A primeira noite de frio intenso, com sensação térmica de 0°C, em Caxias do Sul, combinou com o calendário da Hospedagem Solidária. As portas da Mitra Diocesana foram abertas, nesta segunda-feira (12), para receber 26 homens em situação de rua, que já aguardavam em frente ao prédio desde antes das 19h30min. À disposição, janta, cama quentinha e café da manhã.
Esta é a sexta edição da Hospedagem e vai até setembro. Com capacidade para receber até 53 homens, além do acolhimento e conforto digno, a ação reúne as mais diversas histórias de pessoas que ocupam calçadas e marquises, mas que têm um caminho em comum: o mundo das drogas e do álcool e a dependência deles. A conversa da reportagem com os homens iniciou na fila, na calçada. Todos ali, animados com a possibilidade de dormir abrigados do frio.
Mas teve também quem entrou e desistiu. Segundo voluntários, que cuidam da vigilância, os horários regrados e o afastamento da facilidade em conseguir alimentar seus vícios são alguns dos impeditivos para resistir ao conforto. Entre eles, um comentário unânime, que a rua facilita o contato com drogas e álcool.
Primeiro da fila, Eliezer Leandro, 36 anos, mora nas ruas de Caxias há quase 30 anos. Foi quando conheceu o vício em cigarro. Tinha apenas seis anos quando, por um descuido, se perdeu do irmão mais novo, que tinha cinco. Ao voltar para casa sem o irmão Odair, Leandro foi obrigado pela mãe a buscar o irmão.
— Achei ele em uma pracinha do Centro. Disse "já que estamos na rua, vamos conhecer a cidade" — conta o homem.
Enquanto uns estão há anos nas ruas, há também quem esteja vivendo desta maneira há pouco tempo. Paulo Sérgio Domingues dos Santos Barp, 50 anos, está nas ruas há 30 dias. Ele resume a situação por "escolhas". E já se arrependeu. Nas escadas da Mitra, enquanto aguardava para fazer o credenciamento, Barp chorava, emocionado. Questionado o motivo, ele respondeu:
— São 30 dias esperando por este dia.
A emoção foi iniciada ainda no térreo. Quando ele compartilhou a um dos voluntários que, na próxima segunda (19), começa um emprego novo. Esta segunda, comercialmente conhecida como o Dia dos Namorados, e para ele como o primeiro dia da Hospedagem Solidária, estava inundada de emoção e esperança.
— Completei 50 anos dia 26 de maio, na rua. Eu não quero isso — disse, em meio às lágrimas.
Já um outro homem, de carreira militar e com família, que não quis ser identificado, pediu para ser ouvido. Ele conta que começou com o vício em analgésico, que logo virou dependência em drogas ilícitas. Ele veio de Porto Alegre e, há 10 dias, está em Caxias. Com um salário de R$ 7 mil, o homem diz que nem "vê a cor do dinheiro". Segundo ele, uma parte vai para pensão, outra para empréstimos. O que sobra são R$ 200, usados para o vício.
Ano passado, 505 homens buscaram o local para o acolhimento e mais de 10,3 mil refeições foram servidas — café da manhã e janta. A estimativa da Fundação de Assistência Social (FAS) é de que Caxias tenha 755 pessoas em situação de rua. Um cenário que já é preocupante por si só e fica ainda mais agravada com o inverno tão rigoroso da Serra. A estação mais fria do ano se inicia no próximo dia 21 de junho. Por isso, quem puder ajudar com doações de cobertores e alimentos, pode entregar diretamente na Mitra, na Rua Os Dezoito do Forte, 1.771, entre as ruas Marquês do Herval e Dr. Montaury.