A tinta entra em contato com a superfície e depende das mãos precisas do artista para que os traços ganhem forma. Depois de quatro anos de estudos, Sônia Feier se especializou em bico de pena para fazer arte com tinta nanquim. A técnica foi uma entre várias outras que a professora se dedicou em aprender ao longo da vida. Aos 70 anos, a paixão pelas possibilidades do universo da arte deu o impulso para criar a startup Casa da Artesã, em Gramado. A ideia atualmente busca por um espaço para ser colocada em prática e reunir produções artísticas e artesãos de diferentes segmentos.
Durante o projeto Cocreation Social Lab Mulher Gramado, iniciativa do Sebrae Delas em conjunto com a Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Inovação do município, a artista e mulheres com diferentes idades e ideias aprenderam sobre empreendedorismo. As aulas foram aplicadas com mentorias, workshops e palestras, por meio da metodologia TXM Business, ferramenta que contribuiu com a criação de cerca de 700 startups em todo o país.
Mesmo tento algumas dificuldades com a tecnologia no início das aulas, Sônia buscou aprender o que precisava e, quando entendia uma função nova, usava o talento como professora para ensinar as companheiras que participavam das aulas com ela.
— Precisei ir atrás de muita coisa que eu não conhecia, até para trabalhar e preencher as coisas na internet. Não sabia como fazer e fui atrás de adquirir esse conhecimento, mas conhecimento nunca é demais, a gente sempre usa, então foi muito válido. Eu já sabia o que era startup, mas não imaginava que o meu projeto ia se transformar em uma. Por meio do conhecimento que recebemos, acabou se tornando uma startup, e foi muito legal — conta a professora.
Quando recebeu o questionamento que incentiva mentes criativas a trazer para fora ideias guardadas e que acabam sendo transformadas em startups mundo afora, Sônia entendeu o problema que gostaria de solucionar: a falta de espaço para que artesãos possam expor e vender os próprios produtos.
Foi a partir daí que entendeu que todo o conhecimento adquirido como professora nos últimos 35 anos poderia ocupar um espaço onde a arte e o desenvolvimento caminham juntos. A ideia da Casa da Artesã é reunir artistas em um local para confeccionar os próprios produtos e vender para os visitantes que frequentam anualmente a cidade. Os visitantes poderão ainda acessar todos os produtos oferecidos por meio de um site.
O espaço, quando for colocado em prática, terá rotatividade entre os próprios artistas, que dividirão as tarefas para que todos possam ter momentos de produzir e vender, sem que fiquem sem tempo de fazer uma coisa ou outra. Problema comumente enfrentado por pessoas que trabalham com arte. Além disso, uma sala de aula será espaço para que cada artesão interessado possa ensinar a própria técnica com a qual trabalha. Atualmente, 16 artistas que participaram do curso ao lado de Sônia têm interesse em ingressar na startup quando ela estiver funcionando.
— Também quero que essa casa tenha o Selo Feito em Gramado, que já foi aprovado na Câmara. É de extrema importância esse selo, pelo trabalho que vai ser comercializado. E também tem o apelo do turista, que sempre busca uma peça que tenha um selo de originalidade, uma lembrança da cidade para quem vem aqui levar de volta pedacinho de Gramado — conta Sônia.
Pensando em artesãos que usam o talento que possuem para a fabricação de produtos alimentícios e desejando abraçar as mais variadas ideias que encontrou durante o curso, Sônia pretende colocar no espaço um café, onde diferentes sabores e aromas poderão ser encontrados por quem visitar a Casa da Artesã.
Entre os artistas que trabalham com o desenvolvimento de sabores, está Elisete Maria Colle, de 63 anos. A mulher começou a estudar a fabricação de doces sem glúten, lactose ou açúcar, pela força do amor que tem pela filha, que acabou sendo diagnosticada com um problema que a impediu de desfrutar dos doces que tanto gostava.
— A minha marca é de alimentação, é um produto sem glúten, lactose e açúcar e é muito carente na região esse tipo de produto, mas eu esbarro na questão da falta de espaço. Mas é muito caro para alugar e os meus produtos não podem estar localizados num bairro, precisam obrigatoriamente estar no Centro, onde as pessoas andam. Achei muito bacana o projeto justamente pela troca de experiência e de estarmos todas juntas. Não é um projeto para ela, é um projeto que contempla quase 100% dos artistas — diz Elisete.
