As auxiliares de limpeza Liana Dorneles dos Santos, 40 anos, e Sandra Maria Somacal, 48, tinham olhos atentos na porta de entrada de uma das escolas mais bem colocadas nos índices que medem a qualidade da educação no país. Acostumadas a monitorar a higienização da Escola Municipal de Ensino Fundamental Santa Cruz, localizada em Nova Milano, distrito de Farroupilha, na Serra, há quatro e dois anos, respectivamente, elas enfrentam um novo desafio: precisam garantir que cada criança entre no colégio em segurança após passar por verificação de temperatura e limpeza com álcool gel desde as mãos até os tênis. As mochilas, se colocadas no chão, não podem ingressar no interior do ambiente sem antes passar por jatos de spray de álcool.
— A limpeza é muito mais rigorosa, nosso trabalho mudou bastante. Limpamos cada cantinho, borrifamos álcool gel a todo instante em corrimões e puxadores. A entrada deles é bem monitorada por nós. Nos banheiros, água sanitária sempre — diz Liana, que comemorou o retorno das crianças e o fato do filho, Eduardo, 14, também ter retomado os encontros presenciais na escola.
Sandra ressalta que o modo atual de faxina exige tempo muito maior da equipe.
— Tempo, atenção e dedicação estão redobradas. Tivemos toda uma preparação para a volta deles. Se eu verificar alguém com temperatura elevada, não posso deixar entrar, mas não tivemos nenhum caso ainda. São muitas coisas para fazer, mas, ao mesmo tempo, é gratificante — diz.
A Escola Santa Cruz, referência no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de 2019 — o resultado foi divulgado em 2020 —, começou as aulas antes da maioria da rede pública no Rio Grande do Sul, marcada para esta segunda-feira (3). Ainda na quarta-feira (28), o dia começou com professores e crianças matando a saudade, mesmo que sem abraços. Os cerca de 460 alunos entre Educação Infantil e 9º ano do Ensino Fundamental estão divididos entre turmas A e B. Cada grupo vai à escola por uma semana, que funciona de forma intercalada. A média é de dois a três alunos por turma que optaram por ficar em casa. Em uma turma de 50 alunos do 7º ano, por exemplo, três ficarão no modo remoto, enquanto os outros irão a partir da escala. Os que estão no modo virtual terão conteúdos postados e vídeos produzidos pelos professores, que ficarão disponíveis na plataforma Google Classroom.
A diretora Veridiana Brustolin explica que, para os presentes, caso algum aluno apresente sintoma depois de já estar nas dependências da escola, ele será acomodado em uma sala reservada para esses acontecimentos e a família, acionada em seguida. Ela lembra que o retorno é planejado com cuidado desde dezembro do ano passado. Em 17 de fevereiro ocorreu uma breve volta, barrada por dois dias a partir do dia 22 após indefinições vindas do governo do Estado e liminares judiciais, até parar totalmente em 1º de março.
— Passamos os meses de janeiro e fevereiro organizando a parte de protocolos. Tudo foi adaptado para esse momento. Já estávamos organizados para 17 de fevereiro. Paramos, mas voltamos a colocar em prática agora. É preciso confiar muito no que se conhece sobre o vírus e deixar as famílias bem orientadas, além de conseguir oferecer todos os produtos necessários — orienta.
Em uma das salas do 5º ano do Fundamental, a professora Maria Inês Somacal Maggioni, 59, que atua na escola há 36 anos, ensinava entusiasmada a classe de 12 alunos presenciais. Como professora de currículo, ela ministra aulas de todas as disciplinas mais importantes de forma integrada. Junto, prepara os aprendizes para a Prova Brasil, do Ministério da Educação.
— A minha maior angústia era não poder estar com eles, principalmente para prepará-los para a Prova Brasil (que garantiu os primeiros lugares à Santa Cruz). À distância torna-se muito difícil. Minha meta esse ano é superar a nota que tivemos em 2019, me superando e levando eles para a frente — vibra.
Um dos maiores desejos de Maria Inês atualmente é que os professores sejam vacinados em curto prazo de tempo. Na primeira fila da sala de aula estava a estudante Eduarda Crocoli Sonza, 10.
