Até o mês de fevereiro era difícil que a população de União da Serra de fato acreditasse que o coronavírus realmente existisse. Isso porque, até o dia 12 daquele mês eram registrados apenas 30 casos positivos, representando 2,6% da população. Só que o quadro começou a mudar naquele pós-Carnaval e, possivelmente, com a chegada da variante brasileira P.1, os números dispararam.
Em dois meses, o número de casos chegou a 66 infectados, quatro pessoas foram internadas em enfermaria hospitalar e uma chegou até a UTI. Ainda assim, o pequeno município de 1.144 habitantes, localizado na Serra gaúcha, está entre os sete do Rio Grande do Sul que não registraram mortes por complicações da covid-19.
Estando na cidade é possível entender muito dos motivos que deixam União naquela posição tão desejada: com o menor número de casos do Nordeste gaúcho — até o fim de semana serão apenas três ativos. Numa tarde normal de terça-feira, o centro tinha a movimentação parecida com um 1º de janeiro nas cidades grandes, poucas pessoas circulando e nenhuma casa aberta. Mas há que se considerar que o coronavírus também é responsável por esse clima de extrema tranquilidade.
— Agora tá mais calmo. Eu acredito que mudou 100%, porque circulavam mais pessoas. Agora, nos finais de semana que vem mais pessoas de fora, aqueles que tem a terra deles por aqui — relata Noeli Scorsatto Strapazzon, proprietário de um mercado na área central.
Dois fatores ajudam a entender. O primeiro está justamente na explosão de casos ocorrida em fevereiro. Depois de um mês sem ter qualquer registro de pessoas infectadas, segundo o poder público, os diagnósticos positivos entraram em ritmo ascendente. Logo, pessoas foram hospitalizadas e a esposa do vice-prefeito acabou internada em uma UTI. Como toda cidade pequena, as notícias se espalham e isso levou muita gente não só a acreditar no vírus, como aderir ao uso de máscara.
— Começava a ver o pessoal chegando no posto de saúde debilitado, a esposa do Cleonir (Tauffer, vice-prefeito), que é do nosso meio de convívio, ter que ir para uma UTI dá um impacto diferente. Isso ajudou as pessoas a se conscientizarem mais. Eles viram a nossa realidade, o amigo tendo que ir para o hospital e ficar internado. Isso foi um impacto para a população — opina Tameos Bombonatto, secretário municipal da saúde.
O segundo ponto que deixou o centro vazio em dias úteis foi a bandeira preta. Com a escola fechada, até a economia local viu uma redução no movimento. Dono do único posto do município, Raul Feltrin, diz que houve uma pequena perda do seu negócio nesse período:
— Diminuiu um pouco porque pararam as escolas, com isso os micro-ônibus da prefeitura pararam de circular. Tinha também o pessoal que saía nos fins de semana para as festas, mas parou tudo também. Ainda assim, não foi uma perda tão acentuada como deve ser na cidade grande — explica.
No mercado de Roseli, além dos idosos que reduziram muito a presença no estabelecimento, a saudade é justamente da movimentação gerada pela comunidade escolar. Como cidade pequena, ela tinha amizade com os alunos.
— A gurizada da noite vinha direto aqui. Eles vinham para comprar um lanche, um energético, um suco. Quando chegava de noite vinha a turminha das meninas e dos guris. A gente sente bastante falta — conta Noeli.
Além disso, todas as outras formas de aglomeração e convivência da população estão fechadas. As festas comunitárias e os campeonatos de futebol e bocha estão suspensos há um ano. O clube da cidade até abriu no último fim de semana, mas não teve mais do que seis frequentadores. O clima pacato e por ser uma cidade essencialmente rural ajudam para que União da Serra tenha tão poucos casos ativos e nenhuma morte por covid-19.
Eu não acreditava, diz vice-prefeito da cidade
O coronavírus entrou na família de Cleonir Tauffer, vice-prefeito da cidade, no ínicio de março. Segundo ele, o filho mais velho, de 21 anos, acabou contraindo a infecção em uma reunião da Câmara de Vereadores e se isolou em casa. Automaticamente, Cleonir, a esposa Jucemar e o filho de 15 anos também contraíram a doença.
— Cada um teve um sintoma diferente. Eu tive um, minha mulher outro, meu filho outro e o mais novo não acusou nada. A Juce (esposa) teve que ser internada na UTI do (Hospital) Tacchini de Bento Gonçalves e não foi entubada por detalhe — relata ele.
Outro contaminado pela covid-19 foi o prefeito do município, Cézer Gastaldo. Ele teve sintomas leves no final de março, ficou isolado e nenhum familiar contraiu o vírus. Para o gestor municipal, além dos exemplos que vieram da própria prefeitura, a população soube o momento de cuidar mais e assim controlar o vírus para que não perdesse o controle dentro do município.
— Cidade de interior, pouca gente, comércio também não tem muito movimento e aí é fácil de cuidar. Não dá aglomeração no mercado ou na padaria, vão um ou dois por vez. Isso nos ajudou bastante — opina Gastaldo
Procura por atendimento rápido e vacinação organizada
O secretário municipal da saúde de União da Serra acredita que a busca por atendimento nos primeiro sintomas foi o primordial para que a cidade não tivesse tantos casos e assim evitasse óbitos relacionados ao coronavírus. O cuidado precisa ser redobrado no município, justamente por boa parte da população ser idosa.
— O pessoal chegava no postinho e era testado, o médico fazia a prescrição do tratamento individualizado e já identificava se havia algum problema respiratório. Logo já encaminhava para tomografia, até a gente acabou em dois ou três dias as cotas que temos de tomografia pelo SUS. Na mesma hora já se fazia o procedimento necessário e isolava toda a família — relata Bombonatto.
Outro caso que o secretário também acredita como êxito está na vacinação. O município tem pouco mais de mil habitantes e todos cadastrados no sistema da pasta, que além da saúde abraça a assistência social. Com isso, o processo foi organizado por telefone e mais de 400 habitantes já receberam pelo menos a primeira dose. Aqueles acima dos 75 anos, inclusive, completaram a imunização.
— Ligamos pessoa por pessoa para marcar a hora, porque o frasco pode ficar até seis horas aberto. A gente ligava e marcava a hora para grupos de 10 pessoas, não todos no mesmo momento. Quem não tem condição de vir, por não ter carro ou enfermidade, a gente vacinou nas casas. Não deu tumulto, todos vieram no horário que precisava e eram todos informados — ressalta o secretário.
Por fim, o Poder Municipal também está apostando na visita de uma psicóloga para os pacientes que já saíram do isolamento e são considerados recuperados. Algo que tenta prever algum sintoma de depressão na população que acabou infectada. O vice-prefeito recebeu o atendimento e diz que foi extremamente necessário:
— Eu não comia, queria ficar sozinho, em casa e isolado. Não sei. Acho que o trabalho da psicóloga é importante, isso me ajudou.
QUEM SÃO OS SETE MUNICÍPIOS*
:: Guabiju (Serra gaúcha)
:: União da Serra (Serra gaúcha)
:: Benjamin Constant do Sul (região Norte)
:: Ivorá (região Central)
:: Novo Tiradentes (região Missioneira)
:: São Valério do Sul (região Noroeste)
:: Pedras Altas (região Sul)
*Segundo os números oficiais da Secretaria Estadual da Saúde, os municípios de André da Rocha (norte), Campestre da Serra e Vanini (norte do RS) também não possuem óbitos. Entretanto, os boletins municipais já registram ao menos uma morte por coronavírus.