Perspectiva de futuro é algo que não existe para quem está em situação de rua. Pelo menos foi como Sidinei Barbosa Cardoso Paim, 37, sentiu-se ao longo dos três meses em que as marquises de Caxias do Sul foram seu único abrigo. A iniciativa de procurar a assistência social da cidade o direcionou para o Residencial Santa Dulce, tornando-se, assim, um dos primeiros acolhidos do lar temporário que foi aberto em dezembro de 2020, com 60 vagas para reforço do serviço na cidade, até março de 2021.
O local, administrado pela Associação Mão Amiga, conta com recursos da Secretaria Estadual do Trabalho e Assistência Social (STAS/RS), e teve atividades renovadas, pelo menos, até maio, com grandes chances de serem novamente estendidas. Até o momento, 310 pessoas já foram atendidas na sede, que fica no bairro Cidade Nova. Entre elas esteve Paim, que hoje celebra o fato de ter conseguido emprego e moradia depois de ser acolhido no momento em que mais precisava.
Baiano nascido em Salvador, ele trocou o Nordeste pelo Sul pouco antes do começo da pandemia, há cerca de um ano. A experiência de mais de uma década como metalúrgico fez com que Paim deixasse sua terra em busca de novas oportunidades no setor, algo que garantisse melhores condições de vida a ele e aos seus filhos — uma adolescente de 14 e um menino de quatro anos.
— Eu acho que a localização do Santa Dulce fez toda a diferença pra mim, por ser um bairro industrial. Eu ficava vendo aquelas fábricas todas ao meu redor e pensei que não tinha como eu não conseguir um emprego aqui. A educadora social me auxiliou com o currículo, deixei ele na empresa no primeiro dia útil do ano (4 de janeiro) e duas semanas depois estavam assinando a minha carteira de trabalho — relata o trabalhador.
O objetivo de Paim foi conquistado, mas o caminho não foi como ele planejou:
— Quando a pandemia começou, eu estava em Porto Alegre e decidi vir para cá porque nenhuma Capital presta pra quem é pobre. Eu logo gostei da cidade, tinha algumas economias e fiquei hospedado em uma pensão. Foi um período em que ninguém estava contatando, então o dinheiro foi acabando e em setembro, acabei indo parar nas ruas — conta.
Segundo ele, foram três meses nos quais preferiu se manter sem contato com a família que deixou em Salvador. Não queria contar que estava na rua e que seus planos não estavam dando certo.
— Eu não tinha coragem de dizer que estava naquela situação. A rua é um outro mundo, um lugar onde nem sonhar você consegue mais, só quer apagar e acordar no outro dia. Foi pensando nos meus filhos que tive força pra sair dessa situação e procurar ajuda — afirma Paim, que procurou o POP Rua e, no dia 22 de dezembro, foi recebido no Residencial Santa Dulce.
Na noite de Natal, uma ceia farta e alegre marcou um dos primeiros momentos lembrados com carinho por ele. Mais do que uma cama, um prato de comida e um chuveiro, diz que o serviço garantiu condições para que pudesse continuar sonhando.
Empregado desde meados de janeiro, Paim também venceu a covid-19. Ter contraído a doença — que nele causou apenas sintomas gripais — acabou fazendo com que sua saída do abrigo fosse antecipada, ocorrendo no início de março. Quando deixou o local, tudo que tinha cabia dentro de uma mochila e doações garantiram que ele pudesse começar a mobiliar a casa alugada no mesmo bairro. Hoje, assim como tantos caxienses, ele acorda cedo, sai de casa para trabalhar, paga suas contas todo mês e diz estar se desenvolvendo na profissão.
— O abrigo certamente não muda ninguém, mas contribui muito para quem quer mudar. Senti que tinha pessoas apostando em mim, querendo me ajudar de verdade. Agora me sinto em estruturação, consigo ter perspectiva e enxergar o que não enxergava antes: um infinito de possibilidades — conclui.
Serviço deverá ter continuidade, diz secretária
O projeto do Residencial Santa Dulce de Caxias do Sul, que opera desde o dia 17 de dezembro na cidade, integra uma iniciativa estadual viabilizada pelo Fundo Estadual de Apoio à Inclusão Produtiva (Feaip), realizada em cinco cidades. Ao todo, foram R$ 1,7 milhão destinados aos projetos, e a mesma quantia renovada para a prorrogação dos serviços até maio.
— A ideia é manter os projetos que estão ocorrendo e ampliar para outras cinco cidades, em um primeiro momento, chegando ao final de 2022 com ações pelo POP Rua ocorrendo em 25 municípios gaúchos. Temos expectativa de captar R$ 20 milhões para projetos da área assistencial por meio do Feaip, fazemos um apelo às empresas para que optem pelo depósito que pode ser uma alternativa ao pagamento do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) — afirma a secretária estadual de Trabalho e Assistência Social, Regina Becker.
Para ela, o trabalho desenvolvido hoje em Caxias do Sul é referência no Estado porque, além de garantir o acolhimento, também disponibiliza atividades de desenvolvimento para os usuários do serviço.
— Trata-se, realmente, de um projeto de inclusão. Sabemos que é fundamental, mas não basta apenas estender a mão. Precisamos conhecer, saber quem são, de onde vêm... E a gente não pode achar que essas pessoas não têm direito de ter uma vida melhor — completa a secretária.
— Achamos que não faria sentido reunirmos essas pessoas aqui sem oferecermos atividades ou acompanhamentos. Então, o acolhido não vem somente para ficar aqui, ele acaba tendo acesso às atividades realizadas na casa e aos encaminhamentos necessários, seja em trabalho, saúde, documentação ou algum outro que a gente identifique — relata Adriana Dani Debastiani, coordenadora do Residencial.
Atualmente, 45 pessoas estão acolhidas. Além de alimentação, banho, cama e equipamentos individuais de proteção (EPIs), elas contam com oficinas de teatro, cuidados pessoais, mundo do trabalho, atividades esportivas e jogos lúdicos. Grupos de psicologia, serviço social, integração e espiritualidade também fazem parte da rotina da casa, que conta, ainda, com horta e jardim cuidados pelos acolhidos.