Com raízes que vêm da infância na colônia, em Santa Lúcia do Piaí, a educadora social Fernanda Rieta, 28 anos, colhe os primeiros frutos do projeto que idealizou e, que hoje, toca com a amiga Iazana Mattuela. As duas estão por trás do Quem Tem Fruta, perfil no Instagram criado há cerca de um mês que promove a redistribuição de frutas, legumes e hortaliças em Caxias do Sul. Por meio da coleta do que sobra em árvores frutíferas e hortas caseiras, e da destinação do excedente a famílias com menos acesso a comida nutritiva, o projeto alerta para a importância de se comer bem e da redução do desperdício de alimentos.
Fernanda estima que, toda semana, mais de 80 famílias de crianças inseridas em projetos da prefeitura recebem hortifrútis gratuitos por meio do Quem Tem Fruta - a dupla recebe as doações e faz a redistribuição a quem precisa. Por atuar nos serviços de convivência da Fundação de Assistência Social (FAS), ela sabia que esses projetos, vinculados à fundação, recebiam comida do Banco de Alimentos, mas que o consumo por parte das crianças ocorria dentro do próprio local. E se fosse possível levar parte dessa alimentação natural para casa?
— Caminhando em Caxias, eu via muita árvore de fruta carregada, várias inclusive no chão. Tem época que tem araçá por toda a cidade — exemplifica a educadora. — Fiquei pensando se haveria uma forma de direcionar esse alimento para as pessoas que precisam. O acesso a alimentos vivos e saudáveis é muito mais difícil dentro das periferias.
Fernanda se refere aos chamados desertos alimentares. Recente no Brasil — a criação de um método por parte do Ministério do Desenvolvimento Social para o mapeamento dos desertos no país só se deu em 2017 —, o conceito diz respeito aos locais com difícil acesso a alimentos naturais. A denominação leva em conta o número de habitantes do local, a distância em quilômetros entre as residências e os estabelecimentos e o tempo de deslocamento que as famílias precisam empregar para obter os produtos. Nos Estados Unidos, por exemplo, um deserto alimentar se dá em espaços que concentrem no mínimo 500 pessoas que necessitem percorrer mais de 1,5 km para acessar hortifrútis ou supermercados que vendem alimentos nutritivos. Não é difícil imaginar que tamanhos obstáculos, de tempo, espaço e financeiros, contribuam para a diminuição ou, em alguns casos, para a inexistência do consumo desses alimentos.
Tendo em vista esse contexto, Fernanda passou a perguntar a conhecidos se eles mantinham em casa árvores frutíferas ou hortas que estivessem produzindo de sobra. A disponibilidade e o interesse surgiram e, vendo que a ideia daria certo, Fernanda criou a página no Instagram. Mais pessoas começaram a acompanhar e curtir as publicações, que trazem não só orientações de como contribuir com o projeto, como também receitas e dicas para preparar os alimentos em casa. O conteúdo inspirou movimentos até de fora de Caxias:
— A página nos deu a liberdade de termos seguidores de outras cidades que acharam o projeto legal e que quiseram adotar também. Tivemos relatos de pessoas em Novo Hamburgo que replicaram a ideia — comemora Fernanda.
Para os próximos meses, o Quem Tem Fruta tem a intenção de abrir novas possibilidades. Entre elas, o estímulo às hortas urbanas e a criação de um banco de sementes. Com a iniciativa, interessados em plantar poderiam obter as sementes do projeto e, em troca, doar parte da produção de volta.
— Um exemplo é a abóbora. Se você plantar um único pé de abóbora, você tem 10, 12 frutos, dá para o ano todo — comenta Fernanda.
Outra ação na agenda é a divulgação das práticas de cultivo e preparo de plantas nativas da região e pancs, as plantas alimentícias não convencionais. Bertalha, ora-pro-nobis, taioba e, para mencionar outras mais familiares, dente-de-leão e azedinha pertencem a esse vasto universo de plantas nutritivas, esquecidas em meio à simplificação do dia a dia:
— A gente vai no mercado e encontra dois tipos de feijão. Mas existem mais de 80! Em casa, guardo 32 variedades de sementes de feijão — explica a educadora, que mantém com o namorado uma horta e é guardiã de sementes (quem cuida e produz sementes crioulas, ou seja, não geneticamente modificadas).
Num esforço para preservar a biodiversidade e levar opções mais saudáveis à mesa de quem precisa, histórias como a de Fernanda resgatam parte de uma herança esquecida. Em plena fase de crescimento, o projeto tem ajudado a alimentar uma realidade onde cada vez mais pessoas podem ter acesso à alimentação acessível e de qualidade. É simples, mas, como toda boa semente, tem o poder de se multiplicar.
Para contribuir
Além de entrar em contato com o Instagram do projeto, interessados podem procurar Fernanda pelo número (54) 98449-6996, ou Iazana pelo (54) 99923-8868.