueiras que ele e outros vizinhos improvisaram.
Uma das maiores dificuldades encontradas pela comunidade do loteamento é o transporte e a falta de estrutura nas ruas. De acordo com a presidente da Amob, os ônibus da Visate passam apenas na rua principal do bairro, o que torna o acesso difícil aos moradores, principalmente para idosos, crianças e deficientes físicos, que precisam subir e descer morros íngremes para chegar até a parada do ônibus.
Mãe de quatro filhos, Shirlei Conceição Mota conta que o caminho para que os filhos possam ir até a escola é difícil e eles, muitas vezes, já caíram e se machucaram em função da precariedade das vias. Ela conta que, com um bebê de colo e mais três crianças, já perdeu a conta de quantas vezes as crianças foram para a escola molhadas depois de caírem no trajeto de casa até a parada do transporte escolar.
— Eu moro em cima do morro e, quando chove, meus filhos não têm onde se abrigar para esperar o transporte escolar. As crianças vão para a escola embarradas, sujas... Aqui no bairro não tem escola, então eles vão na escola de Ana Rech ou no Parada Cristal. Aqui não tem lazer para eles, não tem um parquinho, uma quadra, nada — desabafa.
Histórico complexo
A situação complicada do Recanto das Cascatas começou por volta de 2009. Isso porque o loteamento era de propriedade do Banrisul que, em 1991, concedeu um financiamento para um antigo clube esportivo de Caxias do Sul, entidade atualmente extinta. Para conceder o empréstimo, o clube deu de garantia a área onde está hoje assentado o loteamento. Motivado pelo não pagamento da dívida, o Banrisul arrematou a área de 17,5 hectares em 27 de setembro de 2009, conforme consta no Registro de Imóveis da 2ª Zona de Caxias.
Desde que a propriedade nos limites da represa do Faxinal foi arrematada pela instituição financeira, posseiros tomaram conta do local e difundiram a informação de que eram os verdadeiros donos. Em seguida, repartiram os lotes e venderam a preços baixos. Na época, havia 30 casas no local.
Em 2012, o Banrisul tentou leiloar a propriedade por R$ 544 mil. Não houve interessados. Sem opção, em 2015 o banco abriu ação para reivindicar a área. Para evitar prejuízos às famílias que compraram os lotes, o advogado Rodrigo Balen abriu processo em maio de 2018 para exigir indenização aos moradores. A intenção era tentar um acordo com o banco. Em 2020, segundo o advogado Rodrigo Balen, ficou acordado entre Banrisul, Ministério Público (MP) e moradores que a área seria repassada para uma associação de residentes, que ficaria responsável pela regularização.
— O processo de regularização já está aberto na prefeitura. Já fizemos a topografia do bairro e a Regularização Fundiária Urbana (Reurb) já está em uma fase bastante avançada. Estamos entregando para a prefeitura tudo que é necessário para fazer o Reurb. Esse é um processo complexo — diz.
O advogado ainda explica que, junto aos documentos necessários para a regularização fundiária, também foram entregues ao Executivo demandas que o bairro necessita, como a questão da infraestrutura. Ele explica que o loteamento Recanto das Cascatas deve ser enquadrado na modalidade "S" do Reurb, que é a modalidade social. Isso porque 50% da comunidade e mais 1 morador do bairro têm comprovação de baixa renda, conforme exige a lei:
— Sendo enquadrado como social, a prefeitura tem a obrigação de entregar para a comunidade toda a estrutura.
Trâmites
De acordo com o promotor Ádrio Gelatti, do Ministério Público (MP), depois que a área do loteamento fosse repassada à Associação de Moradores, ficaria sob responsabilidade da associação encaminhar a regularização fundiária. Isso só foi depois que o novo Plano Diretor do município, promulgado em 2019, tornou a área do loteamento urbana.
— Quando falamos de obra, podemos falar de obras emergenciais por conta de chuvas, deslizamentos de terras, etc., que o município pode avaliar e fazer, com autorização do proprietário (nesse caso, a associação de moradores) e mediante pedido dos moradores, ou podemos falar de implantação de infraestrutura urbana, sendo que, nesse caso, temos duas situações a considerar: a obrigação em implantar a infraestrutura é da Associação de Moradores, pelo acordo, e após assinatura do acordo veio a Lei Complementar 657/2021 que estrutura os tipos de Reurb a serem definidas pelo município, podendo ser de Reurb-S ou Reurb-E, sendo que na primeira hipótese a infraestrutura, pela lei, é de responsabilidade o município — esclarece o promotor.
Outra hipótese, segundo Gelatti, é quando o Município implanta infraestrutura por omissão do responsável, nesse caso, pode cobrar o responsável pelo custo disso.
O que diz a prefeitura
Por meio de nota, a Secretaria Municipal do Urbanismo explica que "o Recanto das Cascatas é uma área privada, pertencente ao Banrisul desde 2009, que foi ocupada irregularmente. Em 2020, foi emitido um Termo de Ajuste de Conduta (TAC), assinado pelo Ministério Público, Banrisul e Prefeitura de Caxias do Sul. Pelo documento, os ocupantes ficaram incumbidos de fazer melhoramentos no local por meio de uma cooperativa habitacional".
Dessa forma, a secretaria explica também que atualmente tramita um processo para regularização do loteamento. "Como há um pedido para que ele seja incluído em Reurb Social, está sendo realizado um levantamento para comprovar que pelo menos 50% mais 1 cumprem os requisitos de renda, conforme lei federal. Até que seja dado um parecer, a Prefeitura de Caxias do Sul não pode realizar qualquer tipo de obra de infraestrutura."
O secretário Giovani Fontana, titular de Urbanismo, explica que, no momento, o Executivo espera os documentos que comprovem o enquadramento social do loteamento no Reurb. Ele também destaca que, atualmente, a prefeitura tem mais de 200 processos de regularização tramitando e, por isso, não é possível precisar quando a regularização do Recanto das Cascatas será concluída.
— Nós ainda precisamos avançar para alcançar o que chamamos de instauração da Reurb. É uma etapa em que o prefeito assina um documento e, para cumprir essa etapa, precisa ter o enquadramento, nesse caso, o social. Então, isso esbarra na questão de que precisamos receber os documentos comprobatórios — destaca Fontana.
O secretário explica que, sem essa etapa, o poder público não tem amparo legal para realizar qualquer tipo de intervenção no local.
— Hoje nós não podemos realizar qualquer intervenção. Precisamos ser legalistas ao extremo, senão corremos o risco de fazer nascer um outro Primeiro de Maio (que gerou a dívida milionária do Caso Magnabosco) no município. Hoje, essa área é privada, por isso não podemos botar a mão lá, mas entendemos a questão social e nos solidarizamos para buscar caminhos para agilizar esse processo — pontua.