Uma síntese com considerações da comunidade católica regional será entregue à Conferência Nacional dos Bispos no Brasil (CNBB) até o final de julho de 2022. O documento formulado pela Diocese de Caxias do Sul reúne informações baseadas nas mais de cinco mil respostas recebidas por meio de um formulário que foi preenchido por leigos e religiosos, individualmente e em grupos, nas 73 paróquias e mais de mil comunidades abrangidas pela representação regional. Dentre os pontos levantados a nível local estão o enfrentamento ao individualismo, o cuidado com o meio ambiente e o protagonismo da mulher em instâncias de decisão.
Esta é uma das etapas iniciais do chamado processo sinodal que foi conclamado pelo Papa Francisco, propondo a reflexão e o debate acerca da Igreja no mundo inteiro. Os assuntos levantados chegarão aos debates do Sínodo que ocorre em outubro de 2023, no Vaticano. A atividade, lançada em outubro de 2021, é considerada a maior já realizada pela instituição desde o o Concílio Vaticano II, que ocorreu no início da década de 1960, e promoveu transformações na forma de atuação da Igreja.
— Provavelmente este seja um dos momentos mais amplos e abrangentes de escuta, que envolve dioceses de todos os países. Com essas cinco mil respostas que tivemos da comunidade podemos sentir o que as pessoas sentem. Elas disseram muitas coisas bonitas, porque há muita beleza na vida da Igreja; mas também há aspectos a melhorar, e isso é o que o Papa quer escutar — afirmou o padre Paulo Nodari, que integrou a equipe de trabalho da Diocese de Caxias do Sul, atuando também na elaboração da síntese.
O documento será apresentado à CNBB pelo bispo diocesano, dom José Gislon. Segundo a diocese, os membros da conferência se reúnem de 8 a 12 de agosto para organizar o material recebido das demais localidades do país, enviando o material para a fase continental - que engloba a América Latina e o Caribe. Conforme cronograma, até outubro de 2022, a documentação deverá estar em Roma. A etapa local foi aberta com uma missa no dia 17 de outubro de 2021, realizada no Santuário de Nossa Senhora de Caravaggio, em Farroupilha. A missa de encerramento ocorreu no último domingo (3), na Catedral de Caxias do Sul.
Reflexões acerca de um caminho conjunto
A reportagem não teve acesso à síntese, mas o padre Nodari falou sobre os principais assuntos abordados pela comunidade local em resposta às duas perguntas do formulário: "Como é que este 'caminho em conjunto' está acontecendo na nossa Igreja local? Que passos é que o Espírito nos convida a dar para crescermos no nosso 'caminhar juntos'?". Ele destacou que a proposta de reflexão resulta em pontos que, agora, precisam ser colocados em prática.
:: A vida em comunidade
O momento de retomada vivenciado pela sociedade após um longo período de restrições, ocasionado pela pandemia, refletiu nas respostas que foram compiladas pela diocese. Segundo o padre Nodari, o período de isolamento contribuiu para o fortalecimento do individualismo e o desafio, agora, é motivar as pessoas a participarem da comunidade.
— Não é apenas na Igreja, as pessoas estão resistentes, têm temor, e esse mundo da pandemia infelizmente deu vasão pra que dissessem que não precisam participar, o mundo individualista vai tomando conta. Para nós, não existe cristianismo sem comunidade. A dimensão de fé é pessoal, mas é também comunitária, elas se complementam, não caminham separadas. Esse mundo alinhado ao individualismo precisa do desafio de todos caminharmos juntos — afirmou o padre.
:: Participação e protagonismo feminino
Com isso, ele afirma que a diocese atua na busca por novas lideranças para se somarem ao trabalho da Igreja, buscando o fortalecimento das instâncias de participação comunitária, outro ponto que também foi levantado. Em abordagens referentes ao protagonismo dos leigos, na superação do chamado clericalismo, também acabou sendo elencada a necessidade de ampliação da participação de mulheres em espaços de decisão.
— A mulher não pode ser só a que dá catequese e trabalha na liturgia, é preciso que ela esteja nas instâncias de decisão, vencendo o machismo, que também pode acontecer na vida da Igreja — observou Nodari.
Segundo a diocese, a hierarquia da igreja continua sendo importante para sua organização, mas a ideia é fazer com que leigos possam trabalhar em conjunto com religiosos, de forma mais partilhada e vivencial, em uma escuta mútua e trabalho em conjunto, assim como sugere o próprio tema do processo que está sendo realizado: "Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão".
A palavra "sínodo", que costuma ser utilizada para denominar assembleias realizadas entre bispos, é usada nesta atividade pelo significado que carrega dentro da tradição da Igreja, relacionado ao "caminho que o Povo de Deus percorre". Segundo a diocese, a palavra vem do grego, sendo traduzida como "caminhar juntos".
A valorização das celebrações, da eucaristia e da palavra que integra o universo da Igreja Católica também foram indicados pela comunidade regional em resposta às perguntas do formulário.
:: Cuidado com o meio ambiente
Em uma circular publicada ainda em 2015, na chamada 'Carta Encíclica Laudato Si', o Papa Francisco fala sobre o "cuidado com a casa comum". Este termo, segundo o padre Nodari, diz respeito a um conceito mais amplo de meio ambiente, que engloba questões relacionadas ao cuidado com a natureza, assim como a cultura e as relações humanas, que também são comuns a quem vive no planeta Terra.
Nesse sentido, o processo sinodal sublinhou à Diocese de Caxias do Sul a importância de um olhar ainda mais atento às questões sociais que se colocam para além das portas da Igreja, sendo um dos caminhos o fortalecimento de pastorais que atuam com o acolhimento de pessoas que são acometidas pelo frio, fome ou violência, oferecendo espaço de escuta e também o encaminhamento aos serviços disponíveis. Um dos exemplos já atuantes é a Hospedagem Solidária, realizada pela Pastoral das Pessoas em Situação de Rua em Caxias do Sul.
— Nenhum lugar é uma ilha, não tem como não nos preocuparmos com o zelo, a atenção a quem necessita, o cuidado com os pobres. E isso não é um anexo, um adendo, mas sim a essência da evangelização. O cuidado com os pobres é um dos elementos mais importantes da vida da Igreja. É preciso ter consciência de que a Igreja é, sim, celebração, mas também é a vida — destaca o padre.