— Em casa eu não sentia que aprendia bem e estávamos muito distantes uns dos outros. Não se compara com aqui. Tanto tempo sem ver ninguém, eu me senti nervosa e feliz em vir — contou.
A Prova Brasil é aplicada a cada dois anos nos 3º, 5º e 9º anos e para Eduarda o aprendizado continua em casa. Com a mãe, professora de matemática na mesma escola, ela pode tirar dúvidas a todo momento.
— Ela vê o meu esforço em preparar os alunos e se preocupa com o resultado dela — disse a mãe de Eduarda, Paula Crocoli Sonza, 41, que trabalha especificamente com turmas que são preparadas para o teste nacional.
Para a aluna Thaís Sebben Fabro, 14, este ano é mais do que especial porque será motivo de saudade. Estudante do 9º ano, 2021 será marcado pela despedida da escola que frequenta desde que estava no Pré. Desenvolta e confiante, ela não titubeia ao explicar o tamanho do carinho que tem pelo lugar.
— Meu sonho é que o 9º deixe um legado. Que todos vejam que nosso carinho é transformador. Quando soube que voltaríamos ao presencial eu nem acreditei. Mesmo com o esforço do professor, o sentimento nunca vai passar de forma online. A troca de olhares não substitui o computador — disse.
Pequenos do Pré passaram a lanchar dentro da sala
O retorno é vivido com alegria pelos que optaram por frequentar a escola, mas diversas alterações foram colocadas em prática. A biblioteca ainda está desativada, já que não há segurança para liberar contato com os livros, que seriam tocados por diversos alunos. Outra alteração é nas aulas de Educação Física. Os alunos não podem usar bolas para jogos. Assim, o horário é destinado para alongamentos e pequenas corridas no pátio externo. O recreio não é nem de longe igual ao da memória de estudantes mais velhos.
Acúmulo de crianças, corridas de pega-pega e brincadeiras com contato físico foram substituídos por revezamentos de turmas em horários diferentes. Desta forma, o período de descanso e lazer entre uma aula e outra é mais organizado para que os cuidados com a saúde sejam priorizados.
Uma das mudanças mais significativas é para os pequenos de quatro anos. Eles não saem das salas para fazer as refeições. As merendeiras levam o cardápio do dia até eles e, assim, evitam aglomeração no refeitório.
A merendeira Juraci Gobbi Avila, 49, se desdobra para cozinhar, profissão que tem desde os 16, e agradar a todos. O mesmo lanche é servido para os dois turnos e, agora, com uma diferença: ela e a ajudante, Adriana Tem Pahls, 49, precisam levar o alimento até algumas salas para que o refeitório não fique lotado. As turmas de Pré são as principais nesse quesito. Os pequenos não saem das salas na hora do lanche. São cerca de 80 lanches pela manhã e 130 à tarde. O cardápio é enviado semanalmente pela Secretaria de Educação.
— Gosto de passar carinho no que faço, conquisto no coração e no estômago — diz Juraci.
Professores foram testados antes do reinício
A prefeitura de Farroupilha também tem participação em um ponto importante para que a volta às aulas ocorresse de forma segura. Na segunda-feira anterior à quarta (28) em que as escolas voltaram, todos os professores foram testados para covid-19. Segundo a secretária municipal de Educação, Luciana Zanfeliz, cerca de 500 testes foram aplicados. Nenhum resultou positivo.
Pais unidos promovem melhorias
A intensa participação do Círculo de Pais e Mestres (CPM) é dos pontos fortes da escola Santa Cruz. Segundo o presidente, Clemente Valandro, o grupo funciona por meio de doações espontâneas. Com o valor, é possível atender às demandas estruturais. Exemplos de ações foram a reforma da fachada e do telhado em 2020. A prefeitura apoia, com o envio de materiais, mas o principal foi realizado por meio dos pais.
Outras melhorias foram a colocação de grama em um pátio externo da escola, além de televisores e ar-condicionado nas salas de aula. Com a pandemia, equipamentos de álcool gel com sensores foram instalados, além da colocação de tapetes sanitizantes de tamanhos maiores do que os enviados pelo município.
Segundo a diretora, outra ajuda que a escola recebeu foi uma verba de cerca de R$ 3 mil do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE) do governo federal, no ano passado.