Além disso, Elisete conta que dentro da Casa da Artesã poderá ensinar as técnicas que desenvolveu para confeccionar os próprios doces e aprender sobre outros meios e formas de arte.
A arte em contato com o propósito
O universo artístico é formado de cores e também da ausência delas, recortes, técnicas, instrumentos, sons, superfícies, profundidade e diversos itens que proporcionam aos artistas a possibilidade de colocar em prática a ideia que permeia a própria mente. Em contato com a arte desde os 19 anos, Samara Barros, encontrou na ideia de Sônia uma forma de se conectar com o propósito que tem desde a infância.
— Estou em um momento de me questionar sobre a importância da vida em si. Fazendo uma releitura do meu processo até hoje. Eu faço artesanato há 30 anos e entendi que agora preciso de um proposito de vida. Quando eu era criança, lembro que meu pai perguntou o que eu queria ser quando crescesse, e eu disse que queria ser professora. A gente precisa voltar, ir lá na infância e vasculhar para entender o que queríamos ser quando criança, porque ali está o nosso propósito de vida. Então hoje eu sei que dar aula é o meu propósito de vida — conta Samara.
Para a artista, a Casa da Artesã será um local onde poderá ensinar a técnica de confecção em couro, que trouxe consigo na bagagem vinda da Bahia. De uma família de artesãos e pessoas que sempre tiveram na identidade a arte, Samara vê no projeto uma forma de aplicar o conhecimento que carrega consigo e também um reencontro com técnicas presentes do mundo desde os primeiros habitantes.
— Ser artesã também é um resgate. A técnica que eu trabalho há mais de 25 anos, eu iniciei no sul da Bahia. Sou baiana e moro aqui há 16 anos. O couro repuxado é uma técnica milenar, que é um resgate da cultura afro-indígena. Na minha opinião, quando cidades turísticas ou capitais têm espaços de artesanatos fechados para dar espaço para empreendimentos ou lojas de materiais que vêm de outros países, não se perde só a questão da arte, mas perde a identidade cultural daquele lugar — pontua Samara.
A Casa da Artesã
Para os artistas que poderão usar da Casa da Artesã para expor as próprias artes, vender e ensinar, o lugar será ainda como uma terapia. Vivendo com o amor pela arte, artesãos veem no ambiente a possibilidade de conexão, trocas, crescimento pessoal e, até mesmo, uma forma de terapia.
Desde que o curso chegou ao fim, as participantes deram início ao "Gramado Delas". O convívio durante os cinco meses de aulas fez com que tivessem uma conexão, que não quiseram perder depois do projeto. A união entre as participantes é tanta que quando alguma precisa de alguma coisa, as outras se disponibilizam em ajudar.
Para Sônia, que nasceu em São Paulo, mas morava em Florianópolis, Santa Catarina, antes de chegar em Gramado, a história que vivenciou nos últimos 70 anos a fazem ver o mundo como uma tela em branco. Nela, a idade não é impedimento para que deixe a própria marca registrada.
— Eu tenho 70 anos, mas não estou nos 70 anos (risos). A minha cabeça é maravilhosa, no termo de criatividade, sou uma pessoa bastante ativa e a idade não me impede de fazer o que quero. Em Florianópolis eu participava de um grupo de senhoras e fazíamos enxovais para os hospitais carentes. Ali no grupo iam senhoras onde o único dia da semana que elas saíam de casa era para ir à nossa reunião. Aquilo para elas era de extrema importância e era uma alegria aquele encontro. É isso que quero para a nossa casa. Um ponto de encontro para todas as idades. Onde pessoas que estão em casa quietinhas decidam sair e aprender algum coisa nova e interessante. Vamos estar com outras pessoas, conversando e trocando ideias. Vejo isso como um ponto a mais que essa casa pode oferecer — pontua a professora.
Atualmente, com o plano de negócio pronto, Sônia busca por um espaço público e vê como inspiração a Casa do Artesão, de Bento Gonçalves. O local foi disponibilizado pela prefeitura do município e os custos são divididos entre os próprios artesãos.
— Só precisamos do espaço, mas para isso dependemos dos órgãos públicos ou de uma empresa que abrace essa causa e nos dê esse espaço. Toda a ideia, como vai funcionar, de que forma vai funcionar, nós já temos. Só precisamos do espaço para que esse projeto seja colocado em prática — conclui Sônia.